O telemóvel pode revelar sinais de perturbações mentais
Cada vez usamos mais os telemóveis. Eles sabem mais de nós do que as pessoas que temos mais próximas. Estes dados que captam silenciosamente da utilização, podem vir a desempenhar um papel importante na deteção e monitorização de transtornos de saúde mental.
Neste artigo, apresentamos dados interessantes de como foi conduzida esta investigação, que tipos de dados foram colhidos, que conclusões emergem e quais as implicações para o futuro da prática clínica.
Contexto e motivação
Responder a questionários sobre saúde mental depende da memória, da disposição e da perceção individual de cada pessoa, o que pode facilmente introduzir erros ou distorções nos resultados.
O uso de sensores passivos em telemóveis abre-se como uma alternativa para recolher dados de forma contínua e menos intrusiva, refletindo comportamentos no quotidiano em vez de relatar apenas momentos pontuais.
Contudo, usar os dados dos smartphones, como referem os investigadores da University of Pittsburgh (EUA), não pretende substituir o clínico, mas sim complementá-lo.
Metodologia do estudo
O estudo baseou-se no inquérito denominado Intensive Longitudinal Investigation of Alternative Diagnostic Dimensions (ILIADD) realizado em Pittsburgh na primavera de 2023.
Foram envolvidos 557 participantes que aceitaram partilhar dados do telemóvel e preencher questionários relativos a sintomas de saúde mental.
Os dados recolhidos incluíram:
- Informação de GPS: tempo em casa, distância máxima percorrida a partir de casa.
- Tempo em movimento (caminhar, correr) vs tempo estacionário.
- Duração de ecrã ligado.
- Número de chamadas realizadas e recebidas.
- Estado da bateria.
- Tempo de sono estimado.
Os investigadores utilizaram o software Mplus para analisar correlações entre estes dados dos sensores e seis dimensões de sintomas de saúde mental: internalização, destacamento, desinibição, antagonismo, perturbações de pensamento e somatoformismo (sintomas físicos “sem explicação”).

O p-factor representa a tendência geral de um indivíduo para desenvolver sintomas de diferentes perturbações mentais, como ansiedade, depressão, impulsividade ou perturbações de pensamento. Em vez de se concentrar num diagnóstico isolado (como depressão ou esquizofrenia), o p-factor procura identificar o ponto de intersecção entre todos esses sintomas, aquilo que é comum entre as várias formas de sofrimento psicológico.
Adicionalmente, consideraram o factor p (ou “p-factor”), que representa uma espécie de principal componente comum a múltiplos transtornos, onde os sintomas se sobrepõem:
Se todos os sintomas fossem círculos, o p-factor seria o espaço onde todos se cruzam.
Principais resultados
Os resultados indicaram que várias métricas de telemóvel correlacionaram-se significativamente com aquelas dimensões de sintomas.
Por exemplo, o tempo em casa ou a pouca mobilidade pode relacionar-se com sintomas de “internalização” ou depressão; enquanto padrões de sono irregulares ou tempo excessivo de ecrã podem denunciar outro tipo de sintomatologia. (Embora o artigo não detalhe cada correlação individual em largo detalhe.)
Importa salientar que também se encontrou correlação com o p-factor, sugerindo que os dados dos sensores podem captar uma vulnerabilidade geral para perturbações de saúde mental, não apenas um diagnóstico específico.

Os investigadores correlacionaram os dados recolhidos (mobilidade, tempo de ecrã, sono, chamadas, etc.) não só com seis dimensões clássicas da saúde mental, internalização, destacamento, desinibição, antagonismo, perturbações de pensamento e sintomas somatoformes.
Limitações e advertências
Os autores enfatizam que os dados não permitem (ainda) fazer afirmações sobre indivíduos, os resultados referem-se a médias de grupo.
O comportamento humano é extremamente variado e muitos fatores externos influenciam saúde mental, pelo que os sensores não substituem o diagnóstico ou acompanhamento profissional.
Para já, esta abordagem serve como presença potencial de apoio, e não substituto, para a intervenção clínica.
Implicações para o futuro da prática clínica
Se esta tecnologia evoluir e for comprovada, poderá ajudar os profissionais de saúde a acompanhar melhor os pacientes entre consultas, através de dados contínuos e mais fiáveis, permitindo detetar mudanças de comportamento que indiquem piora ou recaída.
Também oferece uma nova forma de olhar para a saúde mental: em vez de se limitar a um diagnóstico específico, pode observar diferentes aspetos do funcionamento psicológico que surgem em vários tipos de transtornos.
Para a comunicação científica e para a informação, este tipo de estudo mostra como a tecnologia pessoal, como o telemóvel, pode tornar-se uma ferramenta de saúde, mas também levanta dúvidas importantes sobre privacidade, consentimento e imparcialidade na recolha de dados.






















