O dia em que a Microsoft salvou a Apple

Quando Steve Jobs voltou para a Apple em 1997, empresa que ele fundara duas décadas antes, o momento era de dificuldades. Atravessavam uma época extremamente difícil. A linha de produtos da Apple estava um autêntico caos e existia uma guerra aberta com os programadores e investidores. Com tudo isto a decorrer ao mesmo tempo, a gigante de Silicon Valley esteve a poucos dias de ir à falência.

Ainda hoje fica na história como a época em que a Microsoft salvou a Apple... ou não será bem assim?

A Macworld Expo em Boston (1997)

A 6 de agosto de 1997, na Macworld de Boston, foi com um tom carregado de sensatez que Steve Jobs anunciou à multidão algo importante. Jobs captou a atenção de todos naquela sala e falou sobre as relações com os seus parceiros e o que iria mudar.

A empresa precisa de ajuda de outros parceiros; precisa de ajudar outros parceiros.

Esta frase, proferida por Steve Jobs, iria ser alvo de uma vaia monumental, um estado de desconfiança como provavelmente nunca tinha acontecido antes, nem mesmo depois.

Era sabido que a Apple passava uma situação delicada com tudo o que se estava a desenrolar e, na altura, esta frase vinda de Steve Jobs fez sentido para os presentes na sala. Mas de repente:

Uma das primeiras parcerias que gostaria de anunciar, uma verdadeiramente importante… é com a Microsoft.

O CEO da Apple prestava informações à audiência sobre os desenvolvimentos comerciais da empresa, sobre as 1 200 000 de instalações do novo Mac OS 8 quando passou para o capítulo das parcerias. Bebe um pouco de água e dispara o nome da sua principal rival.

Microsoft?! Surpresa!

Há um burburinho na sala e nota-se um desconforto nalguns rostos, noutros há expressão incrédula e um anuir da realidade. Segundos depois Bill Gates cumprimenta o auditório já numa mistura de apupos, aplausos… afinal Bill Gates trazia novidades, para uns eram boas e para muitos era de desconfiar.

O negócio com Bill Gates…

Neste mundo nada acontece por acaso. Existe sempre uma razão maior para o desenrolar dos acontecimentos da maneira que eles acontecem. Por isso, antes de percebermos o porquê de Bill Gates ter ajudado Jobs precisamos de recuar no tempo.

Tribunal: O caso Apple vs Microsoft

No ano de 1992, a empresa San Francisco Canyon Company foi contratada pela Apple para participar no desenvolvimento do QuickTime para o Windows. No entanto, no ano seguinte, esta mesma empresa foi recrutada pela Intel para melhorar os codecs de vídeo no Windows e, eventualmente, a Microsoft e a Intel colaboraram neste projeto para desenvolver a interface gráfica.

A 6 de dezembro de 1994, a Apple alegou que a San Francisco Canyon Company usou parte do código do QuickTime no projeto da Microsoft e da Intel, tratando-se assim de “pirataria de software”. Deste modo, a Apple acusou a empresa que tinha contratado por uso indevido de material patenteado e divulgação de dados confidenciais. Eventualmente, tanto a Microsoft como a Intel foram adicionadas ao caso.

A 3 de março de 1995, a Microsoft recebeu uma ordem para parar com a distribuição de parte do software de vídeo do Windows e retirou o código que não lhe pertencia. Ainda assim, a Apple continuava a ameaçar a Microsoft que iria a tribunal pedir 1255 mil milhões de dólares.

Perante isto, a Microsoft respondeu da única forma que podia, acabou com o Office para o Mac. A decisão da Microsoft tinha em mente uma jogada que poderia ser fatal para a Apple, isto porque, na época, grande parte dos utilizadores Mac ainda utilizavam estes computadores por causa de ter o Office, segundo Bill Gates existiam oito milhões de utilizadores na plataforma.

A esta altura, Jobs ainda não tinha voltado à Apple. Ele havia sido afastado da empresa que ajudara a fundar em 1985, após perder uma disputa de poder com os decisores da empresa. Jobs foi demitido da Apple e fundou a NeXT, uma empresa de desenvolvimento de plataformas direcionadas aos mercados de educação superior e administração. Só em 1996, quando a Apple compra a NeXT é que Steve Jobs volta à empresa que ajudou a fundar.

Steve Jobs e o acordo com a Microsoft

Chegado à empresa e percebendo o estado periclitante da mesma, Jobs assumiu novamente o controlo e decidiu que a empresa precisava de estabilidade e não de uma guerra aberta com a gigante Microsoft.

Assim, o CEO propôs à Microsoft uma oferta irrecusável. Todas as acusações e disputas em tribunal seriam esquecidas e terminadas de vez se a Microsoft:

• Assinasse um acordo de cruzamento de patentes, válido para as que já existiam e para os 5 anos seguintes;
• Se comprometesse a desenvolver o Office para o Mac durante pelo menos 5 anos;
• Desenvolvesse o Internet Explorer como browser predefinido no Mac OS;
• Cooperasse para melhorar a compatibilidade entre as máquinas virtuais Java das duas empresas;
• Comprasse 150 milhões de dólares em ações da Apple que não pudessem ser vendidas durante pelo menos 3 anos.

Tudo isto pode parecer incrível, mas a Apple pode ter feito em 1997 o maior negócio da sua vida. Numa época em que o Office para o Mac era algo vital para a Apple, este acordo com a Microsoft veio segurar muitos utilizadores de Mac e dar espaço de manobra para que Steve Jobs pudesse começar o processo de recuperação da empresa.

Para a Microsoft foi também um ótimo negócio porque passou a atuar em duas plataformas distintas, gerando assim mais receita e mais utilizadores. Para além disso, a empresa de Bill Gates livrou-se do processo em tribunal com a Apple, no qual poderia ter perdido e livrou-se do vexame em praça pública pelo roubo de software da Apple.

A competição entre a Apple e a Microsoft

Bill, obrigado. O mundo é um lugar melhor.”

Steve Jobs

No ano em que a Microsoft e a Apple anunciaram a nova parceria, esta frase foi incluída na capa da revista Time e é um excelente exemplo para mostrar como Steve Jobs via a sua relação com a Microsoft. Para além disso, também Bill Gates, quando falou para os presentes na Macworld de 1997 via satélite, expressou os seus sentimentos perante a nova parceria entre a Apple e a Microsoft.

Nós pensamos que a Apple dá um enorme contributo à indústria dos computadores. E achamos que vai ser muito divertido ajudar.

Bill Gates

Uma imagem para muitos confrangedora, Bill Gates a aparecer no centro do palco Apple

Passados 10 anos...

A vida das duas empresas continuou com alguns avanços e recuos no que tinha sido acordado, mas foram 10 anos produtivos e ambas as empresas cresceram tornando-se ícones nos seus segmentos.

Dez anos mais tarde, quando os dois líderes tecnológicos se encontraram no palco da conferência tecnológica D5, entrevistados por Walt Mossberg, Steve Jobs e Bill Gates aproveitaram a ocasião para refletir acerca de tudo aquilo que atravessaram juntos.

Segundo Steve Jobs, em 1997 a Apple estava em apuros e havia muita gente na Apple (e utilizadores de produtos Apple) que pensavam que para a empresa ganhar, a Microsoft teria que perder. Mas aquilo que não percebiam é que, jogando esse “jogo”, a Apple perderia.

A Apple não tinha que ganhar à Microsoft. A marca da maçã precisava de voltar a encontrar a sua identidade e ver-se livre da competição não saudável, para que pudesse renascer.

Para mim isso era o mais importante. A Microsoft era, na altura, a empresa (sem ser a Apple) que mais software desenvolvia para o Mac. Era de loucos aquilo que se andava a passar naquela altura. A Apple estava muito fraca, portanto liguei ao Bill para tentar resolver a situação.

Referiu na entrevista Steve Jobs.

Na altura, o negócio entre a Apple e a Microsoft não acabou com a competição entre as duas empresas. Mas, em vez de se tentarem anular uma à outra, trabalharam em conjunto para moldar a incrível indústria tecnológica que hoje temos.

Quando se vive num ambiente competitivo saudável, a competição é um fator que ajuda o ser humano a dar mais de si e a tentar fazer melhor. Caso a competição não exista é mais difícil manter a motivação e a determinação para continuar. Isto acontece em todas as áreas e com a Apple e Microsoft foi exatamente isso que se passou.

A rivalidade não saudável só existe na cabeça dos consumidores que, muitas vezes, pensam que só uma empresa pode ser boa ou fazer produtos com qualidade. Devemo-nos sempre lembrar que, no final de contas, somos nós que ficamos a ganhar com os produtos fantásticos que as empresas de tecnologia produzem.

Antes de morrer Steve Jobs guardava carta de Bill Gates ao seu lado

Bill Gates revelou que escreveu uma carta a Steve Jobs quando a sua morte era eminente. Nessa carta, disse a Steve que ele deveria ter imenso orgulho de tudo aquilo que conquistou e na excelente empresa que construiu.

Segundo a esposa de Steve Jobs, Laurene Powell, Steve apreciou tanto a carta e o gesto bonito de Bill Gates que a manteve ao lado da sua cama.

Para Bill Gates foi muito estranho ver alguém tão “vibrante” como Jobs morrer tão novo. Quando Jobs morreu em 2011, Bill Gates honrou o icónico CEO da Apple, adversário e amigo.

Eu e o Steve conhecemo-nos há quase 30 anos e temos sido colegas, adversários e amigos mais de metade das nossas vidas. Raramente existe alguém que consiga causar tanto impacto no mundo como o Steve e os seus efeitos irão manifestar-se ao longo de várias gerações. Para aqueles que foram sortudos o suficiente para trabalhar com ele, tem sido uma enorme honra. Sentirei imensa falta do Steve.

Referiu Bill Gates

Em 1997, ambas as empresas se ajudaram uma à outra. Ao contrário do que muita gente pensa, não foi só a Microsoft que ajudou a Apple. Foi também um excelente negócio para Microsoft. E, acima de tudo, foram dois amigos que se uniram para que hoje tivéssemos a tecnologia que temos.

Think Different

A amizade entre Steve Jobs e Bill Gates teve o enorme poder para revolucionar a tecnologia. Eles implementaram mudanças no modo como hoje vivemos as nossas vidas. A Microsoft trouxe os computadores para o mercado a um preço acessível e a Apple deu-nos o “i” que tornou entretenimento, comunicação e computadores muito pessoais.

As pessoas que são suficientemente tolas para pensar que podem mudar o mundo, são aquelas que o mudam.

Think Different (Steve Jobs)

Esta é uma história que desmistifica muitas ideias e visões preconcebidas em factos errados que muita gente tem do mundo da tecnologia e da relação entre estas duas das maiores empresas do mundo da tecnologia. Há uma relação desde o berço até aos dias de hoje, há um fechar de compromissos, recuos e avanços sem nunca se quebrar o foco bem presente no horizonte: evoluir a sociedade e o ser humano com recurso às sinergias.