Evolução do Dinheiro: Da Troca Direta à Riqueza Duradoura
A troca direta de bens e serviços, sem recurso a dinheiro, é a mais antiga forma de comércio que conhecemos até hoje. Apesar de funcionar razoavelmente bem em pequenas comunidades, e até contribuir para a inter-dependência entre as pessoas, para que pudessem formar laços de amizade e comunidade, as suas limitações tornaram-se demasiado evidentes à medida que as economias cresciam e os indivíduos necessitavam de negociar com pessoas que não conheciam.
De facto, o principal problema da troca direta de bens é a coincidência de desejos. Isto significa que, para que uma troca entre duas pessoas pudesse ocorrer, ambas as partes envolvidas na transação tinham que ter algo que a outra também quisesse e valorizasse.
Numa pequena vila, por exemplo, pode dar-se o facto de ser prático o padeiro trocar uma certa quantidade de pão por alguns ovos do criador de galinhas (algo que ainda hoje, por vezes, acontece), mas, num mercado maior, com uma grande variedade de produtos, ter que estabelecer tal acordo não é simples nem prático.
Na realidade, esta dificuldade pode manifestar-se a vários níveis. Por vezes, pode dar-se o caso de dois bens numa transação terem valor diferente, e pode não ser conveniente, ou até mesmo impossível, dividir um dos items. Por exemplo, como é se divide uma casa para comprar um carro? Numa situação destas dizemos que estamos perante um problema de coincidência de escalas.
Por outro lado, pode também acontecer um dos bens ter um curto tempo de vida e ser necessário acumular uma grande quantidade para chegar a um determinado valor total. Num cenário hipotético, um agricultor poderia ver-se obrigado a acumular umas dezenas de quilos de alfaces para trocar por meia dúzia de galinhas. Neste caso estaríamos perante um problema de coincidência temporal, dado que não é expectável que um dos bens dure tempo suficiente para que a transação possa ser concretizada.
Para além disso, pode ainda dar-se o caso de ser necessário lidar com bens imóveis, como uma casa, por exemplo. Este tipo de itens não podem ser transportados para outra região para que a troca possa ser realizada, o que prende certas transações a um determinado local. A necessidade de coincidência de localização é outro aspeto que torna a troca direta de bens algo bastante ineficiente.
Para contornarem todos estes obstáculos, os seres humanos começaram a usar bens intermediários que pudessem ser trocados mais tarde por algo que fosse necessário. Deste modo, as pessoas começaram a valorizar items raros ou simbólicos que pudessem ser coleccionados.
Estes itens de longa duração, serviam como reserva de valor e facilitavam o comércio entre diferentes tribos, muitas vezes adversárias umas das outras. Estas primeiras formas de dinheiro tinham pouca velocidade de transação, já que o seu valor geralmente acrescia com o passar das gerações.
Deste modo, os primeiros seres humanos foram obrigados a determinar quais objetos seriam bons colecionáveis, que mantivessem o seu valor ao longo do tempo. Os indivíduos que faziam uma boa escolha e adquiriam tais objetos a um baixo custo, antes dos outros, ganhavam uma vantagem e viam a sua riqueza crescer. Esta procura e antecipação criou um ciclo de feedback que levou as sociedades a convergir numa única reserva de valor, algo designado por equilíbrio de Nash.
Ou seja, neste jogo da procura pelo melhor dinheiro, ainda hoje, cada indivíduo tenta avaliar as melhores opções à sua disposição tendo sempre em conta as escolhas dos outros, pois não existe benefício nenhum em mudar de estratégia sozinho. Deste modo, as sociedades convergem sempre no dinheiro mais aceite mesmo que outras escolhas superiores existam.
Mas, quando surge um novo incentivo, algo que revele falhas técnicas na reserva de valor atual ou uma vantagem tecnológica numa nova opção, o equilíbrio de Nash é quebrado. Neste caso, surge uma nova perceção de valor e a adoção coletiva de um novo item supera a inércia do sistema em vigor. Assim, cria-se um novo equilíbrio e surge uma nova forma de dinheiro.
O dinheiro aparece, então, na história evolutiva do ser humano como um bem intermediário acordado e aceite pelos vários atores económicos, que permitiu às primeiras sociedades ultrapassar os obstáculos da troca direta. Deste modo, os indivíduos passaram a trocar valor uns com os outros de uma forma indireta, através de um meio de troca. Esta inovação foi revolucionária na forma como as pessoas passaram a mover valor ao longo do espaço, dado que deixou de ser necessário ambas as partes estarem baseadas no mesmo local e satisfazer a coincidência de desejos para ser possível concretizar uma transação.
Ao contrário de outros bens, quando um item é dinheiro, o seu propósito não é ser algo consumível ou usado diretamente na produção. O objetivo do dinheiro é facilitar o comércio e servir como reserva de valor, ou seja, algo capaz de preservar o valor já criado sem que mais esforço ou risco seja necessário para o manter. Para além disso, o dinheiro deve ainda ser capaz de ser uma unidade de medida standard, na qual se possa atribuir um preço a outros bens ou serviços, de modo a ser possível estabelecer uma hierarquia de valor e um signal, que possa ser observado pelos vários produtores para saberem quando devem aumentar ou diminuir a produção de um certo bem.
Estas funções do dinheiro dependem diretamente do quão fácil é trocá-lo por outros bens ou serviços sem que perca valor, ou seja, do quão vendável ou líquido é. Para que um dinheiro seja vendável, ele deve ser capaz de ser divido em unidades mais pequenas ou combinado em somas maiores que permitam atingir um determinado valor. Assim, um bom dinheiro, vendável em diferentes escalas, permite comprar tanto uma casa, como uma pastilha elástica.
Para além disso, o dinheiro deve, também, ser um bem portátil, que permita transportar valor ao longo de grandes distâncias. Por exemplo, uma barra de ouro é mais vendável através do espaço do que cabeças de gado, dado que é possível concentrar muito mais valor num volume menor. Por outro lado, um bom dinheiro apresenta ainda boa durabilidade, que assegure a preservação da riqueza à medida que o tempo passa. Neste caso dizemos que o dinheiro é vendável longo do tempo.
De facto, para que qualquer dinheiro seja capaz de manter o seu valor ao longo do tempo e do espaço, o número total de unidades existentes, ou stock, deve ser imune e resistente a um rápido aumento. Assim, dinheiro difícil, ou hard money, significa que um determinado item ou bem é difícil de produzir ou encontrar. Neste caso, aumentar a quantidade total em circulação é um processo bastante lento ou até mesmo impossível. Por outro lado, dinheiro fácil, ou easy money, pode sofrer um rápido aumento num curto período de tempo, dado que não é necessário qualquer gasto de energia, tempo ou recursos para produzir mais quantidade.
Ao longo da história, sempre que uma sociedade escolheu dinheiro fácil, cuja quantidade total em circulação podia ser aumentada facilmente, as pessoas que poupavam nesse meio viram as suas poupanças desaparecer ao longo do tempo através de inflação.
Em suma, certos dinheiros tornam-se dominantes, porque a sua portabilidade, divisibilidade, escassez e quantidade limitada os tornaram meios ideais para mover valor ao longo do tempo e do espaço. Para além disso, ao tornarem-se bens vendáveis e aceites pela vasta maioria das pessoas, com o tempo, tornaram-se meios de troca e reserva de valor com reconhecimento mundial; o que abriu portas ao comércio mundial e ao surgimento de grandes mercados.
Leia também
Referências
“The Bitcoin Standard” por Saifedean Ammous, Wiley, 2018.
O texto que muitos utilizadores comentadores aqui no pplware precisavam de ler antes de comentarem assuntos relacionados com bitcoin 🙂
A pplware é que devia escolhido o titulo:
“Da troca direta ao bitcoin.”
Encaixaria que nem uma luva.
Iremos chegar lá nas próximas semanas.
Já dá para perceber a orientação. Nas próximas semanas é explicado:
– Como ficar rico
– Como manter essa riqueza ao abrigo da inflação comprando BTC
Atrevo-me a dizer que no fim faltará explicar:
– Por que é que os bancos centrais (como o FED e o BCE) têm como objetivo manter a taxa de inflação em torno dos 2%
– Por que é que a deflação (o inverso da inflação, durante um período prolongado) é considerada prejudicial para a economia
– Por que é que, por exemplo, no período do COVID ou, agora a China para estimular a economia e evitar a deflação, se emite mais moeda (coloca mais dinheiro em circulação), o que implica aumentar a inflação – mas isso é considerado positivo para a economia e a criação de emprego
– Por que é que os Estados iam abdicar dos instrumentos da política monetária para gerir a liquidez do sistema bancário (e, desse modo, da quantidade de moeda em circulação).
Se não sabes o quão fácil é refutar esse fundamentalismo e deixar cair por terra o paralelismo deste texto, é porque nem os fundamentalistas sabem o que é o BTC e como o mesmo valoriza ou desvaloriza
O dólar e euro nem para papel higiénico servem.
Bitcoin é o presente e o futuro.
Bitcoin é um esquema em pirâmide. É como uma espécie de saco de areia que as pessoas vão passando umas às outras até perceberem que não serve para nada. Nessa altura, a ultima fica com aquilo nas mãos.
Levem a bitcoin para marte e rebentem com isso lá, menos mal.
Quando trocas 1 kg de batatas por 1 litro de leite nem um nem outro pagam IVA. E saem os dois a ganhar.
O Grunho está mesmo a defender a fuga aos impostos através da troca directa de bens? Que vergonha! Se os seus camaradas sabem ainda lhe pedem que os ensine…
Qual vergonha? Os impostos, tal como os conhecemos, fazem parte do modelo de economia inventado pelos capitalistas. Com uma particularidade: eles próprios nunca pagam, ou só fazem de conta que pagam. É por isso que no modelo de fiscalidade capitalista se paga imposto sobre o trabalho e sobre o consumo para com esse dinheiro o estado pagar ajudas de estado aos negócios dos capitalistas. Isso acontece em Portugal.
Saem? Dum lado tens a mão de obra de semear e colher as batatas e da rega, do outro a compra das vacas ou procriação e sua alimentação e extração do leite, será que ficam os dois a ganhar?
Os comunas nem a si próprios conseguem explicar o seu próprio modelo.. só mesmo numa ditadura pode governar o comunismo