YouTube: este é o segredo e possível perdição da plataforma da Google
A plataforma de vídeos da Google, o YouTube, prepara-se para enfrentar uma investigação levada a cabo pelas autoridades federais norte-americanas. Em causa estão os problemas da plataforma em lidar com a crescente exposição infantil, ao passo que grande parte do conteúdo é cada vez mais orientado para tenras idades.
Este é o segredo da plataforma mas, ao mesmo tempo é também uma das maiores ameaças à mesma.
Atualmente, a plataforma da Google debate-se com uma crise de valores que tenta combater ao adaptar as suas regras de comunidade. Este estado de constante tentativa e aparente incapacidade para implementar um regulamento eficaz, está a preocupar os legisladores norte-americanos. O YouTube depende das crianças.
O YouTube, de crianças ou para crianças?
São elas o maior público e o maior centro das atenções dos principais criadores de conteúdos. As reviews, sobretudo de brinquedos, estão a ser feitas por crianças de 6 anos e os seus vídeos estão na página das tendências nos Estados Unidos da América e não só. Infelizmente, são alvos de predadores sexuais.
Com efeito, são as reações das crianças que atraem milhões de visualizações nos respetivos vídeos. Ao mesmo tempo, qualquer criador com o mínimo sentido de oportunidade e estratégia sabe que é nessa temática onde se concentra o sucesso e os proveitos financeiros. Veja-se, portanto, os dois fatores convergentes.
Se, por um lado, temos cada vez mais crianças a ver vídeos na plataforma da Google, do outro temos os criadores que apostam em temáticas ajustadas a essa faixa etária. Com o exemplo paradigmático a ser Jake Paul (à esquerda), bem como o vlogger sensação com apenas 4 anos, Tydus. Esta é a realidade.
A "explosão" do conteúdo familiar na plataforma
De acordo com a revista Time, a plataforma terá revelado que o "tempo de visualização de vlogs familiares aumentou cerca de 90% em 2018". Uma tendência transversal à plataforma, registada em ambos os lados do Atlântico. Como tal, os criadores estão a apostar cada vez mais em entretenimento leve para o maior público.
As consequências de tal estão à vista. Há uma procura por vídeos de entretenimento leve, temáticas infantis e de cariz familiar. Como tal, a oferta é cada vez mais abundante pelos motivos óbvios. Note-se ainda que nos estamos a referir ao YouTube geral, não à sua aplicação e diretório expressamente para crianças, o Kids.
Instead of moving kids content to YouTube Kids, where existing problems could be replicated, YouTube Kids should invest in curation and product development (Janko Roettgers/Variety) https://t.co/o1mU2vYATp pic.twitter.com/Mvkoes34dk
— imreganreynolds (@imreganreynolds) June 20, 2019
Há ainda um outro segredo. Os principais criadores de conteúdo aperceberam-se que não só as crianças que vêm os seus vídeos, mas por vezes também os seus pais. Assim, no meio destes começa a ser cada vez mais frequente vermos alguma promoção de produtos. Por outras palavras, empurrando publicidade.
Happy to see that #YouTube is taking this seriously. With that having said: YouTube‘s Kids app had a lot of problems in the past.https://t.co/JsSDSEYU2A https://t.co/4X96qpxHlP
— Jonas Kaiser (@JonasKaiser) June 19, 2019
Esta publicidade, escamoteada de entretenimento, ou pior, de reviews e unboxings, acaba por ser ultrapassada por uma ameaça mais gritante. A plataforma, já esvaziada de credibilidade, está a tornar-se num antro de pedofilia. A expressão, severa, é uma constatação do óbvio, tal como refere também o The New York Times.
O descrédito do YouTube
De acordo com a peça supracitada, a plataforma de vídeos da Google estava a esconder outro segredo. Desta vez, nefasto, com o seu algoritmo a agregar vários vídeos em que crianças brincavam inocentemente, mas com pouca roupa. Qualquer pedófilo encontrava várias sugestões com base nos seus gostos e preferências.
Algo que já em 2015 foi tornado público, tendo sido lançado o apelo para que os pais removessem este tipo de conteúdos da plataforma. Aquilo que seria o preservar das carinhosas memórias de infância, estaria a ser consumido por mentes perversas. Ainda assim, continuam a existir vários vídeos deste género.
It's not a "censor everything" rabbit hole. YouTube has a huge problem with kid's content. Let me share a few links to catch you up. First, "Elsagate", creepy videos with adult themes and kids cartoons that kids were being shown: https://t.co/3aOX9Fgv5n
— Jake Hamby (@jhamby) June 20, 2019
Um segredo descoberto quando alguns pais foram alertados para o facto de os seus vídeos estarem a ser partilhados em fóruns de pedofilia. De igual modo, ainda recentemente vimos uma tendência em sensualizar desenhos animados populares. O intuito era simples, destruir a inocência das crianças.
O segredo escondido pelo algoritmo do YouTube
Ainda que a plataforma tenha vindo a público anunciar várias medidas para combater isto mesmo, o esforço tem sido inglório. Assim que uma tendência, ou segredo como o das listas de reprodução e sugestões automáticas de conteúdos com crianças, era corrigida, em pouco tempo surgia outra igual, ou pior.
Com efeito, vimos também os comentários da plataforma a serem utilizados como forma de ameaça, sugestão ou tentativa de contacto. Com as temáticas a variarem entre o estranho, ao aterrador e de cariz pedófilo, vemos já a plataforma a testar uma nova forma para dar menos visibilidade aos comentários.
And then, just a few weeks ago, they found that YouTube's AI was actually *recommending* videos showing children in swimsuits or other revealing clothing to adults who were presumably watching it for sexual reasons. https://t.co/GS0OdTB47H
— Jake Hamby (@jhamby) June 20, 2019
Perante esta realidade, vários anunciantes e investidores recuaram. Ora, sem estes agentes que investem capital na plataforma, os criadores de conteúdo ficam sem fontes de receita. Como resultado, todo o YouTube entra em crise e foi aí que a empresa começou a tomar medidas mais rígidas, ainda que desconexas.
O regime imposto - vídeos adequados para todas as idades
A partir daqui a plataforma deixou bem claro que qualquer conteúdo controverso deixaria de ter retorno financeiro. Assim sendo, os criadores aderiram em massa - os que pretendem ter algum lucro com o YouTube - para conteúdo adequado a todas as idades. Por outras palavras, conteúdo leve e sobretudo que entretenha.
Este é o segredo atual e o regime vigente na plataforma da Google. Para crescer, neste momento há que produzir vídeos sem qualquer crítica, ou qualquer colocação dúbia da palavra que possa despertar os filtros da Google. De igual modo, este status quo veio também limpar os links que pejavam as descrições dos mesmos.
Gostei de um vídeo @YouTube https://t.co/knyhE0KjEo Kids Doing ASMR Was A Problem: YouTube Deletes Video
— PhoenixBR (@PhoenixBR) December 23, 2018
Acima temos mais um exemplo disso mesmo. Conteúdo classificado como ASMR foi considerado como sexualmente sugestivo e prontamente removido pela plataforma. A empresa não tolera nada que possa perigar a sua imagem, sobretudo perante os investidores e nesse aspeto a mesma tem sido implacável.
THIS IS HYPOCRITICAL AF THEN WHAT'S THE POINT OF HAVING A YOUTUBE KIDS APP!? People can swear in movies, ads that show up on YouTube, SHOW DEAD PEOPLE, etc but if I swear I'm the problem? So much for the slogan " Broadcast Yourself" I'm never censoring myself for nobody https://t.co/H6FfWZAeZC
— Jay (@Jikizy) October 12, 2018
E não há nada de errado com uma empresa privada ditar as suas regras e políticas da comunidade. Contudo, a massa de criadores vê-se assim sem outra opção a não ser criar algo que vai necessariamente ser classificado como infantil. Seja no conteúdo per se, ou na personagem que o youtuber veste ao apresentar o vídeo.
Estas soluções acabam por ser problemas para o YouTube
Quanto mais infantil é o conteúdo e menos credibilidade tem a plataforma, mais sujeita fica a empresa a uma investigação pelas entidades governamentais. Ora, é precisamente isso que avança o Washington Post, colocando o YouTube na mira da justiça federal norte-americana.
Em causa está a proteção das crianças, bem como a forma como a plataforma lida e armazena os dados de jovens e menores de idade. Ainda que a mesma tenha já tomado várias medidas como, por exemplo, restringir as transmissões em direto para quem tem menos de 13 anos, ou desativar mesmo os comentários.
São passos dados na direção certa, mas resta saber se bastarão para aquietar as preocupações estatais. A própria plataforma da Google deu a saber que estava empenhada nesta tarefa. Para tal, aumentará também gradualmente os filtros e grau de análise e curadoria dos conteúdos presentes no YouTube Kids.
A Google tem agora um problema em mãos
Por fim e ainda que a plataforma não tenha nascido para ser um local para crianças, certo é que esta é a realidade. O segredo para o sucesso no YouTube passa por agradar os algoritmos e, para tal, o conteúdo deve ser enxuto, divertido, sem qualquer juízo de valor (sensível) e apropriado para todas as idades.
Portanto, na ânsia de se tornar uma empresa exemplar, o YouTube atraiu mais atenções do que pretendia. Já a solução para o problema, não causado, mas agravado pela própria, é uma total incógnita.
Deveria o YouTube ser alvo de regulação específica?
Este artigo tem mais de um ano
Imagem: WSJ
Fonte: Fortune
Já tinha visto um vídeo do Gustavo Pinheiro https://www.youtube.com/watch?v=OH4NXmtndxQ em que ele diz que de certa forma se pode orientar o Youtube para visualização de crianças de certa forma mais expostas que pode “agradar” a pedófilos.
Neste momento, já começo a acreditar em tal cenário.
Excelente matéria.
Obrigado meu caro =)
Uma criança de 4 anos não pode trabalhar, no entanto, pode ser explorada pelos pais para fazer dinheiro com vídeos. Essa nunca percebi. Não devia ser permitido. Quanto a como tirar o youtube deste buraco, isso já é demasiado para a minha pobre cabecinha. 🙂
Verdade
Verdade
É acabar com o Youtube e plataformas sociais que só têm vindo a estragar as mentes mais fracas das crianças, e tornam-se um chamariz para os predadores.
Controlar os feeds é essencial em qualquer plataforma social. Mas a ganância….
A minha opinião quer gostem ou não , os pais têm a grande parte da culpa. Como e possível crianças terem videos próprios na internet? Não estou a desculpar quem usa essas imagens para maus fins, antes pelo contrário . Agora julgo que a primeira linha de defesa passa por não facilitar. Qual é a necessidade de crianças estarem expostos na web? Atualmente parece que temos uma crescente vontade de aprovação pelos outros.
Concordo. Não desculpando quem usa para maus fins, mas há coisas que simplesmente não devem ser publicadas nem partilhadas online.
Tem tanta culpa quem colocou a municão na arma como aquele que disparou o gatilho nestes casos.
Concordo totalmente. Além do que YouTube não foi criado para crianças. E para criança existe o kids
Quanto mais infantil é o conteúdo e menos credibilidade tem a plataforma, mais sujeita fica a empresa a uma investigação pelas entidades governamentais.
Aqui eu só fazia uma troca na ordem das palavras:
(Quanto mais infantil é o conteúdo, menos credibilidade tem a plataforma!
…..
Está dito!
É um ciclo vicioso.
O lucro, lucro $, Outro cenário (não quero fugir do tema), mas outro cenário é o das “fake news”, o Facebook finge querer preocupar-se com o assunto e elimina algumas páginas de fake news. Mas isso é uma enorme fonte de receitas. Muitos posts são financiados (as empresas publicam fake news e pagam ao Facebook mais de 50 dólares por publicação), alguns dos links eu pesquisei e descobri que as empresas de “media” tinham mais de 16 domínios web registados para propagar fake news (alguns anúncios idiotas sobre enriquecer, que até utilizavam o rosto de actores famosos da TVI ilicitamente), mas como são anúncios pagos $ o Facebook lucra, e continuo a ver posts desses todos os dias.
Vários pontos a tirar deste artigo:
1. no que toca à publicidade apresentada antes/durante o video: as marcas não querem estar associadas a polémicas e outras situacões menos positivas. É sinal que vivemos num tempo em que qualquer coisa pode ofender qualquer pessoa e a qualquer altura. O que é aceite hoje, amanhã pode já não o ser.
2. Tirem os vossos filhos da porcaria do youtube! Porra.. levem-nos ao parque, joguem jogos tabuleiro, passeio de bicicleta… tudo menos enfiar tablet/tlm/tv nas mãos com youtube, netflix e outras.
3. Apresentarem publicididade nos videos dirigidas a adultos porque os criadores apercebem-se que há adultos a ver. Não sei se será bem assim, já que a maioria não se dá ao trabalho de se ocupar dos filhos e de lhes dar atencão..duvido que percam uns minutos a criarem uma conta à crianca. Mais provavel é terem o login feito com a deles, depois no analytics aparece a idade média de visualizacoes perto dos 30.. refletindo as tais contas dos pais perguicosos.
4. Ganharem dinheiro à conta da exploracão do puto para fazer unboxing/reviews a brinquedos? A sério? a crianca até agradece, brinquedo novo para brincar. Mas qual percentagem vê do rendimento obtido em publicidade?
5 e último: O youtube e outras plataformas de videos (e jogos tbm) não são substituto pela educacão dada pelos pais.
O youtube está marimbando para a protecção das crianças (desde que é da goo). Os governos idem “”. Tal como muitos pais, que deviam ser os primeiros a zelar pela segurança e educação dos seus filhos e no entanto os cedem/alugam para redes de prostituição ou metem-lhes a Internet à frente só para que não chateiem. Ao youtube interessa facturar e seguir a campanha do degredo promovendo personagens como esse Jake Paul e os Desmond “Lactatia” que se vão semeando e multiplicando.
Eu nunca gostei do YouTube. Excelente notícia Sr. Dr. Rui (Apelido)! Tudo muito bem explicado!
Só se errar muito como pai é que filho meu vai ver youtubers portugueses.