O mercado automóvel está diariamente em foco pela constante turbulência e evolução. Não há dúvidas, sobretudo na Europa, que as ofertas chinesas nesta área são fortes e vieram para ficar. Retenha este número: um em cada três automóveis vendidos em 2030 será de uma marca chinesa.
A ameaça dos carros elétricos chineses é muito real
Depois de terem sido historicamente irrelevantes na cena mundial, as empresas automóveis chinesas estão a começar a dominar o tema automóvel um pouco por todo o mundo. Os novos direitos aduaneiros do Presidente Joe Biden, anunciados em maio, colocaram a ascensão meteórica da indústria de veículos elétricos da China no centro das atenções.
Conforme temos visto, é real a ameaça que os veículos elétricos chineses baratos e de alta tecnologia representam para os operadores estabelecidos como a Volkswagen, Ford, General Motors e até a Tesla.
Um novo relatório da empresa de consultoria AlixPartners prevê que, até 2030, os fabricantes de automóveis chineses absorverão 33% do mercado automóvel mundial, contra os atuais 21%. Em termos simples, um em cada três automóveis vendidos em 2030 será de uma marca chinesa, contra um em cada cinco atualmente.
Esta é uma tendência alarmante para os fabricantes estabelecidos que preferem expandir a sua quota de mercado do que assistir à sua erosão. E os especialistas da AlixPartners dizem que os fabricantes de automóveis antigos precisam de mudar rapidamente os seus hábitos ou arriscam-se a cair na irrelevância. (É claro que, como empresa de consultoria que faz negócios com empresas de automóveis, a AlixPartners também tem um cavalo nesta corrida. Mas não é a única fonte a dizer isto).
Os construtores de automóveis que esperam continuar a operar segundo os princípios habituais não vão apenas ter um despertar rude – estão a caminhar para a obsolescência. A revolução que está a ocorrer na indústria automóvel global é impulsionada pela incrível e outrora impensável maturação dos fabricantes de automóveis chineses que fazem uma série de coisas de forma diferente.
Afirmou Andrew Bergbaum, co-líder global da prática automóvel e industrial da AlixPartners, num comunicado.
Começamos a ver a erosão das marcas tradicionais?
Grande parte do tão falado crescimento chinês dar-se-á inicialmente no enorme mercado interno, onde os fabricantes nacionais têm vindo a superar os atores europeus e americanos há anos. Mas as empresas automóveis chinesas estão também a preparar-se para uma forte expansão global. Fora da China, a sua quota de vendas de veículos aumentará de 3% este ano para 13% em 2030, segundo a AlixPartners. Para colocar a ascensão épica da China em perspetiva, nos últimos anos o país ultrapassou a Alemanha e o Japão para se tornar o maior exportador de veículos do mundo.
Levanta-se então uma questão pertinente: o que é que os fabricantes de automóveis chineses fazem exatamente de “diferente” que lhes dá essa vantagem no futuro?
Não há dúvida que vieram trazer algumas mudanças muito perspicazes, como destacamos a seguir.
Domínio do lítio. A China passou pelo menos uma década a investir fortemente na sua indústria de veículos elétricos e em tudo o que a suporta – desde o fabrico de baterias à refinação de lítio e à exploração mineira. Este facto catapultou os fabricantes de automóveis chineses para uma posição muito à frente da concorrência no que diz respeito ao custo e à tecnologia dos veículos elétricos.
Nos EUA, os preços dos veículos elétricos continuam teimosamente elevados, porque os veículos elétricos são uma tecnologia relativamente nova e os fabricantes, à exceção da Tesla, ainda não atingiram economias de escala significativas. As empresas automóveis chinesas ultrapassaram este problema. De acordo com a AlixPartners, as marcas chinesas beneficiam de uma vantagem de 35% em termos de custos em relação a outros fabricantes, graças a custos de mão de obra mais baixos e a uma intensa integração vertical (em áreas como as baterias).
Subsídios generosos do estado. Os especialistas também notam que as empresas chinesas têm recebido subsídios muito mais generosos do que as suas congéneres ocidentais. De 2009 a 2023, o governo chinês investiu quase um quarto de trilião de dólares em veículos elétricos, de acordo com um estudo do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.
Para provar esta vantagem em termos de custos, basta olhar para o BYD Seagull, um pequeno utilitário vendido por cerca de 10.000 euros na China e que deixou os especialistas em automóveis dos EUA boquiabertos com a sua sólida qualidade de construção. Uma vez que conseguem construir carros tão baratos, os fabricantes chineses podem conseguir suportar as tarifas de importação na Europa e noutros locais, observa a AlixPartners.
As marcas chinesas também colocam uma maior ênfase na tecnologia e no design do habitáculo, diz a empresa. Por exemplo, um carro que já falamos, o Zeekr X, na China tem tido uma aceitação fantástica. Com um preço a rondar os 25 mil euros, este elétrico oferece um ecrã tátil deslizante, portas com fecho automático e uma consola central refrigerada.
Sem dúvida que a Tesla foi pioneira no ecrã tátil para veículos semelhantes ao iPad. Mas as empresas chinesas depressa agarraram no conceito e deram-lhe muito mais utilidade e versatilidade.
Forte capacidade de fabrico. Para além disso, as empresas chinesas repetem os seus produtos de forma extraordinariamente rápida, mantendo as coisas frescas para os consumidores. Desenvolvem novos modelos duas vezes mais depressa do que os fabricantes tradicionais – em 20 meses contra 40 meses, de acordo com a AlixPartners. Algumas marcas chinesas exclusivamente elétricas renovam os modelos existentes a cada 1,6 anos, em média. Nos Estados Unidos, os modelos recebem uma atualização a meio do ciclo de cerca de três em três anos, com reformulações completas a cada seis anos, aproximadamente.
Também desenvolveram uma forte aposta nos veículos elétricos com constantes melhorias do seu software, tirando proveito do over-the-air atualizando os carros com muito mais frequência do que os seus rivais globais, acrescentando funcionalidades e ajustes ao longo do tempo. Os fabricantes de automóveis da velha guarda estão a tentar tornar os seus veículos mais parecidos com smartphones sobre rodas, mas isso tem sido lento.
O preço dos carros é uma arma. Na Europa e na América do Sul (como Brasil aqui num papel determinante), as marcas chinesas já têm uma presença importante. No entanto, também nos EUA, já é percetível um crescimento, apesar de não ser tão marcante como é já nalgumas partes do mundo.
Entre 2024 e 2030, a AlixPartners prevê que a quota chinesa nas vendas de automóveis na América do Norte aumente de apenas 1% para 3%. (Atualmente, os EUA apenas recebem algumas importações chinesas, incluindo o Polestar 2 EV, um Buick, um Lincoln e um Volvo). Aumentar as taxas de 25% para 100% fará isso. E, claro, o objetivo da política era proteger os fabricantes americanos e manter à distância os produtos chineses altamente competitivos.
Apesar deste protecionismo, que tem criado enormes tensões geopolíticas, será que o mercado americano consegue aguentar as enormes pressões? Não teremos dúvidas que os consumidores dos EUA irão ficar arredados de carros com a melhor tecnologia, os mais elegantes, os mais seguros e com o melhor preço do planeta.
Claro, quando não há remédio, remediado está. Será a ameaça da China que obrigará o resto da indústria automóvel a adaptar-se e a colocar-se ao seu nível?