Análise Kingdom Come: Deliverance 2 (Playstation 5)
Sensivelmente 6 anos após Kingdom Come: Deliverance, o Reino da Boémia continua mergulhado em convulsões socias e à beira de uma guerra. Kingdom Come: Deliverance 2 é a sequela deste fantástico RPG histórico e já foi lançado, tendo o Pplware já experimentado.
Tendo sido um dos jogos mais curiosos e interessantes de 2018, Kingdom Come: Deliverance apresentou-se como uma surpresa bastante agradável no que respeita a RPGs de ação. Com forte peso histórico impregnada de um realismo superior, a Europa medieval nunca tinha sido tão fielmente recriada em videojogo, como até então.
Kingdom Come: Deliverance 2 é o sucessor direto do original. A Boémia mantém-se numa situação altamente instável, à beira da guerra (corria o ano de 1403) e, por um lado, existem os apoiantes de Venceslau da Boémia que acreditam que o seu lorde foi injustamente afastado da liderança , e por outro, existem os apoiantes do seu irmão Lorde Sigismund da Hungria, futuro Soberano do Sagrado Império Roman Germânico.
Trata-se de um momento da história europeia profícuo de grandes tramas e traições politicas, negociações, e estratagemas os quais o jogador vai ver de perto, e apercebendo-se inclusive, da forma como o povo era afetado.
O jogador encarna novamente Henry of Skalitz, um antigo ferreiro que se tornou cavaleiro, e que na fase inicial do jogo surge como vassalo de Lorde Hans Capon de Pirkstein, acompanhando-o no inicio numa missão de paz. Lorde Capon é um claro apoiante de Venceslau e envia uma carta importante a Otto Von Bergow, um dos apoiantes de Sigismundo, com o objetivo de mitigar a crescente onda de violência e evitar a guerra iminente. No entanto, algo corre mal e são assaltados antes da carta ser entregue. Henry começa, assim, uma aventura pela história medieval em plena Boémia. Uma aventura repleta de História, personagens interessantes, combate, politica e entretenimento.
Tal como referi acima, à semelhança do primeiro jogo, Kingdom Come: Deliverance 2 surge como uma forte inspiração na realidade. Tudo no jogo foi pensado e desenhado tendo em atenção à época a que o jogo remonta. Armas, equipamentos, edifícios, roupagens, ... até a forma de falar.
Quanto a inimigos, esqueçam os ogres, esqueletos andantes, dragões... nada disso! Nem tão pouco magias ou feitiços existem, pois o jogo tenta mostrar a realidade da época. E isso, também lhe confere um certo charme e magia.
Com tão grande compromisso com o realismo, o jogo é extremamente eficiente em detalhar o quotidiano naquela altura e região. Henry vai conhecer inúmeros personagens (principais ou secundários), dos mais diversos estratos sociais, fés ou profissões o que faz com que o jogador se aperceba duma riqueza impressionante que a equipa de desenvolvimento implementou. Mas mais que riqueza, uma fidelidade à história e ao pormenores da época.
E essa riqueza tanto se espelha nas missões principais, como também em toda a miríade de missões secundárias que o jogo apresenta. O mundo de Kingdom Come: Deliverance 2 é extremamente rico e com muita atividade a ocorrer a qualquer momento. Existem muitos NPCs que a dada altura necessitam de alguma coisa nossa (os comerciantes e as tabernas são ótimos locais de obter informações e missões).
Tal como no primeiro titulo, o combate é um dos principais fundamentos do jogo. Um combate em tempo real, usando armas da altura e mantendo o mesmo realismo histórico que se espera.
Como principal novidade neste capitulo, existe a inclusão de armas de fogo, raras e um pouco difíceis de manusear, são uma novidade bastante interessante. No entanto, acredito que grande parte dos confrontos sejam feitos com recurso a espadas (e arcos) sendo que foram acrescentadas novas combos a este tipo de combate.
O combate em Kingdom Come: Deliverance 2 é, pode-se dizer, um pouco demorado de dominar. Pelo menos, no inicio. É um daqueles casos que "primeiro estranha-se e depois entranha-se". A inicio, é bastante exigente pelo manuseio deficiente de cada arma mas em particular, pela dificuldade em acertar o timing correto para ataques e defesas. No entanto, o desconhecimento das táticas e equipamentos da altura também complica um pouco a vida e um novato no jogo.
Um dos principais erros que se pode cometer no inicio, será assumir que podemos entrar num confronto apenas a espadeirar a torto e a direito e esperar vencê-lo. Nada disso! Temos (e teremos sempre) de estar devidamente equipados, seja como armas, seja com armaduras e respetivos acessórios.
Com efeito, a armadura e respetivos equipamentos foram meticulosamente criados e com todo o sentido e responsabilidade histórica. Por exemplo, para se equipar um capacete, convém ter por baixo, uma proteção, tal como os livros de História dizem. Em Kingdom Come: Deliverance 2 tudo faz sentido e tudo é importante.
Após o domínio (melhor ou pior) do manuseio das armas, surgem as combos que, consoante a arma e as nossas skills (são mais de 200 para desbloquear), serão mais ou menos mortíferas. Convém explorá-las e saber usá-las em combate, pois assim que o fizermos, o combate torna-se ligeiramente mais acessível.
Convém referir também que a forma como abordamos os inimigos é um ponto a ter em atenção, podendo o terreno funcionar como mais-valia tática.
A IA dos adversários pode-se dizer que é competente na maior parte das ocasiões. Os soldados (ou rufias) com quem nos confrontamos, defendem-se e atacam consoante a sua classe... há que saber lidar com cada qual e estudar as suas rotinas de combate, pois sim... existem rotinas que podem e devem ser aprendidas antes de combater.
No entanto, após aprendidos os movimentos dos inimigos o combate torna-se mais acessível, centrando-se em sucessão de ataques demasiado lineares. Acredito que a IA poderia ser um pouco mais astuta e mais expedita no momento de nos atacar. Mas, mesmo assim, no calor dos combates sente-se a falta de algo. Algo mais realista na altura de dar o golpe, como por exemplo, efeitos visuais que vão além de simples manchas de sangue, sem se ver nenhuma ferida aberta, ou algo semelhante.
Também há situações estranhas no decorrer dos combates, em que Henry e o adversário parecem ficar presos um no outro, com os gráficos a imiscuírem-se e dessa forma, sem haver hipótese de atacar ou defender.
Graficamente, o jogo está bastante bom. Usando o CryEngine, Kingdom Come: Deliverance 2 consegue recriar um reino da Boémia vivo e vibrante, seja de dia ou e noite. As personagens encontram-se bastante bem detalhadas, assim tal como os edifícios, todos retratados com rigor. É claro que há certos glitches e alguns erros ocasionais mas, feitas bem as contas, o jogo consegue recriar um ambiente medieval da Boémia em 1403 de forma extremamente convincente.
Em Kingdom Come: Deliverance 2, há muito por onde "gastar o tempo". O jogador, se pretender, pode simplesmente vaguear pelas estradas do reino e explorar os seus recantos. É claro que tem de ter cuidado com rufias pelo caminho, ou ataques de lobos, mas poderá rumar sem destino certo e verificar da beleza deste reino digital que os Warhorse Studios criaram. E, pelo caminho, vai encontrar histórias e personagens interessantes que dão riqueza a este jogo.
Mas, poderá também encontrar alguns momentos francamente hilariantes. Em dada ocasião, encontrei um mensageiro na estrada que tinha perdido.... a mensagem que transportava. em pânico por ter a perdido, sugeriu-me uma possível solução que passou por o sovar fortemente, de forma a poder dizer que tinha sido assaltado no caminho.
Noutra ocasião, Henry apanhou uma bebedeira tão grande com os Cumans, que rapidamente aprendeu a falar húngaro. com um cão.
E por falar em assaltos, Kingdom Come: Deliverance 2 permite assaltos e outros tipos de delinquências. No entanto, o jogo não nos perdoa se formos apanhados a cometê-los ou se deixarmos pistas no caminho. Cada ação, por mais pequena que seja, traz consequências. As pessoas teimam em ficar desconfiadas em relação a Henry.
E isso leva a que existam ocasiões em que essa desconfiança parece ser demasiada, sendo-nos apontado o dedo por tudo e por nada. Fugir não será a melhor solução, tal como lutar, também não o será. Portanto, convém ter uma atitude mais discreta. Esta desconfiança exacerbada, é uma situação um pouco chata.
Mas mesmo chato, chegando ao ponto de se tornar irritante, foi a decisão dos Warhorse Studios de retirar a opção Save na maior parte dos momentos do jogo, obrigando a consumir Saviour Schanpps (que se podem adquirir), ou então em escolher a opção de "Save and Exit to Menu" e voltar a fazer Load...
Existe tanto para fazer e explorar no jogo que se tornar fácil ao jogador perder-se em coisas tão triviais como caçar, apanhar plantas, ou mesmo jogar aos dados numa taberna.
Mas mais! O jogador pode aprofundar ainda a sua faceta de artesão, na criação de espadas, ou de alquimista, na criação de poções e chás com as ervas que recolhe. Com efeito, Henry pode criar uma espada de raiz, respeitando todo o processo desde o aquecer o ferro, até ao bater na bigorna e arrefecer na água. E pode também criar uma infusão relaxante de camomila, passando por todos os passos de aquecer o caldeirão, esmagar outras ervas adicionais e dosear para dentro do caldeirão. Essas atividades encontram-se bastante pormenorizadas, tendo o jogador de efetuar todos os passos o que, por um lado é divertido mas, por outro lado, torna-se algo de moroso e um pouco chato (após a décima infusão de camomila).
A interação com NPCs é, e sempre será, um ponto central em qualquer RPG e Kingdom Come: Deliverance 2 incentiva os jogadores a falar com os habitantes da Boémia. Essas interações, são feitas através de diálogos nos quais o jogador terá de escolher determinada "fala". Cada uma poderá estar associada a uma habilidade (persuasão, mentira,...) de Henry o que lhe permitirá uma reação especifica.
Cada diálogo tem um objetivo e está profundamente ligado aos acontecimentos do jogo e à História da Boémia. Há muito para aprender com estas conversações, tanto na missão principal, como nas sidequests. Sente-se, contudo, a ausência de uma forma de nos apercebermos do impacto que a nossa deixa poderá ter no desenrolar da conversa. Isso, pois cada resposta ajuda a determinar a forma como somos vistos pelo povo, influenciam a nossa reputação e podem até vir a revelar segredos.
Como bom RPG que é, Kingdom Come: Deliverance 2 apresenta um forte investimento numa árvore de skills (ou perks) que, entre passivas e ativas, contam mais de 200. Com os pontos de skill que vamos adquirindo ao longo da história, vamos descobrindo novas habilidades (ou melhorias) e tornando o nosso Henry mais maduro e mais eficiente. E bem que é preciso, pois este Reino da Boémia bem precisa de um Henry maduro e capaz de lidar com um mundo em constante mudança e repleto de intrigas e traições no qual não faltam confrontos e combates.
E por falar em falta, creio que faria sentido uma forma de realçar objetos caídos nos cenários. Não foram poucas as vezes em que derrotei alguém no meio da relva alta e depois perdi imenso tempo à procura da arma que tinha para poder decidir se ficaria com ela ou não.
Com um mapa tão grande como o que Kingdom Come: Deliverance 2 apresenta, os Warhorse Studios decidiram algo que, apesar de não ser inédito, é francamente uma boa ideia: a de viajar rapidamente mas com a possibilidade de haverem eventos pelo caminho.
Por outro lado, a banda sonora do jogo está á altura da ambiência visual que Kingdom Come: Deliverance 2 apresenta. Imponente quando tem de ser e melancólica quando a situação o exige.
Quanto a bugs, receio poder afirmar que existem alguns. Alguns bem piores que outros mas, existem. Um dos casos mais hilariantes de bug que evidenciei, foi no decorrer de um jogo de dados e um soldado começou a atacar-me e não tinha disponível sequer a opção de desistir do jogo para dar toda a "atenção" ao guarda. Morri sentado com os dados na mão!
Mas existem mais bugs, como personagens ou itens de missões desaparecerem e não voltarmos a ter rasto delas, perdendo assim a hipótese de as concluir. Infelizmente é mais frequente do que aquilo que poderíamos esperar.
Outro problema recorrente apareceu na tentativa de alvejar veados ou galinhas com a besta, fechando o jogo de imediato. Que eu saiba, naquela altura, a caça era permitida!
Feitas bem as contas, podemos afirmar que Kingdom Come: Deliverance 2 é um jogo complexo. Sim, com efeito, é! No entanto, é impressionante que com tanta complexidade, o jogo apresenta uma certa simplicidade nas decisões do jogador. Não existe uma obrigatoriedade de fazer algo por uma ordem pré-determinada, podendo o jogador escolher o que fazer e quando fazer.
E por fim...
Em formato de resumo, Kingdom Come: Deliverance 2 revelou-se como uma experiência agradável que oscilou entre muitos momentos de satisfação e alguns momentos de desespero. Apesar dos vários problemas que o jogo apresenta e que é pena que assim seja, acredito que os amantes de RPG históricos e do primeiro titulo, vão apreciá-lo e talvez com algum DLC, os bugs venham a ser minimizados. Após os primeiros momentos de impotência de Henry, o jogo revela-se numa aventura que consegue momentos verdadeiramente entusiasmantes. A curva de aprendizagem é grande e complexa mas, após o domínio das principais mecânicas, o jogo torna-se numa aventura cativante. Os fãs de RPGs medievais, têm aqui um jogo interessante para instalar nas suas consolas, sejam novatos ou não no mundo de Kingdom Come: Deliverance.