A História das Bases de Dados – Os SGBDs Relacionais Mais Marcantes (parte 1)
Como vimos no primeiro artigo de “A História das Bases de Dados”, devido às dificuldades de manipular os dados no início da informática houve a necessidade de criar uma abstração para os dados e para a maneira de como eles são tratados. Dessa dificuldade nasceu a ideia de sistemas de gestão de bases de dados (SGBD).
Neste artigo, retomando a história “no ponto em que ela foi deixada” na primeira parte desta mini-série, hoje vou falar de alguns dos mais relevantes SGBDs relacionais da história a nível empresarial.
A IBM e as suas Sucessivas Tentativas
É surpreendente ver a quantidade de SGBDs relacionais diferentes que a IBM desenvolveu na década de 70 e 80, sendo que muitos deles nunca tiveram a representação pretendida acabando por falhar poucos anos depois da sua criação.
O primeiro SGBD relacional da IBM foi o IS/1 implementado no centro da IBM de Peterlee no Reino Unido, não passando apenas de um protótipo (1970 - 1972). O sucessor do IS/1 foi o PRTV - Peterlee Relational Test Vehicle, primeiro SGBD do mundo a implementar um otimizador para queries e a trabalhar com tabelas de grandes dimensões com cerca de 10 milhões de linhas, suportando até 1000 colunas em cada tabela. Como o seu precedente, o PRTV também nunca saiu dos laboratórios da IBM.
Seguiu-se-lhe o System R, projeto já referido no primeiro artigo desta mini-série, que implementou pela primeira vez o SQL (linguagem que mais tarde se tornou o standard da indústria para gerir bases de dados relacionais).
Em 1978, mais ou menos na altura em que o System R estava a entrar no mercado, uma equipa da Holanda que trabalhava numa subsidiária da IBM começou a trabalhar num projeto, o IBM Business System 12 (BS12). A equipa deste projeto achou que o SQL era uma linguagem inadequada e difícil de usar e, por isso, decidiu criar a sua própria linguagem que, aquando do lançamento do BS12, era computacionalmente completa e apresentava já triggers (que só apareceram no SQL no fim da década de 80).
Como todas estas tentativas não chegaram a vingar no mercado, a IBM decidiu continuar a tentar. Assim, surgiu, em 1981, o SQL/DS (Structured Query Language/Data System), que chegou a estar disponível para os sistemas operativos da IBM DOS/VSE e VM/CMS.
Em 1983, apareceu então o muito famoso Db2 lançado originalmente apenas para o sistema operativo MVS usado nas mainframes da IBM. Com o sucesso do Db2, o SQL/DS acabou por se aproximar desta solução, passando a ter o nome de Db2 for VSE & VM. O Db2 é o único SGBD relacional da IBM criado nestes atribulados anos que ainda hoje é amplamente utilizado, encontrando-se disponível para os sistemas operativos Linux, Unix, Windows e também z/OS (sistema operativo da IBM usado nas suas mainframes).
O Aparecimento do Gigante
Em 1977, Larry Ellison, com Bob Miner e Ed Oates, criaram a Software Development Laboratories (SDL). Inicialmente o plano passava por fazer um SGBD que fosse compatível com o System R. Contudo, essa ideia não foi possível de executar, pois a IBM nunca tornou público os códigos de erros do seu sistema.
Essa impossibilidade teve como consequência a mudança da visão da empresa, bem como o seu nome que, em 1978, passou a ser Relational Software, Inc (RSI). Logo no ano seguinte, lançam no mercado o seu SGBD, o Oracle Database, tornando-se no primeiro SGBD baseado em SQL disponível para compra ao público em geral.
Curiosamente, com medo de uma possível visão negativa que pudesse ser criada por estarem a vender um produto que estava apenas na “versão 1”, decidiram lançar o seu SGBD como se estivesse na versão 2, Oracle v2.
Para alinhar o nome da empresa com o seu produto core, mudaram novamente o nome da empresa, desta vez para Oracle Systems Corporation, em 1982. Os seus primeiros clientes foram a força aérea dos EUA e a CIA.
E assim nasceu um dos maiores colossos do mundo tecnológico, com um net profit de 3.82 mil milhões de dólares (USD) em 2018.
A Concorrência à Oracle e à IBM
No mercado dos SGBDs relacionais empresariais de grande escala, existem mais alguns “jogadores” que são capazes de “rivalizar” com as soluções poderosas da Oracle e da IBM. E as histórias de dois desses casos começam na mesma pessoa, um estudante de Berkeley e colaborador no projeto Ingres, Robert Epstein.
Em 1984, Epstein fundou a Sybase (inicialmente System Ware) em Berkeley com mais 3 colegas. Esta startup teve como produto inicial um SGBD que teve como base o Ingres, devido à familiaridade de Epstein. Esta empresa viria em 1988 a fazer uma parceria com a Microsoft para lançar o seu SGBD para a plataforma OS/2. Os termos do acordo dão à Microsoft uma licença exclusiva para produtos na plataforma Intel x86 e passava a fazer marketing como SQL Server.
Em 1993, a parceria foi dissolvida e ambas as partes ficaram com uma cópia do projeto. A versão 4.2 da Sybase SQL Server e o Microsoft SQL Server original eram idênticos. Depois desta divisão, a Microsoft incluiu mais funcionalidades viradas para o sistema Windows e a Sybase adicionou características mais viradas para empresas, como performance e escalabilidade. A Sybase foi mais tarde comprada pela SAP.
Hoje em dia, ambos são muito usados sendo que a Microsoft é a terceira empresa que tem mais receitas em SGBDs (dados de 2011), onde o Microsoft SQL Server tem uma grande quota, e a SAP é a quarta, onde se inclui em grande parte a Sybase.
Outro SGBD que surgiu como concorrência à Oracle, neste caso mais na década de 90, foi o Informix. Hoje detido pela IBM e ainda à venda, chegou a ser o segundo mais popular de todo o universo de SGBDs relacionais para empresas.
Este SGBD foi criado em 1980 por Roger Sippl. A parte de base de dados da Informix Corporation foi comprada pela IBM em 2001, curiosamente por sugestão da Walmart, que até então era o maior cliente da Informix. Em 2005, a IBM comprou o resto da empresa.
Outras abordagens
Neste grupo de grandes “jogadores” para empresas encontra-se também a Teradata. Esta não se posiciona no mercado como concorrente direto dos SGBDs que já foram referidos, mas sim como especialista em análise de dados. No seu site podemos ler:
Somente a Teradata aproveita 100% dos seus dados relevantes com velocidade, escalabilidade e flexibilidade para fornecer respostas para o que mais importa para o sucesso do seu negócio.
Em 1992, construíram um sistema que continha 1 terabyte de informação para a Walmart, o maior vendedor a retalho do mundo, sendo assim os primeiros a ultrapassar este marco. A Walmart ainda hoje é cliente da Teradata, sendo que em 2010 houve um prolongamento do contrato entre ambas as empresas por mais 21 anos.
Agora, falando de uma abordagem ainda mais diferente dos clássicos SGBDs, o Paradox foi lançado em 1985 pela Ansa Software para o MS-DOS, sistema operativo da Microsoft para computadores pessoais. Permitia usar Query By Example (QBE), que foi a primeira linguagem de query gráfica para bases de dados relacionais, usando tabelas visuais onde o utilizador podia usar comandos, exemplos e condições. A implementação por parte do Paradox do QBE foi feito com suporte a um mecanismo de inteligência artificial.
Visto que os computadores pessoais eram o seu target, ou seja, computadores com fraco poder de processamento, o Paradox acrescentava ainda um uso de memória acima dos concorrentes, fazendo caching de tabelas e de índices, o que lhe permitia nessa altura executar instruções muito mais rápido do que os seus concorrentes.
O Paradox comparava-se em parte com o Lotus 1-2-3 (uma aplicação da Lotus Software que era idêntico ao Excel) em termos de menus e janelas, mas com uma linguagem de programação muito mais desenvolvida e mais fácil de perceber do que as macros do Lotus 1-2-3.
Maiores receitas
Um estudo feito em 2011 pela empresa Gartner permitiu aferir que os 5 maiores proprietários de SGBDs por receita são:
- Oracle (48,8%)
- IBM (20,2%)
- Microsoft (17,0%)
- SAP including Sybase (4,6%)
- Teradata (3,7%)
Outras Curiosidades
- Acerca do nome Oracle: o nome foi escolhido por Larry Ellison, co-fundador e atualmente chairman da empresa, devido a um projeto no qual ele próprio trabalhou durante a sua passagem pela CIA com nome de código Oracle.
- A Informix, em 1997, comprou um outdoor na interestadual em frente à sede da Oracle em Redwood City, CA que dizia "Dinosaur Crossing" (ou em português, “Dinossauro a Passar”), um ataque irónico contra o suposto estado da Oracle na indústria.
- O IBM Business System 12, como não usava SQL, tinha algumas funcionalidades que esta linguagem de query não tem, como por exemplo a divisão prevista por Codd no modelo relacional.
- Uma curiosidade fora deste contexto, mas igualmente interessante. O primeiro SGBD relacional da história foi o MICRO Relational Database Management System (MICRO). Foi começado a desenvolver em 1970 como parte do projeto Labor Market Information System (LMIS) no Institute of Labor and Industrial Relations (ILIR) na Universidade do Michigan e provavelmente nem se apoiou propriamente no modelo relacional de Codd. O curioso é que, apesar de inicialmente não ter sido considerado um SGBD relacional, o MICRO possuía todas as capacidades necessárias para ser um (incluindo o facto de ser baseado na teoria das estruturas de dados conjuntos ou sets), tornando-se assim no primeiro da história a usar este modelo.
Provavelmente muitos SGBDs importantes foram deixados de fora, mas estes tiveram papéis fundamentais no panorama que conhecemos hoje. No próximo artigo de “A História das Bases de Dados”, para complementar esta lista, vou falar dos SGBDs relacionais mais marcantes a nível open-source.
Este artigo tem mais de um ano
Este artigo é muito bonito.
Bom artigo 😀
Excelente artigo.
Fico ansioso pela segunda parte do artigo!
O artigo é muito interessante, apenas não compreendo o porquê de utilizar termos usados no Brasil, quando os termos que usamos são muito mais adequados. Um exemplo é “Gerenciador”, quando o termo mais adequado é “Gestor”
Belo artigo parabens. Trabalhei com quase todos. Dinossauro passando…boa materia obrigado
Excelente artigo!! Muito bom mesmo, gostei de todo o conteúdo informativo sem ser maçador, as curiosidades foram a cereja… 😀
Continuem !
Ola. Sou DBA especialista no IBM Informix, e gostaria de entender o porque voce mencionou que o produto “ainda à venda”. O Informix nunca esteve a venda desde que foi adquirido pela IBM.
Outro detalhe: o produto continua sendo atualizado, tendo recursos unicos no mercado, e caracteristicas impressionantes de desempenho, escalabilidade e confianca. Veja mais detalhes nesta pagina da comunidade internacional de usuarios IIUG: http://www.iiug.org/en/services/technical-library/informix-history/
Desculpe mas meu teclado nao esta em Portugues, por isso a falta de acentuacao.
Então posso usa-lo grátis?
Não está à venda mas continua a estar disponível para utilização?
Eu referi que “ainda está à venda” porque é um SGBD que se manteve e mantém durante muitos anos. E daquilo que eu vi na página oficial do IBM Informix, o produto continua à venda, pelo menos em cloud.
Para o caso de ter passado a ideia errada, não queria de todo desvalorizar o Informix. Aliás, eu referi-o no texto porque achei que era importante na história das bases de dados. E não tenho dúvidas de que tem características fantásticas.