A guerra na Ucrânia levou a que os países europeus, principalmente, deixassem cair as cooperações com a Rússia em vários planos. No caso das parcerias espaciais, o telescópio alemão do observatório espacial Spektr-RG foi desligado devido à invasão. Contudo, agora a Rússia quer assumi-lo unilateralmente.
Equipado com dois telescópios, o alemão eROSITA e o russo ART-XC, este equipamento foi lançado em julho de 2019 para mapear a totalidade do céu em raios-X, mas desde o início do conflito, a parte alemã está desligada.
Rússia ameaça “roubar” telescópio alemão
As potências aliadas no repúdio à ação militar da Rússia têm deixado de cooperar nos projetos onde a nação de Putin estava envolvida. O caso da ameaça à Estação Espacial Internacional foi um primeiro sinal que quer na Terra, quer no espaço, a vontade de isolar a Rússia era uma certeza. No entanto, Putin quer seguir sozinho e não perder o trabalho já elaborado no passado.,
Assim, a Rússia segue os seus esforços para se tornar intocável na exploração espacial. O diretor da Roscosmos Dmitry Rogozin, “amigo pessoal” de Vladimir Putin e um político, não um cientista, é a voz dessa intenção. A mais recente manobra de provocação envolve o observatório Spektr-RG, um projeto conjunto entre a agência espacial russa e o Instituto Max Planck, da Alemanha.
Este observatório está equipado com dois telescópios, o alemão eROSITA e o russo ART-XC. Após ter sido desligado, como consequência da invasão da Ucrânia, Rogozin declarou que a Roscosmos irá ligá-lo novamente e assumir o controlo do observatório de forma unilateral, sem pedir permissão aos alemães.
O Spektr-RG foi projetado como o sucessor do satélite e radiotelescópio espacial Spektr-R, lançado em 2011 e deixou de funcionar em janeiro de 2019, meses antes do novo observatório entrar em operação. O maior instrumento do conjunto, o telescópio de raios-X eROSITA, é projeto alemão desenvolvido para observar a expansão do universo, e já captou imagens incríveis do céu observável.
A parte russa do conjunto é o segundo telescópio, chamado ART-XC, embora a ideia de usar raios-X para capturar emanações energéticas do Cosmos tenha sido ideia do astrofísico russo Rashid Sunyaev, ainda na época da União Soviética. O projeto, datado dos anos 1980, já previa a colaboração entre países (na sua maioria europeus), mas não foi para a frente devido o alto custo. Em 2003, a Roscosmos retomou o projeto, mas de menor escala.
O eROSITA foi planeado para uma missão de 7 anos, no que ele deverá perscrutar o céu e registar emanações de até 10 KeV, de modo a detetar novos aglomerados e núcleos ativos de galáxias, mas a invasão da Rússia à Ucrânia atrapalhou os trabalhos, unicamente devido a Dmitry Rogozin.
Não foi a Alemanha que “desligou” a sua parte no telescópio
Depois da invasão, vários países cancelaram os acordos com a Rússia. Por sua vez, a Roscosmos, a agência espacial russa, cancelou todos os contratos e acordos mantidos com outras agências para lançamentos futuros, em represália a tais nações serem contra a “operação militar especial” da Rússia na Ucrânia, e apoiarem sanções e vetos contra Moscovo.
Um dos mais emblemáticos envolveu a OneWeb, para o lançamento (já pago) da última leva de satélites de órbita baixa da concorrente da SpaceX. Conforme foi anunciado, três dias antes do lançamento, a Roscosmos cancelou o contrato e exigiu que o Reino Unido, que havia ajudado a OneWeb da falência, saísse da parceria, o que não aconteceu.
Como resultado, quer o investimento financeiro, quer os 36 satélites ficaram em terra, pois nada subiu ao espaço no foguetão Soyuz. Tudo ficou nas mãos dos russos.
O Spektr-RG também não escapou ileso. No dia 2 de março de 2022, o Instituto Max Planck declarou que o eROSITA foi colocado em “modo de espera” devido ao conflito. Simultaneamente, Rogozin afirmou que um dos satélites do observatório foi desligado não pelos alemães, mas pela Roscosmos, aparentemente a pedido dos outrora parceiros.
Segundo informações, a agência russa “possui os recursos para conduzir as experiências sozinha”, dando a entender que a Roscosmos dependeria apenas do ART-XC para suas investigações. Até aqui não era importante quem desligou o quê, o facto era que o eROSITA estava offline e em tese, deveria permanecer assim. Ou assim se pensou.
Numa entrevista recente à rede de televisão russa, Rogozin disse que “recebeu instruções para restaurar a operação do telescópio alemão no sistema Spektr-RG, de modo que ele volte a operar em conjunto com os instrumentos russos”.
Apesar da exigência da Alemanha em desligar um dos dois telescópios do Spektr-RG, os especialistas russos insistem que ele continue o seu trabalho. A Roscosmos tomará decisões relevantes a esse respeito num futuro próximo.
Eles — as pessoas que decidiram desligar o telescópio — não possuem o direito moral de interromper tal investigação em prol da humanidade, pois os seus ideais pró-fascismo são muito próximos dos dos nossos inimigos.
Disse Dmitry Rogozin em declarações.
Rússia poderão ser os primeiros piratas espaciais
Segundo informações, Rogozin em momento algum mencionou consultar o Instituto Max Planck, de facto, a operação em tese será retomada de modo unilateral, no que o controlo do Spektr-RG passará a ser 100% da Rússia. Em grosso modo, a Roscosmos está prestes a roubar o eROSITA à Alemanha.
Claro que a declaração de Rogozin caiu muito mal entre a comunidade científica, e mesmo os investigadores russos estão irritados com a atitude. Lev Zeleny, diretor do Instituto de Investigação Espacial da Academia de Ciências da Rússia, disse que “todos os cientistas do instituto são contra tal proposta”, tanto por razões políticas (é um ato de pirataria clássico, afinal), quanto técnicas.
Atualmente, o Spektr-RG está no Ponto Lagrange L2 do Sistema Sol-Terra, o mesmo onde se encontra o Telescópio Espacial James Webb, a 1,5 milhão de quilómetros de distância. Resta saber se a Roscosmos cumprirá a ameaça de Rogozin, que pode tornar-se no primeiro pirata espacial da História.