Um dia teremos que tirar a Terra da órbita que conhecemos. Vários cenários apocalípticos poderão obrigar-nos a isso, seja porque o Sol ficará sem combustível e, ao expandir-se, provavelmente engole a Terra, seja pela ameaça mais imediata, o apocalipse do aquecimento global. Será possível mexer o nosso planeta para este entrar numa nova rota de vida?
Segundo cientistas de engenharia espacial, é possível, na teoria, mover o nosso planeta.
O Espaço é uma passagem, para a outra margem
No filme chinês de ficção científica The Wandering Earth, lançado recentemente na Netflix, a humanidade tenta mudar a órbita da Terra usando enormes propulsores para escapar do sol em expansão – e evitar uma colisão com Júpiter.
O cenário pode um dia tornar-se realidade. Isto porque daqui a cinco mil milhões de anos, o Sol irá transformar-se numa Gigante Vermelha. Desse modo, o centro da estrela vai encolher e as suas camadas externas vão-se expandir, engolindo o nosso planeta
Contudo, há uma ameaça mais imediata, não nos podemos esquecer do apocalipse do aquecimento global. Assim, mover a Terra para uma órbita mais ampla poderia ser uma solução – e isso é possível na teoria.
Como seria possível mover a Terra de órbita?
Por uma questão de argumento, vamos supor que pretendemos mover a Terra da sua órbita atual para uma órbita de 50% mais longe do Sol, semelhante à de Marte.
Conforme temos acompanhado, há técnicas planeadas para mover pequenos corpos – asteroides – da sua órbita por muitos anos, principalmente para proteger o nosso planeta dos impactos. Alguns são baseados numa ação impulsiva e muitas vezes destrutiva: uma explosão nuclear perto ou na superfície do asteroide, ou um “impacto cinético”, por exemplo, uma nave que colida com o asteroide a alta velocidade.
Estes não são claramente aplicáveis à Terra devido à sua natureza destrutiva.
Outras técnicas envolvem um impulso muito suave e contínuo durante um longo período. Assim, recorrendo a um rebocador ancorado na superfície do asteroide, ou a uma nave parada dele, poderia mudar a sua órbita. Contudo, estas técnicas não poderiam ser aplicadas ao nosso planeta. Este tem uma massa enorme, quando comparado a um asteroide.
Propulsores elétricos
Na verdade, atualmente já estamos a mover a Terra da sua órbita. Sempre que uma sonda sai da Terra para outro planeta, ela transmite um pequeno impulso à Terra na direção oposta, semelhante ao recuo de uma arma. Felizmente para nós – mas infelizmente com o propósito de mover a Terra – este efeito é incrivelmente pequeno.
O Falcon Heavy da SpaceX é o veículo de lançamento mais capaz atualmente. Precisaríamos de 300 mil bilhões de lançamentos em capacidade total para alcançar a mudança de órbita para Marte. O material que compõe todos estes foguetes seria equivalente a 85% da Terra, deixando apenas 15% da Terra na órbita de Marte.
Poderia ser utilizado um propulsor elétrico como acelerador iónico. Este recorria à eletricidade para acelerar os iões pela parte de trás da nave. Poderíamos apontar e disparar um propulsor elétrico na direção final da órbita da Terra.
Eventualmente estaríamos a falar num enorme propulsor que teria de se situar a 1000 km acima do nível do mar, além da atmosfera da Terra. Contudo, teria de estar firmemente ligado ao planeta com um feixe rígido. Isto seria necessário para transmitir a força impulsora.
Com um feixe de iões disparado a 40 quilómetros por segundo na direção certa, ainda precisaríamos ejetar o equivalente a 13% da massa da Terra em iões para mover os 87% restantes.
Navegar na luz
Como a luz carrega o momentum, mas não a massa, também podemos ser capazes de alimentar continuamente um feixe de luz focalizado, como um laser. Assim, a energia necessária seria recolhida do Sol e nenhuma massa da Terra seria consumida.
Mesmo usando a enorme central a laser de 100 GW prevista pelo projeto Breakthrough Starshot, que visa impulsionar as naves para fora do sistema solar para explorar estrelas vizinhas, ainda levaria três mil biliões de anos de uso contínuo para alcançar a mudança orbital.
Aliás, a luz também pode ser refletida diretamente do Sol para a Terra usando uma vela solar. Os investigadores mostraram que precisaria de um disco reflexivo 19 vezes maior que o diâmetro da Terra para alcançar a mudança orbital ao longo de um período de mil milhões de anos.
Bilhar interplanetário
Uma técnica bem conhecida para dois corpos em órbita trocarem o momentum e alterar a sua velocidade é usar uma passagem próxima, ou gravidade assistida.
Assistência Gravitacional é o termo utilizado em Mecânica orbital e Engenharia Aeroespacial. Designa a utilização do movimento relativo e a gravidade de um planeta ou outro corpo celeste objetivando a alteração da trajetória e da velocidade de uma nave espacial, o que proporciona economia de combustível, tempo ou recursos financeiros.
Este tipo de manobra tem sido amplamente utilizado por sondas interplanetárias. Por exemplo, a sonda Rosetta que visitou o cometa 67P em 2014-2016, durante a sua jornada de dez anos até o cometa, passou nas proximidades da Terra duas vezes, em 2005 e 2007.
Como resultado, o campo de gravidade da Terra transmitiu aceleração substancial à Rosetta, que teria sido inatingível usando exclusivamente propulsores. Consequentemente, a Terra recebeu um impulso oposto e igual – embora isso não tenha nenhum efeito mensurável devido à massa da Terra.
Com um design de trajetória preciso, é possível explorar o chamado “alavancar Δv” – um pequeno corpo pode ser empurrado para fora da sua órbita e, como resultado, passar pela Terra, proporcionando um impulso muito maior ao nosso planeta. Isso pode parecer excitante, mas estima-se que precisaríamos de um milhão dessas passagens próximos, separados por alguns milhares de anos, para acompanhar a expansão do Sol.
Em resumo…
De todas as opções disponíveis, o uso de múltiplos impulsos assistidos do asteroides parece ser o mais viável no momento. Contudo, no futuro, explorar a luz pode ser a chave – se aprendermos a construir estruturas espaciais ou laseres superpotentes.
Pese o facto de teoricamente possível e possa um dia ser tecnicamente viável, pode ser mais fácil mover a nossa espécie para o nosso vizinho planetário, Marte.
Depois de considerar como seria desafiador mover a Terra, colonizar Marte, torná-lo habitável e mover a população da Terra para lá com o tempo, pode não parecer tão difícil, afinal.