Análise Life is Strange: True Colors (Playstation 5)
Em 2015 foi lançado Life is Strange, um jogo que surpreendeu por vários motivos, mas, acima de tudo, pela forma inteligente como moldou a sua jogabilidade em função de uma narrativa muito peculiar. Incentivada pelo sucesso do jogo, a Square Enix lançou, passados 3 anos, Life is Strange 2 e, agora, passados outros 3 anos, eis que nos chega a terceira história, True Colors.
Tal como os anteriores, True Colors apresenta uma história forte e cativante, com uma jogabilidade muito própria e nós já tivemos o prazer de o experimentar.
Os títulos Life is Strange podem ser caracterizados como verdadeiros contos interativos nos quais as temáticas delicadas trazem ao de cima questões bastante pessoais, tanto moral, como eticamente.
True Colors não foge à regra e como os jogos anteriores, a sua narrativa e sistema de decisões são o prato principal.
Alex Chen e Haven Springs
A história de Life is Strange: True Colors apresenta-nos Alex Chen, uma jovem que acabou de sair do orfanato, onde viveu grande parte da sua vida desde os seus 11 anos.
Com um passado bastante turbulento, que vamos descobrindo ao longo do jogo, Alex apanha um Expresso para se reunir com o seu irmão mais velho, Gabe Chen, que vive na pacata e serena vila mineira de Haven Springs, no Colorado. É uma localização aparentemente perfeita onde a calma e tranquilidade parecem reinar.
Trata-se de uma vila calorosa e pequena onde todos os habitantes se conhecem e, numa altura inicial do jogo, tudo aponta na direção de que Alex pode ter finalmente descoberto um local ao qual pode chamar de Lar, ao lado do seu irmão. Mas, é então que algo acontece.
Nesse mesmo dia, Ethan (filho da namorada de Gabe) decide partir para a aventura numa mina obsoleta e dá-se um trágico acidente, no qual Gabe morre. Contudo, cedo se levanta a suspeita se realmente foi um acidente, negligencia ou algo mais negro.
Alex, não convencida de todo com o acidente decide investigar a origem do mesmo e, à medida que escava mais fundo na vida e história da pacata Haven Springs, vai começar a descobrir que a própria vila tem um passado. Uma história manchada de sangue.
É, portanto, com este estado de espírito, ao tentar superar a dor de perder o seu irmão que Alex vai tentar descobrir o que aconteceu na realidade e munida do seu dom, vai alterar a vila de Haven Springs para sempre.
A perda
Tal como tem acontecido nos jogos anteriores de Life is Strange, True Colors apresenta uma temática bastante pesada e emotiva. Um dos exemplos disso mesmo, é a descoberta que também vamos fazendo acerca duma Alex Chen mais íntima e com os seus problemas emocionais passados.
Alex não é um simples boneco nas mãos do jogador para avançar na história. A Deck Nine tentou (e conseguiu) dar-lhe conteúdo e uma "alma", revelando-nos as suas emoções, especialmente em relação ao irmão e pai, de forma extremamente bem conseguida.
O conflito entre lidar com a sua dor pessoal e embarcar na procura do que se passou naquela noite, está bastante interessante e o jogo ganha bastante com a forma como a Nine Deck conciliou o luto de Alex com a necessidade de saber mais.
O dom
Alex Shen é uma rapariga aparentemente normal, mas, que tem um dom. Uma habilidade especial que desde cedo descobriu que tanto pode ser um dom, como uma maldição. Acontece que Alex consegue ver (através de auras coloridas) e sentir as emoções das outras pessoas.
É com base nesse dom que, grande parte da jogabilidade de True Colors se constrói. É com base neste seu dom que Alex vai descobrir pistas para descodificar as emoções e comportamentos dos restantes personagens e se o jogador o usar corretamente, vai também permitir descobrir muitas memórias e segredos de cada um deles.
A mecânica do uso do dom é simples. O jogo é um point'n click no qual apontamos Alex na direção de um objeto ou pessoa e surge-nos a opção de dialogar ou interagir. No entanto, podemos também usar o dom de Alex, pressionando L2, para identificar o estado de espírito dessa pessoa, ou se esse objeto está impregnado de memórias.
Dessa forma conseguimos ler os restantes personagens, assim como, descobrir memórias, segredos e formas de desbloquear impasses.
Uma história, um caminho
Life is Strange: True Colors apresenta em qualquer situação uma grande liberdade de escolha ao jogador. Seja na forma e ordem como explora Haven Springs e os seus locais, seja na escolha das opções de diálogo, ou mesmo na forma como abordamos as pessoas, tudo fica ao critério do jogador.
E Haven Springs é uma vila com memória. Cada ação, cada conversa, cada auxilio que presta aos habitantes, ficam registados na memória do jogo, o que irá culminar em última instância com uma sucessão de diálogos finais, no último ato do jogo.
Não pensem, no entanto, que existe um caminho certo para o jogo. True Colors pretende também deixar-nos essa mensagem. Há sempre várias opções a ponderar, tanto nos diálogos como nas interações.
Por exemplo, a pouco mais de meio do jogo, somos confrontados pelo Deputy Pike sobre algo que fizemos e reparamos que ele está aterrorizado por algo (ou alguém). O jogo coloca-nos então a escolha sobre o que fazer? Dar-lhe incentivo para ganhar coragem, mesmo com os riscos que isso acarreta, ou por outro lado, deixá-lo com os seus medos e assim perpetuar uma situação injusta?
Este é o grande trunfo do dom de Alex. Permite-lhe sentir realmente as emoções das outras pessoas como se fossem as suas próprias emoções e dessa forma, perceber exatamente as motivações para os seus comportamentos.
Com o avançar do jogo, que peca por ser bastante curto, Alex vai começar gradualmente a conhecer a vila e as suas pessoas. Com o acumular das suas interações com os habitantes locais e através do uso do seu dom, vai-se tornar numa espécie de "curandeira" da vila. Poderá parecer um pouco exagerado, mas dada a temática do jogo acaba por enquadrar-se.
Por exemplo, a dada altura, encontramos um casal de amigos a falar na rua e, através do dom de Alex, descobrimos que ambos gostam um do outro, mas que lhes falta de o assumir. Se optarmos por tal, poderemos ser nós a dar esse click.
É claro que se tratam de situações paralelas e o uso do dom terá muito mais impacto no decorrer da história principal, mas não deixam de haver algumas boas mensagens a serem transmitidas no decorrer destas histórias paralelas.
Num jogo deste género, os diálogos têm grande importância no sentido de manter os jogadores agarrados. Devem, portanto, evitar cair na monotonia e repetição. True Colors consegue fazê-lo e bem na maior dos casos. As conversas são práticas e com insinuações ao dia a dia de cada personagem. No entanto, nunca esquecendo que nesses diálogos se passam mensagens e dicas úteis para a evolução do jogo.
Devagar, devagarinho
Uma das características que sempre marcaram Life is Strange, desde o primeiro jogo, é o facto de serem jogos bastante pausados e lentos.
Com efeito, True Colors apresenta-se de igual forma, com um ritmo bastante lento. Não me refiro ao avançar dos eventos, mas, sim, à velocidade a que as coisas se passam. Nos momentos mais introspetivos essa lentidão faz algum sentido, no entanto, o resto acaba por ser demasiado deserto e sem vida.
Por exemplo, um dos pontos principais de Haven Springs é a rua principal. Ali fica a loja de Charlotte ou a loja de discos de Steph e é um dos pontos onde mais vezes passamos. Sendo o local central da vila, acho que poderia haver um pouco mais de vida. Faltam as pessoas a passear, a entrarem nas lojas... algo que indique que Haven Springs é uma vila viva.
Devo confessar que apreciei da representação dos atores e do trabalho de vozes que fizeram. Está bastante competente e, sendo em inglês (legendas em brasileiro), ajudam a criar o ambiente propicio a cada situação. Por exemplo, a dada altura desenrola-se uma cena romântica (com um ou uma outra personagem) e nota-se a emoção e sentimento colocados na cena.
Quanto ao aspeto gráfico, os personagens principais encontram-se bastante competentes, mas poderiam estar ainda mais expressivas. O que é pena, pois o grafismo no geral (paisagens, interiores, exteriores,...) estão francamente fantásticos.
No capítulo sonoro, a única coisa que senti que poderia estar melhor são os sons ambiente. Por exemplo, no Black Lantern (bar local), seria suposto ouvir-se barulhos de fundo dos clientes a comer, a beber, das conversas de balcão.
Curiosamente, tenho de confessar que surgiu um pormenor que não esperava ver na Playstation 4: ecrãs de loading. São curtos e têm aproximadamente 5 segundos cada, mas, é algo que já não esperava voltar a encontrar.
Um pormenor engraçado que apreciei bastante, foi a inclusão de dum RPG "da vida real", enquanto Alex, Ethan, Ryan, Steph e restantes vestem as peles de personagens de uma banda desenhada inventada por Ethan. Trata-se de um LARP (Live Action Role Playing), e acaba por estar engraçado e, mesmo não apresentando desfio, encaixa bem no desenrolar do jogo.
Veredicto:
A Square Enix apostou forte na série Life is Strange e não será por True Colors que irá perder a aposta. Trata-se de uma história muito bem contada, apesar de curta, na qual o jogador vai-se sentir enleado por intricado cocktail de emoções e dilemas.
Os fãs de Life is Strange vão encontrar em True Colors algumas dinâmicas novas e outras já conhecidas, sendo este um jogo que deverão ter na sua coleção.
Este artigo tem mais de um ano
Haja spoiler sem aviso rs