Camel 101 lança Those Who Remain, um jogo de horror português
Camel 101 é o nome de um estúdio de desenvolvimento de videojogos português que por estas alturas encontra-se on fire com o lançamento do seu jogo mais recente: Those Who Remain.
Trata-se de um jogo de terror onde o foco é colocado totalmente nas emoções de quem o jogo. Estivemos à conversa com os responsáveis da Camel 101. Venham conhecê-los melhor.
A Camel 101, apesar de recente, é um estúdio composto por alguns elementos que já tiveram alguns contactos com o desenvolvimento de videojogos no passado.
Ao longo dos últimos anos, a Camel 101 já lançou vários jogos dos quais se destaca Syndrome, também um jogo de terror cuja ação decorre no espaço profundo e envolve um mistério a bordo de uma nave à deriva.
Those Who Remain é o mais recente título da Camel 101, e que pela altura que leem estas linhas, já foi lançado.
Neste jogo, vestimos a pele de Edward um homem que aparentemente tem uma vida normal, mas, ao mesmo tempo, perfeita. Tem uma adorável filha, e uma fabulosa mulher que ama incondicionalmente.
No entanto, Edward, cometeu um erro: teve um caso. E no dia fatídico em que o acompanhamos ele encontra-se determinado a resolver esse erro.
Contudo, nada o preparou para o pesadelo que vai viver nessa noite, quando a cidade de Dormont onde a ação decorre, se transforma num Inferno repleto de medos, negrume e de puro Mal.
A propósito de Those Who Remain, o Pplware manteve uma conversação com a equipa da Camel 101 que podem acompanhar de seguida.
Pplware: Quem são o Bruno Cesteiro, o Ricardo Cesteiro e o Boris Raguza?
Camel 101: O Bruno e o Ricardo são dois irmãos que seguiram informática e começaram a trabalhar em consultoria bancária. Alguns anos depois, perceberam que não era aquilo que queriam fazer, e que a sua paixão era outra. O Boris é um artista 3d da Croácia, que se juntou a eles há mais de 10 anos atrás.
Eu e o meu irmão tivemos percursos profissionais bastante parecidos, mas hoje desempenhamos papeis bastante diferentes no estúdio.
O Bruno é o lead programmer, está encarregue dos aspectos técnicos mais pesados; eu (Ricardo) sou game designer & writer. O Boris é modelador e animador 3d.
Claro que acabamos por fazer sempre mais do que as “nossas” funções, uma vez que somos uma equipa bastante pequena, e é sempre preciso usar vários chapéus.
Pplware: Como apareceu a Camel101? Como surgiu a iniciativa de criarem um estúdio de desenvolvimento de videojogos?
Camel 101: A Camel 101 é na verdade o nosso segundo estúdio, que foi criado em 2009. Antes tivemos um outro estúdio (com a mesma equipa) que funcionou desde 2006 até 2008/2009. Tudo começou como um hobby. Na altura tínhamos outras ocupações profissionais, mas o bichinho estava lá.
Andávamos a fazer protótipos de jogos e a experimentar tecnologia, até que resolvemos mesmo experimentar a fazer um jogo.
Esse jogo acabou por vencer dois prémios numa competição chamada “GAMES 2006”, que decorreu em Portalegre, e a partir daí decidimos arriscar numa via mais profissional. A partir daí fomos crescendo e aprendendo, tanto a nível técnico como de negócio.
Pplware: Já têm alguma experiência no ramo, tendo inclusive adquirido bastantes elogios com jogos anteriores como Syndrome. Como nasceu a ideia de Those Who Remain?
Camel 101: Depois do Syndrome, queriamos fazer algo diferente, mas ainda dentro da área do terror. O Syndrome tinha armas e combate, o que acaba sempre por se tornar um foco muito importante de qualquer jogo que inclua estas mecânicas.
Como queriamos experimentar mecânicas diferentes, decidimos fazer algo sem combate. Mais focado em puzzles e narrativa.
Após pensarmos bastante, tivemos a ideia de fazer um jogo cuja principal mecânica fosse a luz vs escuridão. A escuridão seria perigosa, e o jogador teria que manipular a luz para avançar no jogo. Este conceito foi o inicio do jogo. A partir daqui foi crescendo em complexidade até chegar ao que é hoje.
Pplware: Those Who Remain trata-se de uma história de terror psicológico na primeira pessoa e como tal, tem uma forma de contar a sua história muito particular. Quais as vossas principais preocupações nesse capitulo?
Camel 101: Uma decisão que tomámos inicialmente foi que não queriamos recorrer ao tipico jumpscare.
Queremos que o jogador tenha medo, que se sinta desconfortável – mas não queremos monstros a saltar em frente à câmara, ou barulhos estrondosos repentinos para conseguir provocar estas emoções.
Estes truques tornam-se repetitivos, previsiveis e até um pouco irritantes quando usados em demasia. Então tivemos a preocupação de criar uma atmosfera tensa, que deixasse o jogador com a sensação de perigo constante: a personagem nunca pode ir para o escuro, porque existem lá criaturas que o matarão se se aproximar. Como a acção decorre numa cidade que está mergulhada na escuridão, o jogador está sempre rodeado por essas criaturas. E basta falhar uma luz para ficar em perigo.
Além disto, temos o cuidado de ir desvendando a história aos poucos, à medida que vamos inserindo também novas questões. A personagem vai descobrindo novas pistas sobre a cidade, mas também sobre ela própria.
A aventura é uma viagem de descoberta, ao mesmo tempo física e psicológica.
Pplware: O protagonista do jogo vai-se ver envolvido numa aventura repleta de mistério e horror psicológico. No entanto, ele também tem os seus próprios demónios a combater. Trata-se de uma grande carga emocional a ser gerida no decorrer da ação. Como fizeram essa gestão?
Camel 101: Quando o jogo começa, somos apresentados a Edward, a personagem principal. Edward está sozinho num motel, a beber, a olhar para fotografias e para uma arma. Está obviamente deprimido e a considerar acabar com a sua vida.
Criámos esta personagem desta forma para que ela também tivesse os seus demónios, para que não fosse apenas uma aventura física, por assim dizer.
À medida que a aventura progride, Edward vai ser confrontado com situações que dizem respeito não só a Dormont (a cidade onde decorre a acção), mas também ao seu passado.
Estes demónios do passado acabam por se materializar também duma forma fisica, neste mundo surreal de Dormont.
No fundo vamos misturando ambos os elementos da história: os de Dormont e os de Edward, de forma a que até certa altura, não se percebe exactamente o que está a acontecer, ou se determinadas situações estão relacionadas com a cidade ou com o passado da própria personagem.
Pplware: Como será vestir a pele do nosso personagem no jogo? O que irá sentir o jogador?
Camel 101: Toda a palete de cores esbatidas e os elementos visuais foram criados duma forma que conseguisse reflectir um pouco o estado de espírito de Edward.
A própria voz no inicio da aventura, é a de alguém que está apenas a seguir pela estrada como se estivesse a ser empurrado, sem grande interesse no que se está a passar.
O jogador irá sentir o que é estar na pele dum homem que teve tudo, e que subitamente teve a sua vida virada do avesso.
Pplware: Pelos trailers já revelados, dá para ter uma pequena ideia de que, iremos ser perseguidos por seres fantasmagóricos enquanto vagueamos por Dormont. Como vamos poder lutar contra eles? Vão haver armas ou ferramentas ao nosso dispor?
Camel 101: A única arma contra os seres que habitam nas sombras, é a luz.
Pode vir através de qualquer fonte: um isqueiro, fogueira, holofote, lâmpada – os seres desaparem assim que uma luz estiver próxima ou que aponte para eles.
Há outros seres que não têm esta limitação, e que se podem deslocar tanto no escuro como na luz. Nestes casos o jogador terá que se esconder ou fugir.
Pplware: O jogador irá encontrar outras personagens no decorrer do jogo que também sejam prisioneiras deste pesadelo?
Camel 101: Sim, há outros sobreviventes que estão presos em Dormont. O jogador poderá ou não ajudá-los; cabe a si decidir o que fazer.
Pplware: Those Who Remain tem um fio condutor e como tal, o nosso personagem vai evoluindo na história que o envolve. Está previsto algum tipo de evolução ao nosso personagem?
Camel 101: Não directamente, ou seja, não existe uma evolução de habilidades ou stats da personagem.
A personagem evolui sim duma forma interior, colada à narrativa. O seu final vai depender das escolhas que o jogador fizer durante a aventura.
Pplware: Qual o maior desafio até ao momento no projeto Those Who Remain?
Camel 101: O primeiro grande desafio foi talvez desenhar um jogo de terror, que fugisse às normais habituais que definem este género.
Não queriamos criar apenas um jogo de exploração, queriamos fazer algo mais a puxar para os puzzles, algo que fizesse o jogador pensar um pouco fora da caixa.
Isto obrigou a bastante discussão, planeamento e testes dos puzzles. Alguns dos puzzles foram testados, iterados e melhorados 3 e 4 vezes. A escala do projecto também foi desafiante, especialmente levando em conta o tamanho da equipa. Estamos a falar dum jogo digital e fisico, para quatro plataformas, cada uma com as suas especificações técnicas e logísticas.
A ajuda do nosso publisher Wired Productions foi crucial na logistica e gestão de tudo isto.
Pplware: Um jogo com este peso, para conseguir o seu objetivo não pode dispensar um bom cartaz de efeitos sonoros, certo?
Camel 101: Sem dúvida. O som é importante em qualquer jogo, mas é especialmente importante num jogo de suspense e / ou terror.
Uma das primeiras decisões que tomámos sobre audio, foi que não iriamos usar música, excepto em pequenas cinematics. Tudo o resto seria apenas com sons ambientes e atmosféricos.
Inicialmente começámos por colocar nós alguns sons, apenas para testar como estava a ficar, mas mais tarde contámos com a ajuda de dois especialistas (João Mascarenhas e Eduardo Magalhães) que refizeram toda a parte sonora.
Apenas lhes demos umas indicações sobre o que pretendiamos, dando-lhes liberdade artistica para tratarem dos sons como achassem melhor.
O resultado ultrapassou largamente as nossas expectativas.
Pplware: Se tivessem de encontrar um h2h entre Those Who Remain e outro jogo, qual escolheriam?
Camel 101: E se fossem dois? Alan Wake e Silent Hill.
Pplware: Que tipo de jogos gostam mais de desenvolver? Thrillers pesados como Those Who Remain, estratégia como Gemini Wars, Casual Games... têm algum tipo de preferência?
Camel 101: Claro que gostamos de jogos de estratégia, mas este tipo de experiências (thriller / terror) mais pessoais e mais intensas são bastante mais interessantes de criar.
Em jogos como o Those Who Remain, temos oportunidade de criar histórias mais íntimas, e abordar certos tipos de temáticas, que são mais dificeis em jogos de estratégia.
Também é mais interessante desenhar niveis a pensar no que queremos que o jogador faça ou sinta – em que momentos queremos que se sinta mais confiante ou mais assustado. No fundo isto vem um pouco dos nossos gostos pessoais: como grande fã de terror que sou, tenho especial prazer em poder criar ou até adaptar experiências assustadoras de outros media ou autores.
Pplware: Na vossa perspetiva é mais fácil desenvolver para PC ou para consolas?
Camel 101: Para PC é sempre mais fácil.
É claro que um jogo tem sempre que estar optimizado, nem que seja para poder correr no máximo de computadores possivel, mas não existem limites minimos de performance que tenham que ser atingidos.
As consolas têm mais limitações de hardware, o que obriga sempre a optimizações adicionais na altura de fazer os ports.
Até na parte da publicação, a versão PC é extremamente mais simples.
No Steam por exemplo, é relativamente fácil e rápido publicar um jogo. Praticamente qualquer submissão é aceite.
Nas consolas o processo é bastante mais complicado, tanto tecnicamente como a nível de burocracia.
Há curadoria feita pelas plataformas, testes de QA, etc
Pplware: E o mercado? Encontra-se mais recetivo a PCs ou consolas?
Camel 101: Diria que a ambos.
Há quem jogue em PC, há quem jogue em consolas, e há quem jogue em PC e consolas.
Mas cada jogador tem sempre a sua plataforma preferida, e acho que é importante levarmos os nossos jogos até onde / quem for possivel.
Pplware: O desenvolvimento de videojogos em Portugal tem visto alguma atividade nos últimos tempos. Será um sinal de que a indústria no nosso País vai finalmente florescer?
Camel 101: Tem havido crescimento e acima de tudo nota-se alguma maturidade nas equipas de desenvolvimento em Portugal.
Muitas destas equipas são compostas por elementos que pertenceram a outras empresas no passado – algumas com mais ou menos sucesso que outras - e que têm já a experiência de como produzir e vender um jogo.
Isto tem-se traduzido no aparecimento de projectos interessantes que até têm conseguido ganhar algum destaque.
Embora a maioria das equipas seja relativamente pequena, temos também o exemplo de estúdios internacionais de maior dimensão que escolheram Portugal para se estabelecer, ou outros até que adquiriram estúdios que já cá existiam.
Isto é talvez o reconhecimento prático de que há know-how e criatividade com valor em Portugal.
Pplware: O que falta a Portugal para ser ainda maior neste capitulo de desenvolvimento de jogos?
Camel 101: Hoje em dia temos bastantes recursos disponiveis, coisa que não acontecia há um par de anos. O aparecimento de vários cursos de videojogos, do norte ao sul do país, veio contribuir bastante para isto.
O que não temos em abundância é pessoal com experiência, e isso é fundamental – pessoas que saibam o que é desenvolver, produzir e lançar um jogo, com todos os seus problemas e obstáculos, e o que fazer para mitigar esses problemas.
No fundo, um pouco mais de maturação das equipas.
Pplware: Quais os principais obstáculos e desafios a superar neste ramo?
Camel 101: Todos sabemos que a industria dos videojogos movimenta (muitos) milhões, com vendas directas e indirectas de jogos, competições, campeonatos, merchandising, etc mas em Portugal infelizmente, ainda não é vista duma forma muito séria.
É dificil conseguir investimento ou apoio no nosso país, uma vez que não há interesse (normalmente por falta de conhecimento) em investir na área dos videojogos.
Há vários países europeus que têm apoios do estado (alguns até a fundo perdido), porque a industria lá já foi reconhecida como uma area estrategica e onde vale a pena apostar. Esse é um grande desafio que temos pela frente: mostrar e provar que esta é uma área onde vale a pena investir.
Pplware: Por fim, não poderia deixar de perguntar-vos qual o rumo que á área dos videojogos irá tomar num futuro (não tão distante). Este ano vão surgir novas consolas, há variados serviços gaming a florescer. No que julgam que tudo isto vai resultar?
Camel 101: As consolas vão saltar para a próxima geração, e parece que desta vez a Xbox está a saber fazer melhor as coisas.
E ainda bem, temos todos a ganhar com uma “guerra” mais equilibrada entre as duas.
Temos também os serviços de Streaming a aparecer, mas confesso que estou um pouco céptico em relação a isso, pelo menos para já.
A Google fez barulho quando apresentou o Stadia, mas não se viu nada de concreto depois disso.
O VR vai continuar a crescer e a ganhar o seu espaço, mas parece-me que este crescimento só será expressivo quando começarem a aparecer mais títulos exclusivos AAA ao nível do Half-Life: Alyx.
Pplware: São jogadores regulares? Quais os vossos gostos e o que jogam atualmente?
Camel 101: Jogadores regulares sim, mas não tanto como noutros tempos, claro. O tempo infelizmente está cada vez mais curto.
Eu gosto de um pouco de tudo, mas se tivesse que ser mais específico diria RPGs e survival horror. O último que joguei foi o ‘The Evil Within 2’, que acabei há cerca de duas semanas.
Entretanto com o lançamento do Those Who Remain, não tenho tido tempo para jogar, portanto estou a fazer uma pausa. Em breve vou pegar finalmente no Resident Evil 2 remake.
Pplware: Não poderia deixar de dar-vos a palavra, caso tenham algo a dizer aos leitores do Pplware.
Camel 101: Espero que tenham oportunidade de experimentar o Those Who Remain, é a nossa obra mais completa até à data, e estamos muito orgulhosos do que conseguimos fazer.
É um jogo diferente. Esforçámo-nos bastante para criar algo que pudesse trazer algo de novo dentro do género, ao mesmo tempo que contamos uma história emotiva que aborda algumas temáticas que deviam ser mais faladas na sociedade.
É um jogo sobre escolhas e consequências, que vos vai fazer pensar e também escolher, à medida que vão descobrindo os segredos mais profundos de Dormont.
Acima de tudo, esperamos que gostem.
Gostaria de agradecer aos membros da Camel 101 por toda a disponibilidade dispensada, e de aproveitar para lhes desejar o melhor sucesso, não só com Those Who Remain, mas com todos os jogos que venham a seguir.
E vocês? O que acharam de Those Who Remain?
Este artigo tem mais de um ano
Não sei se os criadores do jogo estão a ver esta pergunta mas, a quando um port para Gnu/Linux e MacOSX?
Para o GNU/Linux e o Mac OS X, eu acho que eles vão lançar pelo Steam, mas podes enviar o email deles (info@camel101.com) ou através do site do jogo deles (https://www.thosewhoremain.com/) sobre essa dúvida.
E não, eu não sou criador desse jogo, mas sim, eu sou apenas um fã.
Obrigado, já enviei um email 🙂
Olá Luis, sou um dos devs 🙂
Muito provavelmente vamos fazer o port em breve, o nosso objectivo é chegar ao máximo de plataformas possiveis.
Só não o fizemos de inicio porque a logistica já foi bastante pesada só com 3.
Um abraço
Obrigado pela resposta. Vou ficar a aguardar então. Se necessitarem de ajuda para a versão Gnu/Linux não hesitem em perguntar, terei todo o prazer em ajudar.
Eu achei esse jogo a um lixo e cópia comparada ao TLOU e aos jogos de terror