À medida que aparecem novas ferramentas para olhar para o universo, novas descobertas abalam as ténues certezas conseguidas no passado. Assim, as revelações que estamos agora sujeitos podem mudar completamente a nossa visão do espaço e do cosmos. Como exemplo destas mudanças, novos dados sugerem que o Universo está a expandir-se mais de pressa do que se pensava anteriormente.
Medições do universo primitivo não batem certo com as modernas medições. Há atualmente uma crise cósmica.
Universo expande-se mais rápido do que os astrónomos pensavam
Um grupo de astrónomos liderados pela Universidade da Califórnia em Davis obteve novos dados que sugerem que o Universo está a expandir-se mais rapidamente do que se pensava. Assim, este estudo vem no seguimento de um aceso debate sobre a rapidez a que o Universo está a crescer. As medições até agora estão em desacordo.
Conforme anunciado, a nova medição da Constante de Hubble pela equipa, o ritmo de expansão do Universo, envolveu um método diferente. Usaram o Telescópio Espacial Hubble da NASA em combinação com o sistema de óticas adaptativas do Observatório W. M. Keck para observar três sistemas de lentes gravitacionais. Segundo referem, esta é a primeira vez que a tecnologia de óticas adaptativas no solo foi usada para obter a Contante de Hubble.
Quando comecei a trabalhar neste problema há mais de 20 anos, a instrumentação disponível limitava a quantidade de dados úteis que podíamos obter com as observações. Neste projeto, estamos pela primeira vez a usar as óticas adaptativas do Observatório Keck para uma análise completa. Há muitos anos que acho que as observações com óticas adaptativas podem contribuir muito para este esforço.
Explicou o coautor Chris Fassnacht, professor de física da UC Davis.
NASA: Constante de Hubble abala as certezas do passado
Para descartar qualquer viés, a equipa realizou uma análise cega. Assim, durante o processamento, mantiveram a resposta final escondida de si próprios. Isto, até estarem convencidos de que tinham abordado o maior número possível de fontes de erros. Como resultado, ficaram impedidos de fazer ajustes para chegar ao valor “correto”, evitando o viés de confirmação.
Quando achámos que tínhamos resolvido todos os problemas possíveis com a análise, desvendámos a resposta com a regra de que tínhamos que publicar qualquer valor que encontrássemos, mesmo que fosse um valor ‘maluco’. É sempre um momento tenso e emocionante.
Disse o autor principal Geoff Chen, estudante do departamento de física da UC Davis.
O valor revelou-se consistente com as medições da Constante de Hubble. Tendo sido obtidas assim a partir de observações de objetos “locais” próximos da Terra. Nomeadamente, de supernovas do Tipo Ia ou sistemas com lentes gravitacionais. A equipa de Chen usou estes últimos objetos na sua análise cega.
Os resultados da equipa aumentam as evidências de que há um problema com o modelo padrão da cosmologia, que mostra que o Universo estava a expandir-se muito depressa no início da sua história, que depois a expansão diminuiu devido à atração gravitacional da matéria escura e agora a expansão está a acelerar novamente devido à energia escura, uma força misteriosa.
Mas qual a razão para este problema cósmico?
Este modelo da história de expansão do Universo é montado recorrendo a medições tradicionais da Constante de Hubble, que são obtidas a partir de observações “distantes” do fundo cósmico de micro-ondas – radiação remanescente do Big Bang de quando o Universo começou há 13,8 mil milhões de anos.
Recentemente, muitos grupos começaram a usar várias técnicas. Por conseguinte, a estudar diferentes partes do Universo para obter a Constante de Hubble. Então descobriram que o valor obtido das observações “locais” vs. “distantes” discorda.
E é aqui que reside a crise da cosmologia. Embora a Constante de Hubble seja constante em qualquer lugar do espaço num determinado momento, ela não é constante no tempo. Portanto, quando comparamos as Constantes de Hubble obtidas com várias técnicas, comparamos o Universo primitivo (usando observações distantes) com a parte mais moderna do Universo (usando observações locais e próximas).
Explicou Fasnacht.
Portanto, tudo isto sugere que deverá haver um problema com as medições da radiação cósmica de fundo em micro-ondas. Contudo, a equipa diz ser improvável. Há, no entanto, a hipótese do modelo padrão cosmológico precisa de ser alterado de alguma forma, usando nova física para corrigir a discrepância.
Quando a luz chega atrasada
Usando o sistema de óticas adaptativas do Observatório Keck com o seu instrumento de segunda geração NIRC2 (Near-Infrared Camera), acoplado ao telescópio Keck II, Chen e a sua equipa obtiveram medições locais de três sistemas bem conhecidos de quasares com lentes gravitacionais: PG1115+ 080, HE0435-1223 e RXJ1131-1231.
Os quasares são galáxias ativas extremamente brilhantes. Geralmente com jatos massivos alimentados por um buraco negro supermassivo que devora de forma voraz o material ao seu redor.
Embora os quasares estejam, por norma, bastante longe, os astrónomos são capazes de os detetar. Para tal, recorrem a lentes gravitacionais, que atuam como uma lupa natural. Assim, quando uma galáxia suficientemente massiva, mais próxima da Terra, “passa em frente” da luz de um quasar muito mais distante, a galáxia pode agir como uma lente. Dessa forma, o seu campo gravitacional distorce o espaço, curvando a luz do quasar de fundo em várias imagens e fazendo com que pareça mais brilhante.
Às vezes, o brilho do quasar cintila. Assim, como cada imagem corresponde a um percurso ligeiramente diferente do quasar até ao telescópio, este piscar aparece em momentos diferentes para cada imagem – nem todos chegam à Terra ao mesmo tempo.
Com HE0435-1223, PG1115+ 080 e RXJ1131-1231, a equipa mediu com precisão esses atrasos de tempo, que são inversamente proporcionais ao valor da Constante de Hubble. Nesse sentido, é possível que os astrónomos descodifiquem a luz destes quasares distantes e recolham informações sobre a expansão do Universo durante o tempo em que a luz viajou até à Terra.
Os próximos passos
Chen e a sua equipa, entre outros, estão a fazer mais investigações e observações para melhor investigar esta crise cosmológica. Agora que a equipa de Chen provou que o sistema de óticas adaptativas do Observatório Keck é tão poderoso quanto o Telescópio Espacial Hubble da NASA, os astrónomos podem adicionar esta metodologia ao seu conjunto de técnicas para medir a Constante de Hubble.
Agora podemos testar este método com mais sistemas de quasares com lentes gravitacionais para melhorar a precisão da nossa medição da Constante de Hubble. Talvez isto nos leve a um mais completo modelo cosmológico do Universo.
Conclui Fassnacht.
Os resultados da equipa foram publicados na última edição da revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.