A escolha dos grupos para vacinação contra a COVID-19 não foi uma tarefa simples para os decisores, nem tão pouco unânime, como temos vindo a assistir nas últimas semanas. Independentemente disso, sejam quais forem as pessoas a receber a vacina nestas primeiras fases, só podemos olhar para este cenário como algo positivo e um passo importante para o controlo da disseminação da doença.
Mas neste contexto, continua a surgir estudos que podem ajudar a ajustar o plano de vacinação. Um grupo de investigadores da Universidade de Aveiro veio agora falar na importância da vacinação dos “Super Disseminadores”.
Prioridade aos “Super Disseminadores” da COVID-19
Segundo os investigadores da Universidade de Aveiro (UA), vacinar primeiro os “super disseminadores” da COVID-19 limitaria muito mais a propagação do coronavírus, diminuindo, consequentemente, de forma substancial número global de mortes, do que a estratégia que está a ser seguida pelos países da União Europeia, Estados Unidos e um pouco por todo o mundo.
Em concreto, vacinar primeiros os idosos e sucessivamente os grupos etários de idades inferiores poderá ser o mais “politicamente correto”, mas não o melhor em termos de estratégia para travar a propagação da doença.
Concluímos que dar maior atenção e mesmo vacinar primeiro os “super disseminadores” torna o protocolo de vacinação mais eficiente e permite salvar muitas mais vidas
| Garante José Fernando Mendes, investigador do Instituto de Nanoestruturas, Nanomodelação e Nanofabricação (I3N) e do Departamento de Física da UA.
Vacinar primeiro 20% da população entre os 30 e 39 anos?
Através de um modelo epidemiológico, José Fernando Mendes e os seus colaboradores brasileiros mostram que se o país vacinar 20% da população da faixa etária situada entre os 30 e os 39 anos (que representa 2,5 por cento da população nacional), o país teria menos 2 ou 3 mil mortes dependendo do cenário usado.
Nesta faixa etária, segundo o estudo, está concentrada a maioria das pessoas consideradas de “super disseminadoras”, ou seja, transmitem o vírus até 10 vezes mais que a restante da população dessa faixa etária.
Reportando, por exemplo, ao contexto pandémico de janeiro, o país teria então os menos 2 ou 3 mil número de mortes. O estudo prevê também que no melhor dos cenários no final do ano atingir-se-á um número total de mortes a rondar os 21000.
Mostramos, com base num modelo epidemiológico, qual a importância dos nodos da rede social com elevado número de contactos – designamos por “super disseminadores” -, ou seja, muito superior ao da média da população, sobre a eficácia da estratégia de vacinação
Quem poderão ser os super disseminadores
Todos os profissionais de saúde, professores de todos os níveis de ensino, trabalhadores de transportes públicos, trabalhadores de supermercados e outros que lidam diretamente com um grande número de pessoas são, aponta José Fernando Mendes, exemplos de possíveis super disseminadores.
No trabalho a equipa de cientistas mostra que a escolha criteriosa de quem vai compor o primeiro grupo a ser vacinado “pode impactar significativamente tanto no número total de óbitos quanto na procura por cuidados de saúde”.
A nossa proposta deve ser considerada por todas as autoridades participantes no desenho do protocolo de vacinação covid-19, com o intuito de minimizar o número de mortes
Dos resultados alcançados, e dependendo da efetividade da vacina e do número de contactos dos super disseminadores, o trabalho conclui que optando por uma estratégia de vacinação que passe primeiro por estes potenciais transmissores do coronavírus, o número de mortes a menos poderá alcançar valores na ordem dos milhares.
“O principal desafio no presente contexto da epidemia SARS-CoV-2 é claramente vacinar o maior número de pessoas, no menor espaço de tempo, para uma redução máxima do número de mortes, e limitar os impactos económicos inevitáveis”, aponta o investigador José Fernando Mendes. No entanto, aponta o especialista em Sistemas Complexos e Redes Complexas do Departamento de Física da UA, “a vacinação em grande escala com o objetivo de alcançar a imunidade de grupo apresenta muitas dificuldades logísticas e sociais”.