Portugal: Espectro radioeléctrico – Da estratégia às prioridades
O espectro radioelétrico é um recurso público e disponível em todos os países que, com as necessárias salvaguardas, pode ser utilizado para melhorar a eficiência e produtividade do país, assim como contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.
Cabe à autoridade reguladora das comunicações postais e das comunicações electrónicas, a ANACOM, assegurar a gestão eficiente do espectro radioelétrico, envolvendo a planificação, a atribuição dos recursos espectrais, a sua supervisão e a coordenação entre as radiocomunicações civis, militares e paramilitares.
O uso crescente das radiocomunicações, com recurso ao espectro radioelétrico, devido em particular à necessidade progressiva de mobilidade, bem como as oportunidades que esta utilização pode criar para o desenvolvimento da sociedade, fazem ressaltar a importância para cada país de um sistema eficaz de gestão do espectro.
As radiocomunicações são usadas em todos os sectores de atividade como, por exemplo, redes e serviços de comunicações electrónicas, incluindo radiodifusão, defesa nacional, segurança pública, negócios e indústria, comunicações aeronáuticas e marítimas, ajudas à navegação, comunicações pessoais, investigação científica, radioastronomia, etc. Todas estas aplicações são cruciais para estimular, entre outros, o crescimento da economia e o bem-estar dos cidadãos.
Um dos princípios basilares da gestão do espectro traduz-se no objetivo de harmonizar a utilização das frequências radioelétricas além-fronteiras e, sempre que possível, estender a harmonização, à escala mundial, potenciando assim uma maior eficiência na utilização do recurso escasso que é o espectro e proporcionando economias de escala na produção dos equipamentos, com a consequente redução dos custos dos equipamentos e dos serviços a oferecer aos consumidores.
Este desiderato é particularmente relevante para os países como Portugal nos quais o desenvolvimento do mercado, a indústria e a procura de espectro não são comparáveis com outros países mais vastos, onde estes factores possuem uma escala superior.
Não obstante o apoio a numerosas iniciativas que visam a harmonização das utilizações do espectro radioelétrico, considera-se essencial e complementar estimular a flexibilidade na utilização das frequências. Ou seja, considera-se muito importante privilegiar medidas que visem a implementação de princípios de neutralidade tecnológica e de serviços, ampliando desta forma as opções técnicas e comerciais disponíveis no mercado, tornando-o mais versátil e atrativo para os intervenientes.
Tendo em conta o grau crescente do desenvolvimento de aplicações diversificadas e inovadoras, assiste-se a uma pressão cada vez maior para disponibilizar e utilizar o espectro. Ora, tal implica que seja inevitável caminhar-se para uma utilização cada vez mais partilhada do espectro radioelétrico, atendendo às exigências dos serviços que se perspetivam no futuro e à escassez de frequências exclusivas que poderão ser disponibilizadas. Ou seja, a utilização crescente e intensiva do espectro radioelétrico nos mais variados sectores da sociedade, com implicações diretas na economia, na segurança, na saúde, na cultura, na ciência ou até no ambiente, torna impraticável a identificação de faixas de frequências para uso exclusivo para cada um dos serviços de radiocomunicações de apoio aos vários sectores da sociedade, sendo premente a procura continuada de técnicas inovadoras e cada vez mais eficientes de partilha do espectro.
Como atrás referido, são diversas as aplicações que se baseiam no uso do espectro radioelétrico, abrangendo não só os serviços mais conhecidos e apelativos (p.ex. banda larga móvel), como vários outros menos visíveis, mas muito importantes para a sociedade, como por exemplo a radionavegação aeronáutica, as comunicações de emergência, a radioastronomia ou até os serviços de radiolocalização:
Neste contexto, merece especial referência o serviço móvel aeronáutico, que é um serviço de radiocomunicações entre estações aeronáuticas e estações de aeronave ou entre estações de aeronave, no qual também podem participar estações de embarcação de sobrevivência e estações de radiobaliza de localização de sinistros em frequências de perigo e de emergência estabelecidas para o efeito. Ao nível internacional, está em desenvolvimento pela Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO) um sistema para assegurar a identificação e localização atempada de aeronaves em todas as fases do voo, compreendendo o rastreio em situações normais de voo, bem como o rastreio autónomo de perigo e a recuperação de dados do voo em situações anormais.
Evidenciam-se também as redes de emergência e segurança em cenários de emergência, dada a sua importância em situações como catástrofes, acidentes, inundações ou tempestades associadas a condições meteorológicas adversas, incêndios florestais, terramotos ou erupções vulcânicas. As comunicações de emergência e segurança destinam-se a grupos específicos e restritos de utilizadores, tais como polícias, bombeiros, emergência médica, proteção civil, serviços de fronteiras. É atual a discussão ao nível internacional das tecnologias de comunicações de próxima geração que melhor responderão às diversas situações particulares de desastres naturais onde as comunicações se suportarão em redes de emergência e segurança.
Um outro domínio nobre em que a utilização do espectro radioelétrico é fundamental é a área científica. São várias as áreas da ciência que dependem da utilização do espectro radioelétrico, o qual serve o propósito de registar fenómenos físicos naturais ou transmitir informações entre diferentes locais (serviços científicos). Destacam-se a exploração da Terra por satélite com base em sensores ativos/passivos, os sistemas meteorológicos por satélite que permitem auxiliar na previsão meteorológica/acompanhar situações adversas resultantes de condições climatéricas desfavoráveis, o serviço de investigação espacial que recorre a engenhos espaciais para a pesquisa científica ou técnica para comunicações no espaço próximo/profundo, a astronomia que se baseia na receção de ondas de rádio de origem cósmica e que é um dos métodos mais importantes para explorar o Universo. Os serviços científicos estão limitados a faixas de frequências específicas, requerendo um ambiente muito particular, tanto quanto possível livre de interferências. Deste modo, a proteção das frequências utilizadas é de capital importância para que as observações não redundem em dados distorcidos.
O espectro radioelétrico está efetivamente presente de forma indelével nas nossas vidas modernas. Não o vemos, não o sentimos, mas sem ele não teríamos toda uma panóplia de serviços, aplicações, gadgets … dado ser um recurso finito e, em certas faixas de frequências, até escasso, é essencial fazer uma gestão cuidada, dinâmica, prospetiva e eficiente deste recurso público.
O Quadro 1 ilustra a orientação estratégica da ANACOM em relação ao espectro radioelétrico, os critérios que norteiam o planeamento das frequências e as áreas definidas como prioritárias no contexto da gestão de espectro, objeto de discussões aturadas e decisões ponderadas.
Grande parte das orientações estratégicas a médio/longo prazo relativas à disponibilização de frequências para serviços/aplicações de âmbito civil, satisfazendo os requisitos de espectro e as especificidades de cada serviço/aplicação, dependem consideravelmente de variáveis externas à ANACOM, nomeadamente de desenvolvimentos tecnológicos a anunciar pela indústria, da conjuntura política e económica nacional e internacional, de orientações estratégicas emanadas por organismos internacionais (UIT, CEPT e CE, entre outros), de sinais dados pelo mercado nacional, etc..
Aos mais curiosos, a ANACOM disponibiliza no seu site institucional uma plataforma electrónica que permite a pesquisa de informação sobre o Quadro Nacional de Atribuição de Frequências (QNAF). É possível a consulta de informação relacionada com o planeamento e a utilização de frequências, bem como as atribuições e utilizações nacionais do espectro radioelétrico, as faixas de frequências reservadas e a disponibilizar para utilizações futuras, as utilizações de espectro isentas de licenciamento radioelétrico e os interfaces rádio.
Sobre a autora do artigo
Cristina Reis integrou a Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM) em 2004 e trabalha na Direção de Gestão de Espectro.
Esteve envolvida em vários projetos nacionais de gestão de frequências, incluindo a gestão do Quadro Nacional de Atribuição de Frequências, a revisão do Acordo Nacional de Partilha Civil/Militar de Frequências e conduziu a preparação nacional para Conferências Radiocomunicações de Radiocomunicações da UIT-R.
Tem estado envolvida em várias reuniões internacionais no âmbito da CEPT (WGFM), da UIT-R (WRC-07, WRC-12 e WRC-15) e da NATO (FMSC / PWG, NC3B cap3) e, desde 2011, é vice-presidente do grupo de Gestão de Frequências da CEPT (WGFM).
Este artigo tem mais de um ano
Excelente artigo. Excelente iniciativa.
Excelente! Não apenas as autoridades deveriam tomar conhecimento do assunto por suas peculiariedades bem como o importantíssimo aspeto estratégico. Aprovitar oportunidades é um dos deveres da administração pública e inplica diretamente na ecomia de recursos e desenvolvimento.