Nos locais abandonados que rodeiam o local do desastre nuclear de Chernobyl, com radiação persistente, está a acontecer algo inesperado: os cães não estão apenas a sobreviver, estão a prosperar.
Apesar de Chernobyl ser inóspito, desde o maior acidente nuclear da história, que ocorreu na Ucrânia, 1986, o mundo animal tem permitido tirar conclusões curiosas.
Inicialmente, a vida selvagem sofreu, com os elevados níveis de radiação a causarem mutações genéticas, problemas de reprodução e um declínio acentuado das populações.
As aves e os pequenos mamíferos da zona foram particularmente afetados, e a vida aquática nos rios e lagos próximos sofreu, também, danos significativos.
Ao longo do tempo, contudo, a ausência de seres humanos na Zona de Exclusão de Chernobyl permitiu que a natureza recuperasse. Apesar de a radiação permanecer, a vida selvagem prosperou.
Em 2022, por exemplo, vimos como a rã preta sobrevivia à radiação, devido à sua melanina.
Agora, um novo estudo concentra-se em duas comunidades caninas, que oferecem aos cientistas mais um vislumbre de como a vida pode adaptar-se. De acordo com o investigador principal, Norman J. Kleiman , “de alguma forma, duas pequenas populações de cães conseguiram sobreviver naquele ambiente altamente tóxico”.
Um grupo vive perto dos antigos reatores de Chernobyl, e o outro vive a cerca de 16 quilômetros de distância, na cidade de Chernobyl.
Os cães de Chernobyl
Após o desastre nuclear, os moradores foram evacuados e, aqueles que tinham animais de estimação, nomeadamente cães, foram forçados a deixá-los para trás.
Ao longo do tempo, esses animais viveram ao redor de aldeias abandonadas e perto da usina nuclear de Chernobyl, muitas vezes dependendo de restos de trabalhadores e visitantes.
Os esforços para ajudar esses cães aumentaram ao longo dos anos, com organizações a intervir para fornecer vacinas, cuidados médicos e até programas de adoção para dar a alguns deles a chance de uma nova vida fora da área.
O estudo orientado por Norman J. Kleiman marca a primeira vez que os cientistas se debruçam sobre a composição genética dos cães vadios que vivem perto da central nuclear de Chernobyl.
Além de classificar a dinâmica populacional desses cães em ambos os locais, demos os primeiros passos para entender como a exposição crônica a múltiplos riscos ambientais pode ter afetado essas populações.
Ao analisar o DNA dos cães, a equipa identificou 391 regiões anómalas nos seus genomas que diferiam entre os dois grupos. Segundo Matthew Breen, da NC State , podemos pensar “nessas regiões como marcadores, ou sinais, numa rodovia”. Ou seja, “eles identificam áreas dentro do genoma onde devemos olhar mais de perto os genes próximos”.
Alguns destes marcadores estão a apontar para genes associados à reparação genética; especificamente, à reparação genética após exposições semelhantes às sofridas pelos cães em Chernobyl.
Nesta fase, não podemos dizer com certeza que quaisquer alterações genéticas são uma resposta a exposições multigeracionais e complexas; temos muito mais trabalho a fazer para determinar se esse é o caso.
Esclareceu Matthew Breen.
Por sua vez, Megan Dillion, candidata a doutoramento e uma das principais autoras do estudo na NC State, disse que “a pergunta que temos de responder agora é por que motivo existem diferenças genéticas notáveis entre as duas populações de cães”.
As diferenças devem-se apenas à deriva genética ou a fatores de stress ambiental únicos em cada local?
Esta investigação importa, porque tem implicações mais vastas, além do mundo canino. Afinal, este é uma espécie de modelo, com muito a ensinar sobre a saúde humana.
Ao determinar se as mudanças genéticas que detetamos nesses cães são ou não a resposta do genoma canino às exposições que as populações enfrentaram, poderemos entender como os cães sobreviveram num ambiente tão hostil e o que isso pode significar para qualquer população – animal ou humana – que sofra exposições semelhantes.
Além da exposição, quando isso é combinado “com uma mistura química tóxica complexa de composição incerta, há preocupações muito reais com a saúde humana dos milhares de pessoas que continuam a trabalhar na Zona de Exclusão”.
Afinal, a área foi contaminada com produtos químicos, metais tóxicos, pesticidas e compostos orgânicos.
Portanto, “compreender os impactos genéticos e na saúde dessas exposições crónicas em cães reforçará a nossa compreensão mais ampla de como esses tipos de riscos ambientais podem afetar os seres humanos e a melhor maneira de mitigar os riscos à saúde”, segundo Kleiman.
A equipa planeia continuar a sua investigação, no sentido de desvendar mais mistérios genéticos destes cães resistentes. As suas descobertas poderão abrir caminho a novos conhecimentos sobre a adaptação genética em ambientes extremos.