Apesar de ser um dos mais fáceis de prevenir, o cancro colorretal é o 2.º mais mortífero, no Ocidente. Agora, um novo estudo sugere que o consumo de carne vermelha e de açúcar pode estar a contribuir para o aumento dos casos entre os mais jovens.
Nas últimas duas a três décadas, tem-se verificado um aumento significativo do diagnóstico de cancro colorretal nos indivíduos mais jovens. De acordo com a Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva, em Portugal, é o segundo mais frequente nas mulheres, depois do cancro da mama, e o segundo mais frequente nos homens, depois do cancro da próstata. Em termos de mortalidade, ocupa o primeiro lugar.
A razão exata para o aumento detetado não é (ainda) clara, sabendo-se que a maioria dos casos não está associada a fatores genéticos ou hereditários, mesmo quando falamos daqueles que ocorrem entre a população mais jovem.
Assim sendo, dados obtidos num estudo recente sustentam que os fatores ambientais podem estar na origem do aumento dos casos de cancro colorretal. Nomeadamente, o consumo de carne vermelha e açúcar.
Resultados apontam açúcar e carnes vermelhas como potencializadores de cancro colorretal
De acordo com o Medical News Today, o autor sénior da investigação e oncologista gastrointestinal da Cleveland Clinic, Suneel Deepak Kamath, disse que o estudo “usou uma tecnologia chamada metabolómica […] para procurar diferenças no cancro colorretal em jovens versus em pessoas mais velhas”.
Uma vez que a metabolómica mede a forma como cada indivíduo interage com as exposições no nosso ambiente, como a dieta, a qualidade do ar, etc., é uma forma de colmatar a lacuna entre a nossa natureza (determinada pela genética) e a nossa cultura (determinada pelas nossas exposições).
Descobrimos que um produto de desintegração de hidratos de carbono chamado citrato (também chamado ácido cítrico) encontra-se em níveis mais elevados em pessoas mais velhas com cancro colorretal, em comparação com o cancro colorretal em jovens.
Explicou Suneel Deepak Kamath.
Para o estudo, os investigadores recorreram às amostras do BioRepositório da Cleveland Clinic, concentrando-se em doentes diagnosticados com cancro colorretal em fase I-IV. A equipa categorizou os 170 doentes em dois grupos com base na idade: os que tinham menos de 50 anos e os que tinham mais de 60 anos.
Através de correlações, os investigadores identificaram vários metabolitos que apresentavam níveis diferentes entre os dois grupos, incluindo o citrato e o colesterol. Ou seja, observaram alterações significativas nas vias metabólicas relacionadas com o metabolismo dos hidratos de carbono e das proteínas no cancro colorretal dos doentes que tinham menos de 50 anos, em comparação com o cancro colorretal dos pacientes com mais de 60.
Estes resultados indicam que fatores como o consumo excessivo de bebidas açucaradas ou de carne vermelha, bem como a obesidade, que contribuem para um excesso de energia, podem ser fatores de risco para o desenvolvimento do cancro colorretal numa idade mais jovem.
Existe uma literatura muito rica que indica que os padrões alimentares desempenham um papel importante na incidência do cancro do cólon, em geral.
Partilhou Leonard Augenlicht, professor de medicina e biologia celular no Albert Einstein College of Medicine, que não esteve envolvido na investigação, com o Medical News Today.
Explicou ainda que há estudos populacionais que indicam uma incidência muito mais elevada de cancro do cólon em populações de países industrializados que consomem uma dieta de “estilo ocidental”. Mais, mudanças relativamente rápidas na incidência à medida que os países em desenvolvimento se submetem à ocidentalização da sua dieta, ou à medida que os indivíduos migram de países com baixa incidência para países com maior incidência.
Hábitos alimentares ocidentais podem estar a provocar o aparecimento precoce de cancro colorretal
O professor Leonard Augenlicht esclareceu que, embora seja importante, identificar os fatores subjacentes às diferenças metabolómicas relacionadas com o risco de cancro é um desafio. Isto, porque a dieta humana é complexa e altamente variada, assim como a natureza interativa dos nutrientes que afetam a programação celular.
Estas descobertas, que são um pouco preliminares e devem ser estudadas mais a fundo, sugerem que o foco na redução das taxas de obesidade e também na redução do consumo de carne vermelha e açúcar na nossa dieta pode ajudar na prevenção do cancro, especialmente do cancro colorretal.
Sugeriu Kamath, clarificando que isto não significa que “o açúcar alimenta o cancro naqueles que já têm cancro”, mas antes que “a redução do consumo de açúcar em pessoas saudáveis sem cancro pode ajudar a evitar que este ocorra em primeiro lugar”.
Dieta equilibrada desde jovem pode ser life changer
Conforme recordou Tejasav Sehrawat, médico residente em Yale, “a maioria das diretrizes recomenda a limitação do consumo de carnes vermelhas e processadas, especialmente se houver antecedentes de cancro na família”. O médico mencionou ainda o álcool como um importante carcinogéneo gastrointestinal, aconselhando que a sua ingestão seja evitada “tanto quanto possível”.
Em alguns estudos, “existe uma correlação entre a obesidade e uma taxa mais elevada de cancro colorretal, pelo que uma dieta equilibrada é, em geral, uma boa ideia”. O conselho é aquele a que já estamos habituados: uma dieta equilibrada, incluindo frutas e vegetais frescos, e limitando a carne vermelha e os alimentos processados.
Os resultados da investigação foram apresentados na reunião anual da American Society of Clinical Oncology (ASCO), no dia 3 de junho de 2023. O estudo ainda não foi publicado numa revista científica e revisto por pares.