A tecnologia na construção dos submarinos da classe Tridente
Nesta série de artigos dedicados à tecnologia dos submarinos portugueses, parece-me lógico começar por aquela que está relacionada com a sua construção.
O projecto e construção de um navio com quase 68 metros de comprimento e resistente à pressão de mais de 350 metros de profundidade, tem muitas particularidades que só o recurso a alta tecnologia permite encontrar as soluções adequadas, dotando-o de capacidades como as que estes nossos submarinos apresentam.
Os submarinos da classe Tridente, designados como sendo o modelo U-209PN, na verdade partilham a maior parte das características com o modelo de exportação do estaleiro alemão U-214. Este modelo é mais vocacionado à operação em águas oceânicas, mantendo no entanto excelentes características para operar em áreas mais confinadas e de menor profundidade. As características gerais destes nossos submarinos resumem-se às seguintes:
Particularidades na construção
A particularidade destes meios, leva à adopção de soluções avançadas, fazendo com que os submarinos da classe Tridente já tenham sido apelidados de “submarinos fantasma”, pela dificuldade na sua deteção.
MODULARIDADE
Estes submarinos foram construídos em cinco secções independentes, tendo algumas sido construídas nos estaleiros alemães da Nordseewerke (NWSE), na cidade de Emden, e posteriormente transportadas para os estaleiros da HDW em Kiel. Face à complexidade e tamanho de muitos dos equipamentos e sistemas, as diferentes secções são unidas numa fase posterior ao seu apetrechamento
Esta construção modular facilita a montagem de equipamentos de grandes dimensões no interior de cada módulo, o que, de outra forma, seria impossível fazer entrar numa escotilha ou montá-los no interior. Um exemplo são os motores diesel ou o motor elétrico de propulsão.
RESISTÊNCIA
Outra característica fundamental é o aço usado na construção do submarino. Ao contrário do que se possa pensar, o casco resistente de um submarino (o “cilindro” que mantém a estanqueidade do seu interior), não é totalmente rígido.
Quanto maior a profundidade e, consequentemente, a pressão a que está sujeito, menor é o seu volume que, ao regressar novamente a menores profundidades, retoma o volume inicial. Esta flexibilidade é uma característica importante para que o casco não só não ceda quando sujeito à pressão hidrostática, como mantenha as suas propriedades ao longo dos anos.
No caso dos submarinos da classe Tridente, o aço usado é do tipo HY-80 e HY-100, material com elevada resistência estrutural/mecânica. Tendo este aço uma elevada resistência, a união das várias secções é um aspecto que requer especial atenção para não ser o ponto mais fraco, nem fragilizar o aço no processo de soldagem. Basta imaginar as altas temperaturas a que o aço é sujeito e as alterações estruturais que pode sofrer.
\Numa breve descrição, pode referir-se que o processo de soldadura envolve o pré-aquecimento das secções, a execução de várias passagens, o seu arrefecimento controlado e a utilização de radiografias e ultrasons (com recurso a uma técnica designada por Time-of-flight diffraction - TOFD) para o controlo final de qualidade. Todas estas ações são realizadas a uma escala que obriga a utilização de maquinaria de grande dimensão.
ESPAÇO INTERIOR
Como certamente é do conhecimento generalizado, os submarinos não dispoẽm de muito espaço no seu interior, principalmente os submarinos convencionais como os da classe Tridente.
Para a resolução dos problemas associados à falta de espaço no interior, na fase de projecto são utilizadas técnicas de modelação 3D, assim como de realidade virtual e realidade aumentada, com as quais se consegue adoptar soluções sem um modelo físico. O recurso a esta tecnologia permite verificar os acessos a alguns equipamentos (válvulas, encanamentos, etc.), assim como a ergonomia dos diversos sistema durante a sua operação.
Sendo estas soluções, muitas vezes, um segredo industrial bem guardado, uma publicamente divulgada é o recurso à realidade virtual na construção dos submarinos Ingleses da classe Astute, o sistema VIRTALIS.
HÉLICE
O hélice dos submarinos deve ser uma das peças que mais atenção recebe na fase do projecto. O objectivo não é apenas atingir a melhor eficiência, mas principalmente encontrar uma forma que permita reduzir, ou mesmo anular, a cavitação produzida e o ruído associado, tanto a diferentes velocidades, como profundidades de operação do submarino.
Cada classe de submarino tem o seu hélice projetado à medida, sendo levadas a cabo uma multiplicidade de análises e medições acústicas, mesmo depois dos navios já construídos. O objectivo é o de chegar a um desenho de hélice que seja um compromisso adequado entre eficiência e assinatura acústica.
MONTAGEM DE EQUIPAMENTOS
De uma forma geral, existem dois modos de detectar um submarino: através do ruído irradiado (constituindo-se como a sua assinatura acústica) ou pela perturbação induzida no campo magnético terrestre local (a sua assinatura magnética), naturalmente para não referir a detecção visual directa de, por exemplo, um dos seus mastros quando içado.
Tendo estes factos em consideração, os submarinos são dotados de meios passivos e ativos para minimizar estas indiscrições de forma a evitar a sua detecção. Como exemplo, no que concerne à assinatura acústica, recorre-se a várias técnicas como o encapsulamento dos equipamentos, a montagem em elementos amortecedores de vibrações (para reduzir o ruído induzido pela vibração mecânica de elementos móveis), assim como à montagem dos equipamentos de maior dimensão em plataformas intermédias, que por sua vez são instaladas e fixadas no interior do navio com recursos aos mesmos elementos amortecedores de vibrações.
Muitas outras dificuldades técnicas e as correspondentes soluções encontradas na construção e desenho de um moderno submarino poderiam ser abordadas neste artigo mas, com o objectivo de manter a simplicidade, ficamos por estes aspectos de maior relevo.
Imaginam a complexidade de conseguir equipar estes navios com todos os equipamentos necessários num espaço extraordinariamente confinado, garantindo ainda espaços de acesso ao pessoal que opera e mantém o submarino?
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Este artigo tem mais de um ano
Muito bom o artigo. Parabéns Paulo!
Parabéns pelo excelente artigo. Embora bastante simplificado (ponto positivo), está bastante informativo!
Bom artigo! Estou a seguir esta série com atenção.
Gosto bastante de toda a tecnologia, conceitos e ideias “out of the box” na construção de material militar.
Devido a exigências técnicas no terreno, na realidade de uma ação de guerra / paz, muitas vezes requer imaginação para construirem um equipamento realmente útil.
nota: não gosto é da parte da utilização prática dos equipamentos militares em guerra e destruição…
e pena não ser nuclear esses são os melhores
Não precisamos de submarinos nucleares. Se estes são relativamente caros, os nucleares (até porque são muito maiores), são caríssimos!
Poupas no combustível e manutenção. Para o nosso caso com a nossa costa teríamos poupanças gigantes, estes submarinos só fazem sentido para pequenas zonas costeiras e para cenários de defesa em situação de guerra, de resto os nucleares são superiores.
Portanto, achas que pagar 2 a 3 mil milhões de euros por cada submarino nuclear, que por serem muito maiores, também exigem cerca de 3 a 4 vezes mais pessoal para operar, poupas em combustível em relação a um submarino nosso que custou 400 milhões e tem uma guarnição de 33 militares? Não percebo as tuas contas! Com o dinheiro de 1 submarino nuclear, compras pelo menos 7 submarinos iguais aos nossos!!!!!!
Por mil milhões já compras um Virginia.
Se multiplicares mil milhões por 2,5 vezes, aí já tens o preço de um submarino Virgínia (https://en.wikipedia.org/wiki/Virginia-class_submarine). Se para comprarmos 2 por 800 milhões foi o fim do mundo! (apesar de claramente ser muito pouco, precisavamos de 5 a 6 para tantos milhões de km2 de mar) agora imagina comprar 1 submarino nuclear a custar 7 vezes mais!!!!!!
Já esquecia. E mesmo que chegassemos aos EUA com 2,5 mil milhões de euros para comprar um submarino nuclear, duvido muito que os americanos nos vendessem….. a nós ou a qualquer um!
Excelente artigo, agora ficamos à espera de um artigo sobre o software / hardware utilizado nestes submarinos.
Boa noite José Luís,
Abordarei também essa parte em futuros artigos. Tendo estes submarinos uma quantidade de sistemas geridos por computadores, o software é também muito diversificado. Levantando apenas uma “ponta do véu”, podemos encontrar nestes submarinos sistemas com SO Windows (em várias versões), Linux e até mesmo Unix.
Resta aguardar 😉
Não me digas que têm o XP para gerir o armamento?! 😀
As baterias? O ganho que se podia ter na compra dos submarinos alemães era se nos tivessem licenciado o fabrico do tipo de baterias que trazem (não, não se movem a energia nuclear). Meteram-se a negociar uma me*** dumas contrapartidas não se ganha nada.
Nope, sem ter conhecimento directo desse assunto, o que sei é que na altura das negociações destes submarinos esteve em consideração o fabrico das baterias em Portugal, à semelhança do que era feito para os anteriores submarinos (da classe Albacora, eram fabricadas na fábrica da Tudor em Castanheira do Ribatejo), mas foi considerado economicamente inviável pelas empresas sediadas em Portugal. Há que ter em consideração que seria necessário investir numa linha de montagem dedicada para fornecer apenas dois submarinos, sendo que uma bateria completa de cada submarino tem uma esperança de vida de 5/7 anos.
Também tenho intenção de abordar esta questão das baterias num futuro artigo.
Duas baterias … 10 milhões de euros.
Não estava a falar, só, das baterias para os dois submarinos, mas do licenciamento do fabrico, para venda, de baterias com essa tecnologia. Os alemães, como não querem/podem utilizar energia nuclear, desenvolveram uma tecnologia muito avançada. Querem é ficar com ela e vender as baterias. Agora, dada a dimensão do negócio, na altura em que se estava a comprar é que essa negociação devia ter sido feita.
Há quem diga que era a única vantagem em comprar os submarinos aos alemães … e perdeu-se.
Bom dia Nope,
As baterias não estão sujeitas a qualquer tipo de licenciamento para o fabrico. Portugal quando quer comprar novas baterias lança um concurso internacional e quem apresentar a melhor proposta fabrica. Não é necessário qualquer tipo de licença do estaleiro construtor.
Quanto à tecnologia das baterias, as alemãs estão a par de outras. Uma prova disso é que as actuais baterias destes nossos submarinos são de fabrico grego marca: Sunlight) e a Marinha não tem qualquer razão de queixa.
Que compraram mais submarinos à Alemanha que Portugal.
Compraram, salvo erro, 5. [Ainda pensaram em usá-los para controlar os barquinhos de refugiados, mas não dava (“just kidding”)]
E os alemães cederam-lhes a tecnologia das baterias (não deve ter sido por inspiração divina que as fabricam).
A diferença é entre Portugal lançar um concurso internacional (duas baterias, 10 milhões de euros) e aparecerem os gregos a vender, ou aparecer um concurso e ser uma empresa portuguesa a vender.
A questão das contrapartidas versus licenciamento do fabrico das baterias a que me refiro nada tem a ver com a Marinha – tanto lhe faz comprar a uns ou a outros.
Tinha que ver era com os benefícios para empresas portuguesas por essa pipa de dinheiro pelos submarinos, pagos pelos contribuintes portugueses.
Muito bom ! Parabéns pela facilidade e pormenor de explicação para quem é leigo, fico mais que elucidado.
Bom artigo, só peca por ter fotos (2) de outros tipos de submarinos e não dos Tridente. Mas para quem nunca assistiu á construção de um submarino fica com uma ideia..
nao foi este que avariou em menos de 1 ano no activo e ficou imenso tempo parado porque era carissimo o arranjo?
bela maquina, mas acho que fomos mt bem enganados pelos alemaes
Não sabes o que dizes. Ouviste num café no meio de uns copos?
Se não sabes, os submarinos têem várias revisões ao longo da vida útil, normalmente a cada 5/7 anos. Ora, como compramos os 2 em 2010, quando achas que deviam fazer uma revisão?
Tens carro? Não fazes revisões ao teu carro? E desconfio que vais muitas mais vezes à oficina do que os submarinos!!!!!
Por acaso a bela máquina em tom depreciativo que dizes, é só o melhor submarino convencional que existe. Quando falarem a fundo do sistema AIP e dos sensores, vais perceber porquê 🙂
me and me…esta redondamente enganado. A sua informação é, como habitual relativamente aos SUBMARINOS, totalmente FALSA.
Os submarinos novos nunca pararam por avaria.
Obrigado!
Excelente artigo 🙂
Venha o próximo.
Está a ser divulgado também no fórum de Defesa 😉
Parabéns pelo artigo! Continue o bom trabalho e… fico a aguardar o próximo!