Na sequência da decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América (EUA) relativamente ao aborto, muitas mulheres americanas pararam de utilizar aplicações de monitorização menstrual nos seus smartphones.
A tendência começou no mês passado, mas intensificou-se agora.
De acordo com um relatório de 2019, publicado pela Kaiser Family Foundation, quase um terço das mulheres americanas utiliza rastreadores menstruais. Afinal, em todo o mundo, estas aplicações permitem o acompanhamento do ciclo menstrual, facilitando a sua vida a vários níveis.
Segundo o The Guardian, duas das aplicações mais populares nos EUA, Flo e Clue, reúnem mais de 55 milhões de utilizadores. No seu website, a segunda revela que recolhe dados dos utilizadores, como o endereço IP e informação sensível, mas garante que não armazena dados sem a permissão explícita do utilizador.
Americanas abandonaram aplicações de monitorização menstrual
Há cerca de um mês, as mulheres americanas começaram a apagar as aplicações de monitorização do ciclo menstrual que utilizavam até aí. Esta tendência surgiu, na sequência da possibilidade de o Supremo Tribunal anular a proteção do aborto, estipulada em 1973, através do caso Roe vs Wade.
Na sexta-feira, os receios foram confirmados e o tribunal revogou o direito federal ao aborto, deixando a decisão ao critério de cada estado. Depois disto, a tendência que se vinha a registar desde há um mês intensificou-se e, nos últimos dias, foram muitas as norte-americanas que apagaram aplicações de monitorização menstrual. Uma vez ilegal, as cidadãs receiam que as empresas responsáveis pelas aplicações possam utilizar os dados que recolhem contra si.
Se estiverem a tentar processar uma mulher por aborto ilegal, podem intimar qualquer aplicação no seu dispositivo, incluindo rastreadores de período.
Mas cada empresa tem a sua política individual de armazenamento e privacidade sobre a forma como utilizam e quanto tempo armazenam os dados.
Disse Sara Spector, uma advogada de defesa criminal do Texas.
Efetivamente, conforme acontece com várias outras aplicações, há dados que são partilhados e vendidos a terceiros para, por exemplo, fins publicitários. Num estado em que o aborto seja ilegalizado, os procuradores poderão solicitar os dados que essas aplicações possam ter recolhido para construir um processo.
Na opinião da aplicação Clue, que garante estar “empenhada em proteger” os dados sensíveis dos utilizadores, a não divulgação dos dados de saúde privados é um “dever legal primário ao abrigo da lei europeia”. Tendo em conta a situação legal dos EUA, a aplicação garante também que “não responderia a qualquer pedido de divulgação ou tentativa de intimação dos dados de saúde dos seus utilizadores” pelas autoridades americanas.
Por sua vez, e embora o The Wall Street Journal já tenha descoberto que a aplicação partilhava informações com o Facebook, a Flo anunciou, na sexta-feira, que lançará, em breve, um “Modo Anónimo” que ajudará a manter os dados dos utilizadores em segurança, independentemente da circunstância.
You deserve the right to protect your data. pic.twitter.com/uA5HLHItCY
— Flo Period Tracker (@flotracker) June 24, 2022
Os dados que partilhamos podem sempre vir a ser usados contra nós
Apesar de as políticas de privacidade serem diferentes, segundo Evan Greer, diretor adjunto do grupo de defesa sem fins lucrativos Fight for the Future, “qualquer aplicação que tenha acesso aos dados dos seus utilizadores pode torná-los vulneráveis depois de um pedido legal”.
Para Eva Blum-Dumontet, consultora de política tecnológica, “as empresas que têm vindo a lucrar com o corpo das mulheres precisam de pensar muito cuidadosamente sobre como irão proteger os seus utilizadores”. Afinal, “nem todas têm sido as melhores no passado no que diz respeito à partilha de dados, e a única forma de sobreviverem neste mercado, de se tornarem dignas de confiança, é melhorando a sua política de privacidade e dando aos utilizadores mais controlo sobre os seus dados”. Conforme refere, “se alguma destas aplicações for utilizada em tribunal contra os seus utilizadores, não será uma boa publicidade”.
Ao The Guardian, Jonathan Lord, diretor médico da MSI Reproductive Choices, disse que as aplicações de rastreio podem ser extremamente úteis para muitas mulheres. No entanto, é preciso ter em mente que “todos os dados podem ser utilizados contra si”.
Para o diretor, este perigo associado aos dados recolhidos pelas aplicações permanecerá até “tratarmos o aborto como todos os outros cuidados de saúde: regulamentado, mas não criminalizado”.
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