Reprodução Social e Mudança nos Percursos Profissionais
Por Patrícia Felisberto para o Pplware
As diferenças de género são objeto de grande interesse por se encontrarem ligadas às questões de desigualdade e poder nas sociedades. Mas o que é o género? A que nos referimos quando falamos em género!?
Muitas vezes confundimos desigualdade de género com a chamada e histórica “guerra dos sexos”. Sexo forte, sexo fraco. Quem é melhor onde? Quem gosta do quê?
É no contexto da Igualdade de Género importante compreender a que nos referimos quando falamos em género. O género refere-se aos papéis veiculados por uma sociedade, papéis esses que regem e determinam comportamentos como sendo apropriados e característicos para homens e mulheres.
E nas TIC? Como funcionam aqui as desigualdades de género?
Uma diferenciação baseada no senso comum associa às características sexuais um conjunto de características de personalidade e orientações de comportamento, organizados em modos de ser homem e de ser mulher, que não encontram fundamento nas diferenças biológicas mas que as utilizam como pretexto.
Desde a infância, as atitudes, palavras, brinquedos e a publicidade parecem apresentar um papel relevante na moldagem das crianças no sentido da identificação e assimilação dos papéis de género perante a sociedade. Dos meninos espera-se capacidade de liderança, racionalidade e domínio técnico, das meninas espera-se a delicadeza, a sensibilidade e o domínio familiar.
Oferecer ao menino exclusivamente carros, espadas, armas e jogos eletrónicos, e à menina utensílios domésticos e bonecas é determinar à partida uma apropriação dos devidos papéis de género. As práticas estereotipadas no seio da família permitem a construção de habilidades diferenciadas por género, os rapazes brincadeiras que encorajam a autonomia, a construção e a resolução de problemas, enquanto as raparigas são associadas à interação social e aos cuidados do lar.
(Imagem: Paul Windle)
Assim, uma caracterização de género permite considerar as diferenças de género sem transformá-las em desigualdade, ou seja, sem que as diferenças sejam um ponto de partida para a discriminação. Naturalizamos assim as diferenças, aceitamo-las e difundimo-las.
Os padrões de comportamento que se apresentam como desejáveis enquanto papel de género contribuem para que as crianças diferenciem percetivamente as atividades ditas masculinas ou femininas sob a forma do que devem fazer os homens e as mulheres.
- Os meninos não choram, é feio!
- Aquela menina é um bocadinho maria-rapaz…
As crianças, através dos contactos com diferentes agentes de socialização, interiorizam progressivamente as normas e expectativas sociais que correspondem ao seu sexo.
A plena integração teórica da análise de género em tecnologia requer a compreensão de que homens e mulheres apresentam identidades de género que estruturam as suas experiências e as suas crenças.
- Os meninos gostam todos de desmontar coisas quando são pequenos.
Existe ainda uma utopia da neutralidade da tecnologia, considerada assim, património da humanidade e igualmente disponível e relevante para todos. Tudo o que as mulheres precisam fazer, é querer agarrá-la.
De acordo com as teorias biológicas caracterizamos assim, o indivíduo como um ser que age de acordo com uma predisposição inata e descura o papel vital da interação humana na formação do comportamento humano.
- As mulheres não gostam muito destas coisas!
Habilidades técnicas e domínios de especialização são divididos entre e dentro dos géneros, moldando masculinidades e feminilidades. Esta associação da tecnologia com o género, traduz-se em experiências quotidianas de género, narrativas históricas, práticas de emprego, educação, o design das novas tecnologias e a distribuição de poder numa sociedade global em que a tecnologia é vista como a força motriz do progresso.
Partindo do caso da indústria dos jogos eletrónicos, nota-se uma ligação ao elemento masculino, não só no que refere aos próprios conteúdos dos referidos jogos, como à publicitação dos mesmos.
- Mãe, quero um GameBoy!
A ausência das mulheres do desenvolvimento da tecnologia tem sido atribuída às diferenças de género numa perspetiva de interpretação das motivações, interesses, experiências, características da personalidade, habilidade e socialização.
O género pode assim ser visto como um factor condicionante das escolhas profissionais, reforçado pelas práticas sociais.
Poderemos nós condicionar, em acordo com os papeis de género socialmente aceites que existem profissões mais femininas e outras mais masculinas? Estaremos a condicionar as capacidades individuais de cada um ao continuarmos a alimentar ciclicamente os pressupostos de género?
(Mulheres astronautas da NASA, uma das profissões mais difíceis do Mundo, associada tipicamente a homens)
Neste sentido, as raparigas continuam a seguir as atividades tipicamente femininas, como tarefas ligadas às artes, às pessoas, ao cuidado do outro, e às tarefas domésticas, enquanto os homens são estimulados para as ciências, a tecnologia e o desporto.
Estaremos ainda frente a uma imagem do homem forte, racional e bem-sucedido, capaz de fornecer segurança financeira à família, e a uma mulher companheira e mais emotiva?
Apesar das estatísticas apresentarem taxas de participação das mulheres portuguesas na vida ativa elevadas quando comparadas com a União Europeia, esse facto não é necessariamente um indicador de igualdade de oportunidades. Na realidade, persistem ainda diferenças relevantes na distribuição de sexos pelas áreas profissionais e salariais.
As diferenças passam pela representação de género nas diferentes categorias profissionais, pela continuidade no desempenho da atividade profissional, pela segurança na profissão, pela posição ocupada dentro da profissão, pelo tipo de inserção no mercado de trabalho, e pelos salários ganhos.
A realidade é que mesmo que o trabalho feminino apresente um peso relativo na sociedade portuguesa, continua, em geral, a não estar em paridade com o do trabalho masculino.
As ocupações profissionais das mulheres têm maior preponderância num leque de profissões conotadas com o prolongamento, no mercado de trabalho, de atividades que ao longo dos tempos foram desempenhando na esfera doméstica, grandemente associadas à prática do cuidar.
Analisando os dados da Direção Geral do Ensino Superior (Tabela 1), agrupando os colocados por género e por áreas de educação e formação, confirma-se uma forte presença feminina dos colocados com especial incidência no grande grupo da Educação.
Por seu lado, na área das Tecnologias da Informação e Comunicação é onde se regista uma prevalência de colocados do sexo masculino como é visível no gráfico 1:
Gráfico 1: Evolução do número de inscritos (1ºvez) em TIC por sexo – Fonte: GPEARI
As estruturas do emprego feminino ou masculino mantêm assim, características distintas, e na área tecnológica o domínio é masculino, sendo apenas recente a entrada das mulheres nesta área como se pode verificar na tabela 2:
Tabela 2: – Diplomados no ensino superior em Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC): Total e por Sexo em Portugal – Fonte PORDATA
As mulheres que optam por um percurso académico na área tecnológica aceitam o mundo masculinizado que caracteriza esta área. Como refere o estudo realizado na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (Lobo e Azevedo, 2008) apesar das alunas reconhecerem as diferenças de género e mesmo a discriminação presente (em níveis variáveis) nos cursos de engenharia, denota-se uma aceitação da cultura masculina. A partilha de determinados valores, como a utilização de vocábulos de força, o desprezo pelos cuidados de beleza e inclusivamente a adoção de um estilo de vida associado ao sexo masculino, apresenta-se neste contexto como uma “necessidade” para quem pretende integrar este meio.
É verdade que a maioria dos homens apresenta mais confiança na tecnologia que as mulheres, mas isso não faz parte do ADN, mas sim de uma socialização que é realizada e transmitida.
De acordo com um estudo de Maria de Lurdes Rodrigues, os engenheiros em Portugal apresentam ainda diferenças ocupacionais significativas, as mulheres encontram-se mais representadas nas atividades de investigação e desenvolvimento, planeamento, fiscalização e ensino, enquanto por sua vez, os homens, se encontram em maior número nas atividades de produção e a execução de obras, técnico-comerciais e de marketing, na administração e gestão.
Aceitar uma mulher a trabalhar estreitamente com a tecnologia é potencialmente rejeitar a inautenticidade de género.
É importante quebrar estereótipos e preconceitos de género e induzir mudanças na sociedade. Enquanto se mantiver as perspetivas tradicionais da mulher no domínio doméstico ou atividades relacionadas ao cuidado e reprodução e do homem na produção e domínio tecnológico haverá maior tendência para que os adolescentes continuem a escolher profissões adequadas ao seu género, mantendo-se as estruturas do emprego claramente segregadas.
A autora do artigo pode ser contactada através do seguinte email: patriciasantosfelisberto@gmail.com
- Lobo, P. e Azevedo, J. (2008). “Ciência, tecnologia e comunicação : dimensões de género no ensino da engenharia.” Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade Universidade do Minho.
- Rodrigues, M.L. (1999) Os Engenheiros em Portugal, Oeiras: Celta Editora.