O seu dia “não dá para nada”? Bom, de facto a Terra está a girar mais rápido do que no último meio século. Isso faz com que os nossos dias sejam um pouco mais curtos. Embora seja uma diferença infinitesimalmente pequena, tornou-se numa grande dor de cabeça para os físicos, programadores e até mesmo para os corretores da bolsa.
O nosso planeta tem comportamentos que ainda deixam os cientistas intrigados, mas faz parte da sua existência. Qual será a razão de estar a aumentar a velocidade de rotação da Terra?
Por que razão a Terra gira
O nosso sistema solar formou-se há cerca de 4,5 mil milhões de anos, quando uma densa nuvem de poeira interestelar e gás colapsou sobre si mesma e começou a girar. Existem vestígios desse movimento original na rotação atual do nosso planeta, graças ao momento angular – essencialmente.
Graças a este fenómeno, o nosso planeta gira há milhar de milhões de anos e vivenciamos o que chamamos de noite e de dia. Contudo, a nossa esfera nem sempre girou na mesma velocidade!
Há centenas de milhões de anos, a Terra fazia cerca de 420 rotações durante o tempo que levava para orbitar o Sol. Podemos ver evidências de como cada ano foi preenchido com dias extras ao examinarmos as linhas de crescimento em corais fósseis.
Embora os dias tenham crescido gradualmente ao longo do tempo (em parte, por causa de como a Lua atrai os oceanos da Terra, o que nos retarda um pouco), durante a vigília da humanidade, temo-nos mantido estáveis em cerca de 24 horas para uma rotação completa – o que se traduz a cerca de 365 rotações por viagem ao redor do Sol. Isso foi o que convencionamos de um ano.
Conforme os cientistas melhoraram a observação da rotação da Terra e o controlo do tempo, perceberam que tivemos pequenas flutuações no tempo que leva para fazer uma rotação completa.
Nova forma de controlar o tempo
Na década de 50, os cientistas desenvolveram relógios atómicos que marcam o tempo com base em como os eletrões nos átomos de césio caem de um estado excitado de alta energia de volta ao estado normal.
Uma vez que os períodos dos relógios atómicos são gerados por este comportamento atómico imutável, eles não são prejudicados por mudanças externas como a temperatura, como pode acontecer com os relógios tradicionais.
Contudo, com o passar dos anos, os cientistas identificaram um problema: os relógios atómicos incontestavelmente estáveis estavam a mudar ligeiramente em relação ao tempo que o resto do mundo mantinha.
Conforme o tempo passa, há uma divergência gradual entre o tempo dos relógios atómicos e o tempo medido pela astronomia, ou seja, pela posição da Terra ou da Lua e das estrelas. Basicamente, um ano registado pelos relógios atómicos foi um pouco mais rápido do que o mesmo ano calculado a partir do movimento da Terra.
Para evitar que esta divergência ficasse muito grande, em 1972, foi tomada a decisão de adicionar periodicamente segundos bissextos aos relógios atómicos.
Explicou Judah Levine, físico da divisão do tempo e da frequência do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia.
Portanto, os segundos bissextos funcionam um pouco como os dias bissextos que incluímos no final de fevereiro a cada quatro anos para compensar o facto de que realmente leva cerca de 365,25 dias para a Terra orbitar o Sol. Mas, ao contrário dos anos bissextos, que ocorrem continuamente a cada quatro anos, os segundos bissextos são imprevisíveis.
O Serviço Internacional de Rotação da Terra e Sistemas de Referência (IERS) mantém o controlo sobre a rapidez com que o planeta gira, enviando feixes de laser aos satélites para medir o seu movimento, junto com outras técnicas.
Quando o tempo traçado pelo movimento da Terra se aproxima de um segundo fora de sincronia com o tempo medido pelos relógios atómicos, os cientistas ao redor do mundo coordenam para parar os relógios atómicos durante exatamente um segundo, às 23h59min59s do dia 30 de junho ou 31 de dezembro, para permitir que se atualizem. Voilà – um segundo bissexto.
Rotação da Terra volta a complicar as contas
Desde que o primeiro segundo bissexto foi integrado em 1972, os cientistas adicionaram segundos bissextos a cada poucos anos. Eles são adicionados irregularmente porque a rotação da Terra é errática, com períodos intermitentes de aceleração e desaceleração que interrompem a desaceleração gradual do planeta, que dura milhões de anos.
A taxa de rotação da Terra é um negócio complicado. Tem a ver com a troca de momento angular entre a Terra e a atmosfera e os efeitos do oceano e o efeito da Lua. Não somos capazes de prever o que vai acontecer no futuro.
Disse Levine.
No entanto, na última década ou assim, a desaceleração da rotação da Terra… desacelerou! Não houve um segundo bissexto adicionado desde 2016, e o nosso planeta está a girar mais rápido do que em meio século. Os cientistas não sabem ao certo a razão.
O problema dos segundos bissextos
Dependendo de quanto as rotações da Terra se aceleram e por quanto tempo esta tendência continua, os cientistas podem ter que agir.
Há uma preocupação no momento de que, se a taxa de rotação da Terra aumentar ainda mais, poderemos precisar do que é chamado de segundo bissexto negativo. Por outras palavras, em vez de inserir um segundo extra para permitir que a Terra se atualize, temos que tirar um segundo da escala de tempo atómica para trazê-la de volta ao estado da Terra.
Explicou Peter Whibberley, cientista investigador no Laboratório Físico Nacional do Reino Unido.
Contudo, um segundo salto negativo apresentaria aos cientistas um novo conjunto de desafios.
Nunca houve um segundo salto negativo antes e a preocupação é com funcionaria o software com algo que nunca foi testado operacionalmente.
Acrescentou Whibberley.
Seja um segundo bissexto regular ou um segundo bissexto negativo, na verdade, estas pequenas mudanças podem ser uma enorme dor de cabeça para setores que vão de telecomunicações a sistemas de navegação. Isso porque os segundos intercalados interferem no tempo de uma maneira que os computadores não estão preparados para lidar.
A espinha dorsal principal da Internet é que o tempo é contínuo. Quando não há uma alimentação constante e continua de informações, as coisas complicam-se. Repetir um segundo ou altar um segundo atrapalha todo o sistema e pode causar lacunas no que deveria ser um fluxo constante de dados.
Os segundos bissextos também representam um desafio para o setor financeiro, em que cada transação deve ter o seu próprio registo de data e hora – um problema potencial quando os 23:59:59 segundos se repetem.
Explicou Levine.
Google anda atrás de uma solução para o tempo
Algumas empresas procuram as suas próprias soluções para saltar segundos, como o projeto Leap Smear da Google. Em vez de parar o relógio para permitir que a Terra acompanhe o tempo atómico, o Google torna cada segundo ligeiramente mais longo que um segundo dia bissexto.
Esta é uma maneira de fazer isso, mas este processo não está de acordo com o padrão internacional de como o tempo é definido.
Disse Levine.
Portanto, na verdade, falamos em quantidades muito pequenas de tempo – apenas um segundo a cada dois anos. Sim, quem está neste momento a ler, seguramente já viveu muitos segundos bissextos e provavelmente nem estava ciente deles.
Contudo, se vemos o tempo como uma ferramenta para medir as coisas que vemos no mundo ao nosso redor, como a transição de um dia para o outro, então há um argumento forte para usarmos o tempo definido pelo nosso planeta, e não pelos eletrões num relógio atómico. O tempo é definido pela Terra, ora pode ser mais lento, hora teremos um tempo mais rápido.