Os cientistas detetaram uma característica até agora desconhecida da nossa Galáxia, a Via Láctea. Segundo os investigadores, há um contingente de estrelas jovens e nuvens de gás, formadoras de estrelas, que está a “sair” de um dos braços espirais da Via Láctea como uma lasca a sair de uma tábua de madeira.
Esta extensão, que está a cerca de 3000 anos-luz, é a primeira grande estrutura identificada com uma orientação diferente. Como se fosse um braço “partido”.
Não sabemos o tamanho da Via Láctea porque estamos dentro
Não há uma ideia exata do tamanho e forma dos braços da Via Láctea. O que se conhece da estrutura da nossa galáxia é pouco, porque a Terra está dentro da Galáxia, dificultando olhar “para o interior”.
Os astrónomos dão um exemplo para percebermos as dificuldades de “olhar a plenitude da Galáxia. Imaginemos um desenhador na baixa da cidade a tentar desenhar o mapa de toda a região.
Então, será que o criativo conseguirá medir distâncias com precisão suficiente para saber se dois edifícios estavam no mesmo quarteirão ou separados por algumas ruas? E como poderia ver o limite da cidade com tantos edifícios no caminho?
Bom, os autores do novo estudo concentraram-se numa porção próxima de um dos braços da Galáxia, chamado Braço de Sagitário.
Spitzer da NASA ajudou antes do último suspiro
Recorrendo o Telescópio Espacial Spitzer da NASA, antes deste se reformar em janeiro de 2020, procuraram descobrir onde se formam as estrelas recém-nascidas, aninhadas nas nuvens de gás e poeira (chamadas nebulosas).
Este equipamento, o Spitzer, foi usado, pois, deteta luz infravermelha que pode penetrar nessas nuvens. É uma vantagem face aos outros equipamentos que, tal como a visão humana, detetam apenas a luz visível e que neste caso, fica bloqueada.
Pensa-se que as estrelas jovens e as nebulosas alinham-se intimamente com a forma dos braços onde residem. Para obter uma visão 3D do segmento do braço, os cientistas usaram o catálogo mais recente de dados da missão Gaia da ESA de modo a medir as distâncias precisas até às estrelas.
Braço de Sagitário é composto por estrelas novas
Os dados combinados revelaram que a estrutura longa e fina associada ao Braço de Sagitário é composta por estrelas jovens que se movem quase à mesma velocidade e na mesma direção através do espaço.
Uma propriedade chave dos braços espirais é o quão apertados estão à volta de uma galáxia. Esta característica é medida pelo ângulo de inclinação do braço.
Um círculo tem um ângulo de inclinação de zero graus e, à medida que a espiral se torna mais aberta, o ângulo de inclinação aumenta.
A maioria dos modelos da Via Láctea sugere que o Braço de Sagitário forma uma espiral que tem um ângulo de inclinação de aproximadamente 12 graus, mas a estrutura que examinámos destaca-se num ângulo de quase 60 graus.
Explicou Michael Kuhn, astrofísico do Caltech e autor principal do novo artigo.
Estruturas semelhantes – por vezes chamadas “esporas” ou “penas” – são normalmente encontradas a cortar os braços de outras galáxias espirais.
Durante décadas os cientistas perguntaram-se se os braços espirais da nossa Via Láctea também continham estas estruturas ou se eram relativamente regulares.
Medir a Via Láctea
A característica recém-descoberta contém quatro nebulosas conhecidas pela sua beleza de tirar o fôlego: a Nebulosa da Águia (que contém os famosos “Pilares da Criação”), a Nebulosa Ómega, a Nebulosa Trífida e a Nebulosa da Lagoa.
Na década de 50, uma equipa de astrónomos fez medições aproximadas das distâncias de algumas das estrelas nestas nebulosas e foi capaz de inferir a existência do Braço de Sagitário.
O seu trabalho forneceu algumas das primeiras evidências da estrutura espiral da nossa Galáxia.
Astrónomos desconhecem a razão da Galáxia ter braços
No novo estudo, os investigadores também confiaram num catálogo com mais de cem mil estrelas recém-nascidas descobertas pelo Spitzer num levantamento chamado GLIMPSE (Galactic Legacy Infrared Mid-Plane Survey Extraordinaire).
Os astrónomos ainda não entendem completamente a razão pela qual se formam braços espirais em galáxias como a nossa.
Mesmo que não possamos ver a estrutura completa da Via Láctea, a capacidade de medir o movimento de estrelas individuais é útil para a compreensão deste fenómeno.
As estrelas na estrutura recém-descoberta provavelmente formaram-se na mesma época, na mesma área global e foram influenciadas particularmente pelas forças que atuam dentro da galáxia, incluindo a gravidade e o cisalhamento devido à rotação da Galáxia.
Em última análise, relembra-nos que existem muitas incertezas sobre a estrutura em grande escala da Via Láctea, e que precisamos de olhar para os detalhes se quisermos entender essa maior imagem.
Esta estrutura é um pedaço pequeno da Via Láctea, mas pode dizer-nos algo importante sobre a Galáxia como um todo.
Concluiu um dos coautores do artigo, Robert Benjamin, astrofísico na Universidade de Wisconsin-Whitewater.