O diretor-executivo do Telegram, Pavel Durov, foi detido, no dia 24 de agosto, e não tardou até que o seu percurso, bem como a evolução da plataforma, fossem esmiuçados. De facto, o propósito que o executivo sempre associou ao serviço de mensagens agrada aos utilizadores, mas não agrada aos governos, especialmente aos do ocidente. Porquê?
Em 24 de agosto, Pavel Durov, diretor-executivo do serviço de mensagens Telegram, foi detido num aeroporto de Paris, no âmbito de uma investigação das autoridades francesas sobre atividades criminosas na plataforma.
Num comunicado de imprensa, um procurador francês escreveu que o Telegram se tinha recusado a cooperar com as autoridades nos seus esforços para impedir a disseminação de pornografia infantil, drogas e branqueamento de capitais na plataforma. Na altura, o Presidente francês Emmanuel Macron negou que a detenção tivesse motivações políticas.
Esta detenção do diretor-executivo espoletou reações por parte de utilizadores e analistas, e reacendeu o debate sobre os limites da liberdade de expressão. Por via do X, o analista Edward Snowden, ex-administrador de sistemas da CIA e ex-contratado da National Security Agency dos Estados Unidos, descreveu a prisão de Pavel Durov como um “ataque aos direitos humanos básicos de expressão e associação”.
The arrest of @Durov is an assault on the basic human rights of speech and association. I am surprised and deeply saddened that Macron has descended to the level of taking hostages as a means for gaining access to private communications. It lowers not only France, but the world.
— Edward Snowden (@Snowden) August 25, 2024
Com um propósito muito claro desde a sua estreia, esta detenção do líder do Telegram reacendeu, também, o debate sobre a responsabilidade que as empresas que detêm as redes sociais devem ter relativamente aos conteúdos das suas plataformas.
O propósito do Telegram
Em julho, o Telegram anunciou ter atingido uns impressionantes 950 milhões de utilizadores num único mês, com a plataforma de mensagens a crescer de ano para ano, desde 2013.
O projeto do Telegram terá nascido da profunda tendência anti-regulamentação que caracteriza, ainda hoje, Pavel Durov, bem como da convicção de que as pessoas em países com governos opressivos precisavam de um sistema de mensagens encriptadas para comunicarem entre si. Estes comentários do diretor-executivo da plataforma não terão sido recebidos com entusiasmo pelo Governo da Rússia, motivando a sua fuga do país em 2014.
O Telegram permite que os utilizadores conversem em privado e em grupos, ou que integrem canais públicos que divulgam informações. Apesar das questões levantadas pelos especialistas sobre a segurança das conversas na plataforma, Pavel Durov posiciona-a, desde o início, como um paraíso para a liberdade de expressão.
De facto, nalguns locais, a aplicação alimentou movimentos de protesto contra regimes autoritários, nomeadamente no Irão e em Hong Kong. Contudo, a sua falta de moderação que protege o anonimato permitiu, também, que extremistas, como o ISIS e os Proud Boys, comunicassem e recrutassem, fugindo às regras impostas por outras plataformas, como o Facebook, por exemplo.
Penso que a privacidade, em última análise, e o nosso direito à privacidade, é mais importante do que o nosso medo de que aconteçam coisas más, como o terrorismo.
Defendeu Pavel Durov, num evento do TechCrunch em 2015, acrescentando que não devia sentir-se culpado pelo facto de o ISIS usar o Telegram.
Conforme recordado pelo Time, desde então, os grupos de ódio têm crescido consideravelmente na plataforma, motivados pelas suas características de privacidade.
Por exemplo, em 2023, o Brasil baniu temporariamente o Telegram durante investigações sobre grupos neonazis que supostamente usavam a aplicação para organizar ataques a escolas; e, mais recentemente, as autoridades americanas revelaram que grupos de extrema-direita têm usado o Telegram para planear ataques às infraestruturas elétricas locais.
De facto, o grupo de defesa britânico Hope not Hate escreveu, em 2021, que o Telegram era o lar do “conteúdo antissemita mais extremo, genocida e diretamente violento”.
A par disso, o Stanford Internet Observatory declarou que o Telegram não conseguiu “executar nem mesmo a fiscalização básica de conteúdo em canais públicos”, permitindo a disseminação de pornografia infantil.
Qual o problema do Telegram, para os governos ocidentais?
Apesar da gravidade das acusações que levaram à detenção de Pavel Durov, esta provocou indignação, particularmente por parte de figuras libertárias que apontaram o dedo ao Governo de França. Afinal, terá sido este a agir contra o diretor-executivo do Telegram, prendendo-o e acusando-o de cumplicidade em múltiplos crimes.
I’ve criticized Telegram before for not being serious with encryption.
But (given the info available so far: the charge seems to be just being “unmoderated” and not giving up people’s data), this looks very bad and worrying for the future of software and comms freedom in Europe.
— vitalik.eth (@VitalikButerin) August 25, 2024
Pelas redes sociais, outros utilizadores admitiram temer que a prisão de Durov encorajasse os governos a processar os diretores-executivos das plataformas por não entregarem os dados dos utilizadores, ou resultasse num “efeito inibidor”, por via do qual as plataformas começassem a moderar demais o conteúdo por medo de serem acusadas criminalmente.
Durante vários anos, a União Europeia (UE) tem tentado convencer o Telegram e a sua base de utilizadores europeus a cooperar com as suas regras. Em 2022, a UE adotou a Lei dos Serviços Digitais, obrigando o Telegram a cumprir as suas normas de transparência e moderação, incluindo a tomada de medidas proativas para policiar conteúdos nocivos e ilegais – um porta-voz da Comissão Europeia, no entanto, disse à Euronews que a detenção não está relacionada com qualquer tipo de violação dessa lei.
No caso do Telegram, ações como as mencionadas (processar os diretores-executivos das plataformas ou moderar demais os conteúdos) arrebatariam o propósito sobre o qual Pavel Durov desenvolveu e fundou a plataforma, que parece agradar aos utilizadores.