Foi no dia 12 de setembro que a Europa recebeu a notícia de que a Internet podia mudar, da forma como a conhecemos. O Parlamento Europeu aprovou, nesse dia, uma proposta de alterações significativas àquilo que são aos direitos de autor no mercado único digital, que ainda serão alvo de avaliação em janeiro do próximo ano, podendo sofrer alterações.
Nos últimos dias a campanha #SaveYourInternet, contra estas alterações, ganhou uma nova força com grandes YouTubers nacionais a declararem o “fim da Internet”, com grandes nomes ligados às gigantes da tecnologia a ameaçarem o seu afastamento da Europa… Mas há mesmo motivo para tanto alarmismo?
“O FIM DO YOUTUBE …. Artigo 13”
“O meu canal vai ser apagado”
“VOU FICAR SEM O MEU CANAL!”
“O FIM DA INTERNET ! – ARTIGO 13”
Estes são alguns dos títulos de vídeos publicados no YouTube que começaram a surgir nos últimos dias em Portugal. O que terá despoletado novamente este debate de forma tão intensiva foi um e-mail enviado pela plataforma a alguns dos mais influentes YouTubers a pedir para que estes falassem sobre o assunto.
Curiosamente, no domingo de manhã, acordo com uma mensagem no Messenger do Facebook do meu sobrinho de 12 anos a dizer:
É muito importante que vao ao facebook, instagram, twitter,… e escrevam #saveyourinternet
Na verdade, àquela hora pensei eu que era “Mais uma corrente do Facebook” e nem liguei… Mais tarde é que ele me explicou o significado do #saveyourinternet:
Em janeiro, se não nos manifestarmos, não vamos poder publicar nada no Facebook, no Twitter ou no YouTube que tenha marcas ou imagens, por exemplo, tens um vídeo com um boneco do Homem-Aranha atrás de ti e não vais poder publicar esse vídeo!
Realmente, a forma como os YouTubers se exprimem é alarmante, há relatos de pais que tiveram que acalmar os filhos em pranto no fim de ouvirem os seus ídolos a dizer que os seus canais vão acabar. A lei pode realmente mudar muitas regras, mas nem a Internet vai acabar, nem os produtores de conteúdo vão desaparecer!
Voltando ao e-mail enviado pelo YouTube, divulgado num desses vídeos, pode ler-se:
Imagine uma Internet na qual os seus vídeos já não podem ser vistos.
Imagine uma Internet sem os seus criadores favoritos.
Imagine uma Internet na qual novos artistas nunca são descobertos.
Isso pode acontecer na Europa.
O Artigo 13 faz parte de uma nova diretiva da União Europeia sobre os direitos de autor criada com o objetivo de proteger melhor a criatividade e de encontrar formas eficazes de os detentores dos direitos de autor protegerem o respetivo conteúdo online. Para que fique claro, nós apoiamos os objetivos do Artigo 13. No entanto, a atual proposta do Artigo 13 do Parlamento Europeu irá criar consequências não intencionais significativas.
Ameaça impedir milhões de pessoas na Europa de carregar conteúdos em plataformas como o YouTube. Os visitantes europeus perderiam acesso a milhares de milhões de vídeos em todo o mundo.
Há uma solução melhor. Saiba mais e faça-se ouvir em youtube.com/SaveYourInternet
Ao aceder a este canal do YouTube apenas existe um vídeo em direto com a hashtag #SaveYourInternet e um outro vídeo de 53 segundo a explicar o que poderá acontecer na Europa se esta alteração for para a frente.
Mas afinal, o que é que diz no Artigo 13 que está a alarmar tanto a Internet e as gigantes da tecnologia?
Entenda o Artigo 13º e conheça também o Artigo 11º
Da proposta aprovada fazem parte os polémicos artigos 11.º e 13.º batizados, pelos críticos, de “link tax (taxa dos links)” e “upload filter (filtros de upload)”.
O Artigo 11º e a Taxa dos Links
Começando pelo mais simples, o Artigo 11º irá definir que as plataformas da Internet “que armazenam e facultam ao público acesso a grandes quantidades de obras ou outro material protegido carregados pelos seus utilizadores” devem ter acordos com os autores dos mesmos sobre a utilização de tais conteúdos ou outro tipo de material protegido.
Resumindo, se um criador de conteúdo web partilha links de outros criadores e com essa partilha vai ganhar dinheiro, então o primeiro vai ter que repartir os seus ganhos com o segundo. Aqui incluem-se os agregadores de notícias, como o Google Notícias, por exemplo.
Nesta questão “das partilhas” de links, os utilizadores comuns, em nada serão afetados, poderão continuar a fazer as suas partilhas livremente.
Artigo 11º
1. Os Estados-Membros fornecerão aos editores das publicações de imprensa os direitos previstos no artigo 2.º e no n.º 2 do artigo 3.º da Directiva 2001/29/CE, para que possam obter uma remuneração justa e proporcionada pela utilização digital das suas publicações de imprensa pelo serviço da sociedade da informação.
1a. Os direitos referidos no n.º 1 não impedem a utilização privada e não comercial legítima de publicações de imprensa por utilizadores individuais.
Ainda a reter deste artigo 11º e da sua proposta de alteração:
4. Os direitos referidos no n.º 1 expiram cinco anos após a publicação da publicação na imprensa. Este prazo será calculado a partir do primeiro dia de janeiro do ano seguinte à data de publicação. O direito referido no nº1 não é aplicável com efeito retroactivo.
O “Monstro” do Artigo 13º
Ao criar esta ironia não quero de todo desvalorizar a luta contra as alterações da forma como estão a ser conduzidas, porque enquanto criadora de conteúdo esta é também uma luta minha.
O que é importante, antes de qualquer tipo de alarmismo, é entender realmente o que as coisas querem dizer, o que vão mudar, quem vão afetar negativamente… e quem vai beneficiar delas. Há lobbies por detrás destas alterações? Arrisco-me a dizer que sim… Haverá quem tenha votado a favor e que não tenha consciência do que é que isto pode implicar? Isso, garantidamente.
Mas voltemos ao Artigo 13º e às suas alterações.
O Artigo 13º vem definir que devem existir mecanismos que impeçam o upload e publicação de material protegido por direitos de autor. Plataformas como o Facebook, YouTube, Twitter e Instagram, são exemplos de serviços que devem limitar a partilha de conteúdos que estão protegidos por direitos de autor.
Resumindo, o produtor de conteúdo que usar imagens, vídeos, músicas ou textos, de terceiros, que não tenha acordos de direitos de autor com estas plataformas, verá os seus vídeos automaticamente bloqueados. Na verdade, no YouTube já vemos isto a acontecer em casos esporádicos, a questão é que esta lei passará a ser mais abrangente ao nível das plataformas e mais restritiva ao nível do conteúdo.
No número 1 do Artigo 13º pode ler-se:
Sem prejuízo do artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, da Diretiva 2001/29/CE, os prestadores de serviços de partilha de conteúdos online [leia-se, YouTube, Twitter, ou semelhantes] realizam um ato de comunicação ao público. Por conseguinte, devem celebrar acordos de licenciamento justos e adequados com os titulares de direitos.
Ou seja, são as plataformas que têm que celebrar os acordos com os titulares de direitos e não os criadores de conteúdo para essas plataformas.
No número 2:
Os acordos de licenciamento celebrados pelos prestadores de serviços de partilha de conteúdos online com os titulares de direitos para os atos de comunicação referidos no nº1 cobrem a responsabilidade pelas obras carregadas pelos utilizadores desses serviços, em consonância com os termos e condições estabelecidos no contrato de licenciamento, desde que tais utilizadores não atuem para fins comerciais.
2a. Os Estados-Membros devem prever que, quando os titulares de direitos não desejam celebrar acordos de licença, os prestadores de serviços de partilha de conteúdos online e os titulares de direitos devem cooperar de boa fé para garantir que obras protegidas não autorizadas ou outro material não esteja disponível nos seus serviços. […]
Continuando a perceber as alterações impostas, percebe-se que o utilizador comum, que não vai ganhar dinheiro com as partilhas, não será prejudicado. Vai continuar a poder partilhar a imagem do Shrek. Já o Pplware, no seu canal do YouTube monetizado, se a plataforma não conseguir um contrato com a DreamWorks, porque não é da sua vontade ver a imagem do seu desenho animado dissipado na Web, verá o vídeo bloqueado.
Caso o bloqueio do conteúdo seja injustificado, o criador terá que ter mecanismos para reclamar imediatamente de forma simples e acessível, segundo se pode continuar a ler no Artigo 13º. Para os criadores de conteúdo isto também já é algo conhecido, principalmente no YouTube, trazendo uma vez mais esta plataforma a exemplo.
Existem depois mais alguns aspetos legais e obrigações acarretadas aos Estados para garantia dos termos presentes na Diretiva e no Artigo 13º que podem ser consultados aqui na íntegra.
Estas alterações irão afetar não só os criadores de conteúdo na União Europeia, mas também os que estão fora que poderão ver os seus conteúdos bloqueados por cá, sem aviso prévio.
O lado negro para o consumidor
Nós, todos nós, criadores de conteúdo, detentores de direitos de autor, gestores de grandes produtoras, somos consumidores destas plataformas e destes conteúdos, tal e qual como qualquer outro utilizador da Internet.
Havendo uma restrição, é certo que seremos prejudicados na quantidade e, possivelmente, na qualidade de conteúdo online que vamos ter à nossa disposição… mas num mundo tão global e que se transforma de uma forma tão rápida, iremos, certamente, encontrar alternativas.
Há um lado da esperança?
No mundo justo, esta mudança deveria ser boa para todas as partes. Os criadores de conteúdo estão a esquecer-se que, provavelmente, são reféns de uma só plataforma e que, mais cedo ou mais tarde, o seu trabalho pode ser simplesmente “bloqueado”. Mas, enquanto criadores, irão certamente reinventar-se e arranjar alternativas para continuar a fazer aquilo que realmente fazem de melhor.
Os “prestadores de serviços de partilha de conteúdos online” estão evidentemente alarmados porque este bloqueio será nefasto para o seu negócio, enquanto que alguns grupos são continuadamente protegidos.
Seremos todos afetados com estas mudanças, que na sua essência, têm um bom intuito, proteger os Direitos dos Autores num mundo que ainda carece de legislação. No entanto, para fazer leis justas é necessário estar atento ao mercado e ouvir todas as partes.
O Artigo 13º não vai entrar em vigor em janeiro. Nessa altura este ainda será alvo de uma nova votação e avaliação podendo ser ajustado de forma profunda.
Depois disso, cada Estado-Membro ainda irá ter dois anos para transcrever a diretiva para a Lei Nacional.
Não partilhe desinformação, nem alarmismos! A Internet não vai acabar, ela está em constante mudança. Se a Diretiva seguir em frente, tal e qual como está escrita, os criadores de conteúdo não vão acabar nem ficar no desemprego, vão-se reinventar, vão-se adaptar às mudanças… O consumidor de conteúdo vai continuar a seguir as tendências. Sempre foi assim.