A evolução da tecnologia assiste-se em todas as áreas e até no combate ao crime ela está cada vez mais desenvolvida e a sua eficácia é determinante na grande maioria dos casos. Mas até onde é que é legal?
É isso que vamos tentar perceber melhor através a opinião do criminólogo Micael Pacheco.
Se tivéssemos de ser sintéticos e estritos a esta questão, diria que num futuro muito próximo os meios tecnológicos, pela sua eficácia determinante, serão o principal meio de combate ao crime de uma forma mais generalizada, para isso o sistema jurídico-penal Português terá de evoluir para possuir uma dicotomia quase perfeita com as ciências tecnológicas.
A evolução da tecnologia no combate à criminalidade
Numa sociedade em rede como vivemos nos dias de hoje, e pelo que globalização nos trouxe, meios eficazes de comunicação, através da talvez maior descoberta da humanidade, a Internet, o crime e o meio criminal também se profissionalizou, a transancionalidade do crime atingiu dimensões impensáveis, o crime organizado e económico-financeiro está na ordem do dia com o branqueamento de capitais, enriquecimento ilícito, tráfico de pessoas e estupefacientes na primeira linha de principais agentes do lucro, para organizações de dimensão internacional da criminalidade. Uma sociedade do Risco como caracteriza Ulrich Beck, que traduz a ideia de uma sociedade de massas e de ligação em todo o mundo dotada de utensílios e meios de grande evolução tecnológica.
Claro que este combate tecnológico à criminalidade será sempre em função da evolução tecnológica, e não é que ela já não exista ou já existia, podemos enunciar desde logo a escuta telefónica que surgiu com aparecimento do telefone, e com II GM começaram-se a fazer as primeiras escutas.
As escutas telefónicas e as suas limitações legais
Em Portugal a escuta telefónica pode ser utilizada como meio de obtenção da prova em processo penal, sendo um meio tecnológico eficaz pela sua instrumentalização e de combate ao crime na fase de investigação, como sendo um meio de obtenção da prova, ou seja, utilizado na iminência de acontecer uma ação que encaixe num facto típico legal de crime ou para provar que determinada ação vai acontecer ou que também já aconteceu, e não um meio dissuasor e repressivo da criminalidade, basicamente a utilização da escuta não se trata tanto da prevenção da criminalidade mas na obtenção da prova para ser utilizada em tribunal. O que a partir daí levanta logo algumas questões quando à sua admissibilidade.
As escutas telefónicas estão previstas no artigo 187º e 189º do código processo penal (CPP) e só são suscetíveis de serem utilizadas em fase de inquérito ao suspeito ou arguido ou a vitima mediante o seu consentimento, mediante autorização judicial de magistrado do Ministério Publico por força do artigo 32º nº4 da Constituição da República Portuguesa (CRP). Para alguns tipos criminais de crime mais gravosos, ou seja uma apresentação de queixa do crime de difamação do artigo nº 180 do código penal, não se pressupõe colocar em escuta telefónica para conseguir obter prova dessa ação.
O meio de obtenção da prova tem de ser proporcional, necessário e adequado ao tipo legal de crime para ir ao encontro da norma constitucional da força jurídica presente na Constituição da República Portuguesa (CRP) no seu artigo 18º nº 2, e tudo isto se torna mais difícil quando se envolve a constituição, a lei fundamental do Estado, supra estadual num regime de direito democrático e de direitos fundamentais de um estado. Falamos essencialmente de tráfico de estupefacientes, terrorismo, criminalidade violenta artigo 1º nº1, alínea j) – crimes puníveis com pena de prisão de máximo ou superior a 8 anos – ou altamente organizada artigo 1º nº1, alínea m) – associação criminosa, corrupção, trafico de armas, trafico de substancias psicotrópicas, etc.
A escuta telefónica é concebida para uma criminalidade mais gravosa e quando, por qualquer outro meio, seja difícil ou impossível de obter prova, é um meio que restringe direitos liberdades e garantias representados nos seus artigos 24º e seguintes da nossa constituição como são os direitos à reserva da vida privada e familiar, à palavra falada, à liberdade de expressão, à honra, bom nome e reputação, ou seja, direitos constitucionalmente protegidos que podem ser restringidos quando se preenchem os requisitos dos princípios da proporcionalidade, necessidade e adequação através do nº 2 do artigo 18º da CRP, e por isso muitas vezes em casos mais mediáticos estranhamos a não legalidade da prova por esta ter sido de forma ilegal e inconstitucional, realizar uma escuta é entrar na esfera da vida intima do ser humano e, por isso, pressupõe autorização prévia por despacho do magistrado do Ministério Publico durante a fase investigatória para o órgão de polícia criminal que será, normalmente, a Polícia Judiciaria a efetuar essa escuta legalmente autorizada, sem que esta prejudique o visado quantos aos seus direitos.
As provas digitais e a Lei do Cibercrime
Temos também nos dias de hoje a prova digital, e quando falo digital não é de impressão digital, mas sim meio digital (eletrónico, tecnológico e demais comparados), e aí entramos no espaço do cibercrime onde, contudo, Portugal possui a Lei nº 109/2009 de 15 de setembro, considerada a lei do cibercrime, onde são encontrados alguns crimes informáticos como a falsidade informática, o dano a programas informáticos, sabotagem informática, reprodução ilegítima de programa protegido entre outros.
Aqui a dificuldade é outra. Se na escuta telefónica tem restrições quanto à sua admissibilidade constitucional, no cibercrime existe a dificuldade do momento da execução do crime. Como se sabe, ao nível informático, tudo é muito rápido e não necessita de presença física, o autor pode estar num determinado país qualquer do mundo e cometer um crime em Portugal por meio informático e tecnológico altamente avançado, e a prova é momentânea naquele espaço de tempo em que decorreu. Depois perde-se pelo meio cibernético e, por vezes, é mesmo dissimulada desse mesmo meio. E é neste ponto em que nos encontramos na atualidade.
Haverá soluções legais?
O sistema jurídico-penal apesar de já ter encontrado soluções legais ao nível legislativo na composição de leis e regulamentações que possam prever quase tudo face à evolução tecnológica, os meios com que se dispõem as forças e serviços de segurança que que tratam da fase de inquérito, fortemente vocacionada para registo de prova e produção de prova, são insuficientes ao nível de meios tecnológicos e meios humanos, apesar do trabalho ser de valor reconhecido, há capacidade de fazer de mais, existe dever de fazer mais e, para isso, é necessário dotar essas mesmas forças de conhecimento e de meios tecnológicos e isso começa-se pelas universidades onde o conhecimento e a inovação estão presentes.