A Comissão Europeia abriu formalmente uma nova investigação antitrust contra a Google. O motivo desta vez é o uso de conteúdo de meios de comunicação e criadores do YouTube para alimentar os seus resumos de inteligência artificial (IA), tudo sem compensar os autores.
Impacto dos resumos gerados por IA da Google
No passado mês de março, o ecossistema editorial europeu sofreu um abalo significativo com a implementação, por parte da Google, da funcionalidade AI Overviews (Vistas gerais de IA). Esta ferramenta alterou a dinâmica fundamental da pesquisa na web: onde anteriormente eram apresentadas listas de links que direcionavam o tráfego para os sites de notícias, agora surge um resumo elaborado por IA.
Esta mudança de paradigma não é meramente estética… é um golpe financeiro para os meios de comunicação. Ao fornecer a resposta diretamente na página de resultados, a Google retém o utilizador, o que resultou, em alguns casos, numa queda abrupta de até 50% no tráfego dos editores originais. Perante este cenário, a Comissão Europeia decidiu intervir.
Bruxelas oficializou a abertura de um inquérito antitrust contra a gigante tecnológica de Mountain View. O cerne da investigação reside na utilização de conteúdos protegidos – tanto de artigos jornalísticos como de vídeos de criadores do YouTube – para treinar os modelos de IA da Google, sem que haja qualquer compensação financeira para os autores.
O executivo comunitário pretende apurar se a Google está a distorcer a concorrência, impondo regras desleais aos editores. Simultaneamente, investiga-se se o acesso privilegiado aos dados do YouTube coloca a Google numa posição de vantagem indevida face a outras empresas que desenvolvem modelos de IA rivais.
Teresa Ribera, Vice-Presidente Executiva para uma Transição Limpa, Justa e Competitiva na Comissão Europeia, sublinhou a gravidade da situação:
A IA está a trazer uma inovação notável e muitos benefícios para os cidadãos e empresas em toda a Europa, mas este progresso não pode acontecer à custa dos princípios fundamentais das nossas sociedades.
Por isso, estamos a investigar se a Google impôs condições injustas a editores e criadores de conteúdos, prejudicando simultaneamente os criadores de modelos de IA rivais, em violação das regras de concorrência da UE.
O efeito “zero cliques”
Esta investigação é crucial pois desafia o modelo de negócio que sustenta a IA generativa atual: a utilização de dados de terceiros. O fenómeno conhecido como “zero cliques” – onde o utilizador satisfaz a sua curiosidade sem nunca sair do motor de pesquisa – torna o tráfego irrecuperável para os jornais. A ironia reside no facto de a Google necessitar da informação produzida por esses mesmos meios para gerar os seus resumos.
A situação estende-se à plataforma de vídeo da empresa. Os criadores de conteúdo no YouTube deparam-se com cláusulas que permitem o uso dos seus vídeos para diversos fins, incluindo o treino de algoritmos de IA, muitas vezes sem uma opção viável de recusa (opt-out) que não implique sair da plataforma.
O processo, que agora se inicia, não tem um prazo definido para a sua conclusão e poderá estender-se por vários anos. A Comissão analisará potenciais violações do artigo 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da UE e do artigo 54.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, normativos que proíbem o abuso de posição dominante.
Caso se confirme o incumprimento, as consequências para a Google poderão ser severas. Para além de grandes multas, a empresa poderá ser forçada a alterar o seu funcionamento na UE.
Entre as medidas possíveis estão a obrigatoriedade de compensar os criadores, a implementação de mecanismos claros para impedir o uso de conteúdos no treino de IA ou, em última instância, a remoção dos resumos automáticos dos resultados de pesquisa na Europa.
[Atualização – 10/12/2025 às 11h30]
Numa declaração enviada ao Pplware, um porta-voz da Google partilhou que “esta queixa arrisca sufocar a inovação num mercado que está mais competitivo do que nunca”.
Os europeus merecem beneficiar das mais recentes tecnologias e continuaremos a trabalhar em estreita colaboração com as indústrias de notícias e criativas, à medida que estas fazem a transição para a era da IA.
Lê-se no comunicado, onde a Google admite compreender “que os publishers têm dúvidas sobre como a IA os está a impactar”, assegurando que continuará “a trabalhar em estreita colaboração com a indústria de notícias na era da IA”, por via da disponibilização de controlos de gestão do seu conteúdo.
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