O vírus da imunodeficiência humana (VIH) atormenta muitas vidas e, depois de chegar, não dá tréguas ao sistema imunitário. Embora este seja o padrão, em Barcelona, uma paciente está a surpreender os investigadores, por estar há mais de 15 anos sem o vírus, sem recorrer a qualquer medicamento.
Será este um novo caminho para uma potencial cura?
Não é um vírus novo e provocou uma onda de preconceito e discriminação, que assombrou os anos 80. Apesar de a infeção por VIH não estar linearmente associada ao desenvolvimento de SIDA, a loucura da época motivou muita desinformação relativamente à doença.
Se na altura era altamente associada a determinados estilos de vida e orientações sexuais, hoje em dia, a infetar quase 38 milhões de pessoas, a história é significativamente diferente – apesar de ainda a haver muito por esclarecer.
A procura por uma cura que liberte os infetados deste vírus que ataca e destrói os mecanismos de defesa que protegem o ser humano de doenças tem sido incessante. No entanto, embora existam progressos e notícias surpreendentes que renovam a esperança, a verdade é que ainda não existe uma cura, havendo apenas forma de suprimir o vírus e atrasar a evolução da doença.
O El País refere que as quatro décadas de avanços científicos salvaram milhões de pessoas infetadas, através da terapia antirretroviral (ARV) – uma série de medicamentos que impede que o vírus se reproduza a ponto de tornar a carga viral indetetável e, consequentemente, torná-lo intransmissível -, que permite uma vida normal e de qualidade a mais de 28 milhões de pessoas.
Não sendo a solução que existe atualmente a ideal, são casos como o da paciente de Barcelona que intrigam os investigadores e os motivam a perceber como dar a volta ao VIH, definitivamente. O estudo foi realizado por uma equipa liderada por médicos do Hospital Clínic Barcelona e os resultados serão apresentados na 24.ª Conferência Internacional sobre a SIDA, em Montreal, no Canadá, esta semana.
Mais de 15 anos sem VIH sem recorrer a medicamentos
Uma mulher espanhola, cujos dados pessoais foram ocultados para garantir o anonimato, está há mais de 15 anos com uma carga viral indetetável, sem tomar medicamentos. Num caso que os investigadores descrevem como “único” e “excecional”, de acordo com o El País, a paciente pode representar o início da descoberta de uma cura funcional da doença.
Esta mulher está sem medicação há mais de 15 anos. Após um curto período de tempo, ela controlou totalmente o vírus da SIDA e isto tem um aspeto muito importante: conseguimos descobrir qual é o mecanismo possível que o permite.
Revelou Josep Mallolas, chefe da Unidade VIH-SIDA no Hospital Clínic Barcelona, durante uma conferência de imprensa.
À paciente de Barcelona, foi detetada, em 2006, uma infeção aguda que não é típica em nenhum dos dois grupos de raras exceções no que ao VIH diz respeito: algumas pessoas são chamadas de “controladores pós-tratamento”, porque se mantém longe do vírus depois de pararem com a medicação; e outras são as “controladoras de elite”, que conseguem o mesmo sem iniciar terapia antirretroviral.
Conforme revelou o El País, a paciente foi incluída num ensaio conduzido por José M. Miró, por forma a ver se o sistema imunitário podia ser estimulado para controlar a reprodução do vírus. De uma amostra de doentes, uma parte recebeu apenas antirretrovirais e a outra recebeu um conjunto de tratamento imunomoduladores adicionais.
Nove meses após a interrupção do tratamento, esta paciente já não tinha uma carga viral detetável do VIH no plasma.
O vírus não recuperou, e não recuperou durante 15 anos e mais de 50 testes de carga viral; não é que por vezes não possa ter uma pequena presença de baixo nível. Tem sido sempre indetetável.
Esclareceu Núria Climent, investigadora do grupo de investigação sobre a SIDA e infeção pelo VIH do Instituto de Investigação Biomédica Pi i Sunyer (IDIBAPS), durante uma entrevista dada pela equipa médica ao El País.
A paciente de Barcelona foi a única de 20 indivíduos a reagir da forma descrita pelos médicos.
Resposta da paciente abre novas portas para a cura do VIH
Depois de descobrirem a resposta imunológica da paciente, os médicos infetaram o principal alvo do VIH, as células T CD4+. Com isto, verificaram que esses foram capazes de replicar o vírus, pelo que o problema não estava na entrada do vírus nas células.
No entanto, quando cultivaram subpopulações de células sanguíneas, descobriram que havia um controlo muito acentuado da replicação do vírus.
Isto sugeriu que estas outras subpopulações estavam envolvidas. Com ensaios in vitro mostrámos que eram as chamadas células Natural Killer [NK] e também linfócitos CD8+ T.
Explicou um dos médicos da equipa, Sonsoles Sánchez-Palomino, ao El País.
O nosso corpo utiliza as células NK para desencadear uma reação imunitária quando entra em contacto com o vírus da SIDA e, se forem potentes, podem controlá-lo.
É como se estivéssemos a testemunhar pela primeira vez a vitória incontestável do sistema imunitário sobre o vírus.
Celebrou o médico Josep Mallolas.
Vírus pode ter os anos contados
Segundo o El País, esta investigação é importante, porque caracteriza as subpopulações de células NK e quais as subpopulações de linfócitos CD8+ T que poderiam estar envolvidas: células NK, que têm memória, e T Gama-Delta, que fornecem imunidade natural. Conforme descreve Climent, “o paciente tem níveis muito elevados de ambas, e podem estar a bloquear ou a destruir aquelas que estão infetadas”.
Se pudéssemos, através do tratamento, repetir ou replicar a capacidade imunitária natural que esta mulher tem, as vantagens seriam enormes.
Disse Josep Mallolas.
Apesar de impressionante, os investigadores ressalvam que a paciente de Barcelona difere dos pacientes de Londres e Berlim, uma vez que, no seu caso, apesar de possuir uma cura funcional – controlando a replicação do VIH sem tratamento -, as células possuem um vírus viável para causar novas infeções. Os outros dois, por sua vez, foram capazes de limpar os seus corpos através de um transplante de medula óssea.
Não se pode utilizá-lo para os quase 40 milhões de pessoas com VIH. Por outro lado, se conseguir detetar um grupo com um certo material genético que através de certas intervenções possa controlar espontaneamente o vírus, estará a fazer algo potencialmente muito mais fácil de expandir.
A equipa já está a planear os próximos passos. Na voz de Mallolas:
O que é muito importante é estudar esta mulher em profundidade e, uma vez conhecidas as suas células e a sua imunidade a 100%, seremos capazes de conceber projetos de investigação para outras pessoas, para que mesmo que não possamos curá-las, possamos assegurar que elas podem permanecer sem tratamento, com uma carga viral indetetável e sem a possibilidade de infeção durante muitos anos. Isto abre um leque fascinante de possibilidades de investigação.
Segundo os investigadores, na melhor das hipóteses, a equipa conseguirá encontrar uma cura definitiva. Por outro lado, na pior das hipóteses, a paciente que tem sido uma “super-colaboradora” e tem dado “tudo pela ciência” poderia precisar de voltar ao tratamento antirretroviral.
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