São cada vez mais os perfis de neonazis a fugir do Telegram e a mudar para uma aplicação de conversação secreta, relativamente desconhecida, que recebeu financiamento do fundador do Twitter, Jack Dorsey. Falamos do SimpleX Chat.
Terrorgram Collective foge do Telegram por medo da justiça
Num relatório do Instituto para o Diálogo Estratégico (ISD), publicado na sexta-feira, 4 de outubro, os investigadores descobriram que, na sequência da detenção do fundador do Telegram, Pavel Durov, e das acusações contra os líderes do chamado Terrorgram Collective, ou Coletivo Terrorgram, dezenas de grupos extremistas mudaram-se para a aplicação SimpleX Chat nas últimas semanas.
Segundo as informações partilhadas, estes grupos receiam que as políticas de privacidade do Telegram os exponham e que sejam presos. O Coletivo Terrorgram é uma rede de propaganda neonazi que apela aos seus adeptos para que atinjam funcionários do governo, ataquem centrais elétricas e assassinem pessoas de cor.
Embora a ISD não tenha nomeado o SimpleX no seu relatório, os investigadores salientam que a aplicação se promove a si própria como “tendo um e-mail ou telefone diferente para cada contacto e sem problemas para os gerir”. É exatamente assim que o SimpleX se refere a si mesmo no seu site.
No mês passado, um grupo radical ligado ao extinto grupo terrorista neonazi Atomwaffen Division, com mais de 13.000 subscritores no Telegram, começou a migrar para o SimpleX. Os administradores do canal avisaram os subscritores que “embora não seja tão simples como o Telegram, parece estar muito à frente no que diz respeito à privacidade e segurança”.
SimpleX será a nova rede “à prova da justiça”?
O grupo tem agora 1.000 membros no SimpleX e, de acordo com a ISD, é “parte de uma rede mais alargada construída por grupos neonazis que consiste em cerca de 30 canais e chats de grupo”, que inclui outros grupos radicais bem conhecidos como o Base. Conforme é referido, os extremistas procuram acelerar a queda da sociedade ocidental, desencadeando uma guerra racial para reconstruir a civilização com base nos seus próprios valores cristãos brancos.
A rede de grupos no SimpleX também partilha conteúdos extremistas, incluindo manuais de treino da Al-Qaeda, guias de desenvolvimento de mísseis do Hamas, manuais de comportamento neonazi e literatura anarquista militante. E nos seus novos canais seguros no SimpleX, os membros dos grupos fizeram imediatamente apelos diretos à violência.
Durante um período de 24 horas em 25 de setembro, os analistas observaram três casos de utilizadores a solicitar o assassinato da vice-presidente Kamala Harris e um caso a pedir o assassinato do ex-presidente Donald Trump. Da mesma forma, vários utilizadores pediram uma guerra racial que aceleraria a queda da sociedade, permitiria que eles tomassem os EUA pela força e instituíssem o sistema desejado de supremacia branca.
Escreveram os investigadores do ISD.
O SimpleX Chat é uma aplicação fundada pelo programador Evgeny Poberezkin, sediado no Reino Unido. Foi inicialmente lançada em 2021 e, em agosto, uma publicação no blogue anunciou que tinha ultrapassado as 100.000 transferências na Play Store da Google. A mesma publicação no blogue anunciou que Dorsey liderou uma ronda de investimento de 1,3 milhões de dólares, tendo anteriormente elogiado a aplicação noutras plataformas de redes sociais.
Poberezkin disse à WIRED que não tinha conhecimento da migração de grupos neonazis para a sua plataforma, mas diz acreditar que, apesar do foco da sua rede na privacidade, o SimpleX pode conter a disseminação de material terrorista ou abusivo na sua aplicação.
Mesmo nos primeiros dias, já fizemos mais para impedir a distribuição de [material de abuso sexual de crianças] através dos servidores predefinidos incluídos na aplicação do que muitas outras plataformas, apesar de terem muito mais controlo. Embora não possamos analisar indiscriminadamente todos os conteúdos, e teria sido uma violação dos direitos humanos fazê-lo, se o ponto de entrada do grupo for promovido publicamente e puder ser associado, e se utilizar os servidores que operamos, podemos remover estes pontos de entrada e os ficheiros dos servidores.
Uma qualidade muito importante da rede SimpleX é que os utilizadores não podem ser abordados a não ser que o queiram. Protege os utilizadores de quaisquer agentes hostis e promoções indesejadas.
Explicou o fundado, Evgeny Poberezkin.
Será que a aplicação vai conseguir manter as mensagens secretas?
Em fevereiro deste ano, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos decidiu que obrigar as aplicações de mensagens encriptadas a fornecerem uma “backdoor” às autoridades era ilegal, uma decisão que comprometeu o plano da UE de forçar as aplicações de mensagens encriptadas a inspecionar todo o conteúdo dos utilizadores para identificar material de abuso sexual infantil.
Durante anos, os grupos neonazis floresceram no Telegram, muitos deles partindo do princípio de que o Telegram era uma plataforma totalmente encriptada que oferecia um maior nível de segurança do que realmente oferecia.
O Telegram era utilizado por estes grupos para construir as suas redes, partilhar propaganda e planear ataques. No entanto, dois dos líderes do Terrorgram Collective foram presos e acusados no mês passado, o que foi um fator-chave para desencadear a migração para o SimpleX.
O grupo usou o Telegram para incentivar atos de terrorismo nos EUA e no estrangeiro.
Escreveram os analistas da ISD.
Telegram vs SimpleX: qual era mais “privado”?
O SimpleX oferece criptografia de ponta a ponta por padrão para todas as mensagens, enquanto o Telegram criptografa apenas conversas nos seus ‘chats secretos’. Poberezkin diz que o SimpleX é “100% privado por design” e que, mesmo que quisesse, não poderia ter acesso a informações sobre endereços IP dos utilizadores.
Outro aspeto importante da privacidade da aplicação é que, diferentemente da maioria das outras aplicações de conversa criptografadas, o SimpleX não exige que os utilizadores insiram um número de telefone ou e-mail para registar uma conta — removendo uma das principais maneiras pelas quais a polícia pode rastrear utilizadores nas outras plataformas.