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Da areia ao Microchip – Como se cria um processador moderno

Minúsculos e, por isso, incrivelmente rápidos, os microchips semicondutores operam nas fronteiras da física. Eles são feitos do mesmo material que as crianças usam para brincarem na praia: areia.

A areia comum é o ponto de partida para os componentes mais complexos que a humanidade já inventou: os microchips. Venha connosco numa viagem fantástica pelo mundo do fabrico destes componentes que mudaram a nossa maneira de ser.


Microchips – Eles são o coração de cada circuito eletrónico, desde o simples controlo de temperatura do frigorífico da cozinha, ao computador de bordo no carro, até aos smartphones ou PCs topo de gama. No interior, milhões de pequenos switches manipulam as informações sob a forma de operadores. Normalmente não nos apercebemos da “vida existente” nestes microcosmos, mas um olhar mais profundo para o mundo da nanotecnologia de semicondutores revela-se intrigante e fascinante em detalhes.

A pura produção de chips atuais pode ser considerada de “um milagre”, mas antes de nos confrontarmos com os truques e procedimentos necessários para criar um processador, preste atenção ao único “ator” principal de apenas 50 nanómetros: o transístor.

Para aguçar a sua curiosidade, saiba que em comparação, um cabelo humano é cerca de 1100 vezes mais grosso que um transístor. Este componente, por sua vez, é composto de várias estruturas geométricas e com dimensões ainda menores.

 

Interruptor mágico

O Field Effect Transistor (FET) clássico. Em termos simples, um transístor corresponde à campainha da porta da sua casa – pelo menos, se a pudesse pressionar três mil milhões de vezes por segundo e a conseguisse ligar a todas as outras campainhas existentes no mundo. A sua estrutura esquemática esta detalhadamente disponível no gráfico da imagem seguinte:

O botão da campainha, um Field Effect Transistor moderno, tem uma entrada para corrente (Source) e uma saída (Drain). A terceira porta, o portão (Gate), corresponde ao botão que o utilizador pressiona para permitir que a corrente flua através dos circuitos, ou seja, para que a campainha toque. A única diferença é que no FET não é a pressão mecânica que desencadeia o fluxo da corrente, mas sim o campo dos portadores da carga elétrica (eletrões) no portão.

Sobre quais efeitos um semicondutor funciona exatamente, isso já é material para outro artigo futuro. Para entender as etapas de fabrico que transformam a areia em microchips basta ter uma ideia aproximada da arquitetura de um transístor. Este consiste essencialmente em quatro superfícies ou estruturas tridimensionais:

Estes devem ter propriedades elétricas diferentes para que a magia semicondutora transforme o cristal de silício simples num interruptor.

 

Produção de wafer

Todos os tipos de microchips são produzidos em discos circulares de silício chamados de wafers.

Todos os átomos do silício têm que ser alinhados na perfeição dentro da rede de cristal, conforme podem ver na imagem imediatamente em cima. A pureza é extremamente alta: em mil milhões de átomos conseguimos apenas encontrar um átomo exótico.

A produção de chips começa com equipamento pesado para a mineração de quartzo (Areia). Este é o segundo mineral mais abundante na crosta terrestre e consiste em dióxido de silício (SiO2).

Fornos de arco elétrico reduzem o SiO2 em silício bruto Si, a 2000.° C. Ácido clorídrico, temperaturas elevadas e a destilação, permitem alcançar uma pureza na unidade de 99,9999999%.

O silício é derretido o 1400.° C para que este seja convertido de estado sólido para um estado líquido. Entretanto, a semente é embutida no silício liquido. Esta começa a girar e a puxar o silício líquido para que este solidifique novamente e seja criado um lingote de monocristal chamado de “Ingot” (lingote).

 

Milhares de vezes mais fino do que um cabelo

A AMD introduziu recentemente a linha dos seus mais poderosos processadores. O Ryzen 1700, 1700X e 1800X, consistem essencialmente em 4,8 mil milhões de transístores. O chip descoberto, sem o portador de silício, sem cobertura em estanho e sem a placa de suporte, é chamado de DIE.

O DIE desses processadores mede apenas 20,8 mm x 9,1 mm = 189 mm2. Num selo postal dos correios, cabem quatro destes processadores. Os transístores estão incrivelmente próximos uns dos outros. Para ter uma pequena noção, na superfície de uma agulha com 3 mm de espessura cabem até 350 milhões transístores e no ponto no final desta frase, cabiam mais um milhão e meio deles. Mesmo a área transversal de um cabelo humano pode acomodar mais de 47 mil transístores.

As dimensões reais ou mesmo a geometria dos transístores mais modernos não nos possibilita a identificação do fabricante do mesmo. No entanto, e através de um cálculo inverso sobre o comprimento da aresta de um FET, feito num processo atual de 14 nm, temos a possibilidade de descobrir que o tamanho de um transístor anda na ordem dos já mencionados 50 nm.

As estruturas mais pequenas medem apenas uma fração. Existem ainda camadas individuais com apenas algumas camadas atómicas. Como cada fabricante “fabrica a sua própria sopa de transístores” que coexistem num chip diversificado e combinado para as mais diversas tarefas, estabeleceu-se um parâmetro para os processos de fabrico que mede a largura da estrutura.

A International Technology Roadmap for Semiconductors (ITRS para abreviar) usa um tamanho de referência abstrato. Metade do espaço das grades entre o campo de células da memória DRAM é chamado de “half pitch”, ou mais especificamente, a distância entre os dois condutores mais próximos interligados entre si, como ilustra a imagem em cima. Basicamente tudo significa que a grade do campo de células num processo de fabrico de 14 nm, tem cerca de 14 nanómetros, mas não descreve necessariamente o tamanho das melhores estruturas.

 

Construído com areia

Apesar de tão complexo tudo isto lhe possa parecer, o material de partida para estes milagres em miniatura, passa frequentemente entre os dedos dos nossos filhos nas férias de verão: areia de quartzo comum.

A areia consiste essencialmente em dióxido de silício. O próprio silício é formado no nosso universo dentro de estrelas maciças a temperaturas acima de mil milhões de graus celsius e quando dois átomos de oxigénio se fundem. O dióxido de silício é o terceiro elemento mais abundante na Terra após o oxigénio e o ferro. Ao contrario do ferro, o dióxido de silício tem propriedades metálicas e não metálicas. Isso faz dele a escolha ideal para semicondutores.

Não tão “quente” como a criação do próprio silício, mas altamente tóxico, é a extração de silício bruto. O 2000.° C, o dióxido de silício e o carbono reagem ao monóxido de carbono e ao silício. Atualmente, existem cerca de 15 países em todo mundo que produzem silício em grande escala. A China é sem dúvida o país com maior produção. São quase 10 milhões de toneladas de silício por ano.

Lingote (Ingot) depois do processo e pronto para a fase de alisamento e de corte.

De SiO2 a Si em forma de lingotes (Ingot) e pronto para o corte de wafers.

Lingote de monocristal tem uma estrutura atómica de rede contínua. É criado lentamente e pode ter até 2 metros de altura.

 

Dissolvido com ácido

Apenas algumas centenas de milhares de toneladas, ainda contaminadas com cerca de 5% de átomos exóticos, são escolhidos com precisão para o processamento posterior. Em primeiro lugar, o silício é misturado a 300.° C com cloreto de hidrogénio.

Neste processo é produzido, além do hidrogénio que é altamente explosivo, o triclorossilano. Este composto químico de fórmula SiHCl₃, além de corrosivo e facilmente inflamável, tudo isto tem uma reação altamente perigosa para o ser humano, quando em contacto com a água, entre outros cenários. Consequentemente a destilação seguinte requer um grande cuidado e muita precisão.

Adicionando hidrogénio ao silício, quando este se encontra a temperaturas muito altas, torna possível o corte do mesmo, quando já se encontra num estado bastante puro. Porque isso ainda não é suficiente, outro truque, chamado de “Zone Cleaning” entra em jogo. Uma bobina derrete uma fatia fina da haste vertical do silício. Neste processo as impurezas “afundam-se” literalmente. De seguida, a bobina continua o seu percurso, eliminando os átomos exóticos e impuros por todas as zonas. Mas ainda existe um pequeno contratempo nos detalhes processuais. Tudo isto apenas funciona em alto vácuo, o que complica a limpeza.

Após estes processos altamente complexos e morosos, ainda existe um pequeno caos na rede cristalina do polissilício, mas este já alcançou a incrível pureza de 99,9999999%. Depois deste processo e medindo pela população da Terra, existem duas vezes menos átomos impuros no polissilício do que pessoas que já visitaram a Lua.

Um fio de diamantes, com menos de 200 μm de espessura, corta o lingote em fatias de aproximadamente 0,8 mm de espessura. Estas fatias são denominadas de raw-wafers .

As partes superiores e inferiores são lixadas. O que acontece a seguir é uma espécie de corrosão química. Após o polimento e limpeza a seco são produzidos os wafers perfeitos.

A introdução de acamadas adicionais para as próximas etapas é possibilitada através da oxidação.

 

Ressuscitado na fundição

O método de Czochralski cria a ordem necessária neste processo. A semente é imersa em silício aquecido acima do seu ponto de fusão. Se este for extraído lentamente com uma rotação contínua sobre a massa fundida, o silício solidifica.

O resultado é um cilindro com uma estrutura de cristal continua até 2 metros de altura. Em termos técnicos, esse cristal é chamado de lingote ou Ingot em inglês. O lingote já possui o diâmetro mínimo necessário para a criação dos wafers que é atualmente de 22-30 cm.

Uma ranhura nivelada no solo ao longo do eixo longitudinal do lingote ajuda a alinhar os discos de silício para que estes tenham uma forma linear. Então, como se de uma salsicha se tratasse, um fio fino de diamante com cerca de 0,2 mm de espessura, corta fatias finas de 0,8 mm chamados de wafers .

Esse fio de diamante corta as fatias a uma velocidade equiparável ao que consegue um ciclista profissional, 36 Km/h. Após esse processo, os wafers sofreram alguns danos e, por isso, são novamente lixados. Um marcador a laser grava os códigos de barras nos respetivos wafers e para que estas sensíveis “bolachas de silício” não quebrem facilmente, são arredondadas as bordas.

Por fim, uns panos rotativos especiais, fazem um polimento aos wafers, para que estes obtenham um alto brilho. Os wafers, são depois deste processo, mais lisos do que qualquer espelho. Se estas “bolachas de silício” fossem do tamanho dum campo de futebol, este, teria apenas uma diferença de altura de 1 mm.

Finalmente, os wafers podem ser preparados para técnicas especiais de produção. Em silício tenso (Strained Silicon), deve existir uma camada intermédia fina de silício de germânio (SiGe) entre a rede cristalina e a camada final de Si.

Neste caso particular, é forçada uma maior distância atómica. Essa aumenta a mobilidade dos portadores de carga, permitindo que transístores mais ágeis sejam construídos. Em Silicon On Insulator (SOI), os wafers são isolados dos transístores com uma fina camada de óxido por cima deles.

 

Casa de luxo por quilo

Devido às imensas exigências na pureza e na baixa reatividade do silício e do dióxido de silício, a produção de um wafer é intensiva em energia e dispendiosa. Além disso, são utilizados produtos químicos hostis, tais como o peróxido de hidrogénio, o ácido clorídrico e ácido fluorídrico ou o já mencionado triclorossilano.

Muitos processos também requerem alto vácuo e uma atmosfera protetora com um gás protetor. A areia de quartzo custa apenas 4 cêntimos por quilograma, enquanto o polissilício limpo custa 50 dólares. O fabricante dos chips compra finalmente os wafers em estado cru por mais ou menos 200 dólares americanos por peça. Convertendo isso por quilograma, são cerca de 4000 dólares nos EUA.

As etapas dos processos seguintes, elevam os custos dos chips por quilograma, para o equivalente a uma casa unifamiliar de luxo.

Por Ricardo Gomes para o Pplware

 

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