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“Mind uploading”: transferia a sua mente para um computador?

Seria verdadeiramente impressionante transferir a mente para um computador, a ponto de entendermos todos os nossos mecanismos mais profundos. Já se cruzou com o conceito de “mind uploading”?


A ideia de “mind uploading” teoriza que, um dia, poderemos ser capazes de passar uma pessoa do seu corpo biológico para um hardware sintético. Este conceito, que parece caótico, teve origem num movimento intelectual chamado transhumanismo e tem como defensores importantes, por exemplo, o cientista informático Ray Kurzweil, o filósofo Nick Bostrom e o neurocientista Randal Koene.

O objetivo final dos transhumanistas é transcender a condição humana, por via do progresso científico e tecnológico. Na sua perspetiva, a transferência da mente pode permitir viver o tempo que se quiser (mas não necessariamente para sempre).

Eventualmente, poderá até permitir melhorar cada pessoa, através de cérebros simulados que funcionem mais rápida e eficientemente do que os biológicos “originais”.

Será que isto é sequer possível?

Segundo Clas Weber, investigador sénior, na University of Western Australia, a viabilidade da transferência da mente assenta em três pressupostos fundamentais.

 

1.º | Pressuposto tecnológico

Assenta na ideia de que seremos capazes de desenvolver a tecnologia de transferência da mente nas próximas décadas.

Tentar simular o cérebro humano seria um desafio monumental. O nosso cérebro é a estrutura mais complexa do universo conhecido. Alberga cerca de 86 mil milhões de neurónios e 85 mil milhões de células não-neuronais, com um número estimado de um milhão de milhar de milhões de ligações neurais.

Atualmente, os neurocientistas estão a elaborar diagramas de ligações em 3D (chamados “conectomas”) dos cérebros de organismos simples. O conectoma mais complexo de que dispomos até à data é o de uma larva de mosca da fruta, que tem cerca de 3000 neurónios e 500.000 ligações neurais. É de esperar que, nos próximos dez anos, seja possível mapear o cérebro de um rato.

No entanto, o cérebro humano é cerca de 1000 vezes mais complexo do que o cérebro de um rato. Será que, nesse caso, levaríamos 10.000 anos a mapear um cérebro humano? Provavelmente não. Temos assistido a ganhos de eficiência espantosos em projetos semelhantes, como o Human Genome Project.

Foram necessários anos e centenas de milhões de dólares para mapear o primeiro genoma humano há cerca de 20 anos. Atualmente, os laboratórios mais rápidos conseguem fazê-lo em poucas horas por cerca de 100 dólares. Com ganhos semelhantes em termos de eficiência, é possível que a tecnologia de carregamento de mentes surja no tempo de vida dos nossos filhos ou netos.

Na perspetiva de Weber, criar um mapa cerebral estático é apenas uma parte do trabalho. Para simular um cérebro funcional, seria preciso observar neurónios individuais em ação. Não é óbvio que consigamos fazer isso num futuro próximo.

 

2.º | Pressuposto da mente artificial

Assenta na ideia de que um cérebro simulado daria origem a uma mente real.

Uma simulação do cérebro daria origem a uma mente consciente semelhante à de cada um? A resposta depende da ligação entre a nossa mente e o nosso corpo. A maior parte dos filósofos académicos de hoje pensa que a mente é, em última análise, algo físico. Isto é, a nossa mente é o nosso cérebro.

No entanto, Weber questiona “como é que um cérebro simulado pode dar origem a uma mente real, se é apenas uma simulação”.

Conforme explica, cientistas cognitivos acreditam que é a complexa estrutura neural do cérebro que é responsável pela criação da mente consciente, e não a natureza da sua matéria biológica.

Quando implementado num computador, o cérebro simulado reproduziria a estrutura do cérebro. Para cada neurónio e ligação neuronal simulada haverá uma peça de hardware correspondente. A simulação reproduziria a estrutura do seu cérebro e, por conseguinte, uma mente consciente.

Os atuais sistemas de Inteligência Artificial fornecem provas úteis (embora inconclusivas) da abordagem estrutural da mente.

Esses sistemas funcionam com redes neuronais artificiais, que copiam alguns dos princípios estruturais do cérebro. Além disso, são capazes de realizar muitas tarefas que exigem muito trabalho cognitivo da parte do ser humano.

 

3.º | Pressuposto da sobrevivência

Assenta na ideia de que a pessoa criada no processo é realmente “tu”. Só então é que a transferência de mentes se torna uma forma de continuar a viver.

Vamos supor que é possível simular um cérebro humano e que a simulação cria uma mente consciente. A pessoa carregada seria realmente você, ou talvez apenas um clone mental?

Weber explica que esta questão remete para um velho enigma filosófico: o que é que faz com que, quando nos levantamos da cama de manhã, continuemos a ser a mesma pessoa que foi para a cama na noite anterior?

Os filósofos dividem-se, de um modo geral, em dois campos relativamente a esta questão. O campo biológico acredita que o “tu” da manhã e o “tu” da noite são a mesma pessoa porque são o mesmo organismo biológico – ligados por um processo de vida biológico.

O campo mental, de maior dimensão, pensa que o facto de termos mente faz toda a diferença. O “manhã” e o “tarde” são a mesma pessoa, porque partilham uma vida mental. O Homem da manhã lembra-se do que o Homem da tarde fez – têm as mesmas crenças, esperanças, traços de carácter, etc.

Assim sendo, qual é o campo correto? O investigador sugere que imaginemos que o nosso cérebro é transplantado para o crânio vazio do corpo de outra pessoa. A pessoa que resultar desse processo, que tem as nossas memórias, preferências e personalidade, somos nós.

Ganhamos um novo corpo ou eles ganharam uma nova mente? Há muita coisa que depende desta questão.

Se o campo biológico estiver correto, o carregamento da mente não funcionaria, assumindo que o objetivo do carregamento é deixar a biologia para trás. Se o campo mental estiver certo, há uma hipótese de fazer o upload, uma vez que a mente carregada poderia ser uma continuação genuína da vida mental atual.

O que acontece quando o tu biológico original também sobrevive ao processo de transferência? Será que tu, juntamente com a tua consciência, te dividirias em duas pessoas, resultando em dois “tu” – um numa forma biológica (B) e outro numa forma carregada (C)?

Não, tu (A) não podes literalmente dividir-te em duas pessoas separadas (B ≠ C) e ser idêntico a ambas ao mesmo tempo. No máximo, apenas uma delas pode ser você (ou A = B ou A = C).

Parece mais intuitivo que, após uma separação, a tua forma biológica continuaria a ser o teu verdadeiro eu (A = B), e o upload seria apenas uma cópia mental. Mas isso torna duvidoso que possas sobreviver como o upload mesmo no caso em que o tu biológico é destruído.

Teorizou Weber, no Science Alert, ressalvando que o pressuposto da mente artificial e o pressuposto da sobrevivência não podem ser testados, empiricamente, de forma conclusiva, pois teríamos de fazer o nosso próprio upload.

 

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