Pplware

Descoberto gene perdido que faz dos humanos os únicos com ataques cardíacos

Os cientistas descobriram que há 2 ou 3 milhões de anos os humanos “perderam” um gene. Na verdade, as funções do gene CMAH foram completamente desativadas no organismo. Esta característica foi resolvida ao longo da cadeia da evolução e essa condição está intimamente ligada à origem ao Homo sapiens há cerca de 200 mil anos.

No percurso do desenvolvimento do ser humano, o facto de o gene CMAH estar desativado trouxe uma característica nada positiva à nossa espécie. Assim, ficamos propensos a sofrer de ataques cardíacos – ou, tecnicamente, enfarte agudo no miocárdio.


Ser humano perdeu gene que o protegia dos ataques cardíacos

Esta é a principal conclusão de um estudo divulgado agora por investigadores da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia em San Diego, nos Estados Unidos. O material foi publicado pelo jornal científico Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

Segundo os cientistas, esta condição explica a razão dos ataques cardíacos coronários serem tão comuns em seres humanos e, ao mesmo tempo, “virtualmente inexistentes” noutros mamíferos, inclusive os nossos parentes chimpanzés. Há indícios de ataques do coração em baleias-cachalotes e golfinhos, mas são poucos.

 

O Coração

Doenças cardiovasculares são a principal causa de mortes prematuras – ou seja, de pessoas com menos de 70 anos – no mundo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), estas doenças causam 17,9 milhões de mortes por ano – 31% das mortes totais do mundo. E a expectativa é de aumentar para 23 milhões de casos por ano até 2030.

Destas, a maioria das mortes é causada por complicações da aterosclerose – que, em grosso modo, podemos referir como a formação de placas de gordura nas artérias que transportam o nosso sangue.

Isso resulta no aperto das artérias e na redução do fluxo sanguíneo, até níveis críticos, em órgãos vitais.

A perda do gene CMAH impulsiona o desenvolvimento de uma das principais complicações responsáveis pela causa número 1 de morte no mundo

Refere um dos autores do estudo, o médico Ajit Varki, professor e pesquisador da Universidade da Califórnia, apontando para a descoberta principal, a aterosclerose.

 

Predisposição genética pode explicar muitos ataques cardíacos

Segundo os investigadores, a predisposição causada pelo gene inativo é para todos – mas tem um potencial agravado, ou um risco adicional, nos seres humanos que consomem carne vermelha.

O estudo lembra que embora haja uma série de comportamentos que aumentem o risco do ser humano de ser vítima de um ataque cardíaco – como o colesterol alto, sedentarismo, idade avançada, hipertensão, obesidade e tabagismo – em 15% dos casos de doença cardiovascular, o paciente não tem nenhum desses fatores. Seriam casos apenas de predisposição genética.

Num estudo anterior, do qual Ajit Varki foi um dos autores, publicado há dez anos, cientistas já haviam observado que a aterosclerose é praticamente inexistente noutros animais. Na ocasião, foram observados mamíferos em cativeiro, como os chimpanzés. A ideia era analisar se fatores de risco comuns aos seres humanos, como altos índices de gordura no sangue, hipertensão e pouca atividade física, poderiam causar enfartes nestes parentes do ser humano. No entanto, nada do tipo foi registado.

Os raros ataques cardíacos de chimpanzés são causados por uma até agora inexplicável cicatriz no músculo cardíaco – sem nenhuma relação com aterosclerose, portanto.

Conforme enfatizam os investigadores, num cenário natural, nenhum outro animal desenvolve aterosclerose. Eles só padecem do problema cardiovascular quando geneticamente modificados para gerar a presença de fatores de risco humanos ou nalguns casos em que são, para estudos, alimentados com dietas com quantidades estratosféricas e não-naturais de colesterol.

 

 

Ratos com gene desativado

No estudo publicado nesta segunda, o médico Varki e a sua equipa, utilizaram ratos geneticamente modificados. Os roedores foram manipulados para, assim como os humanos, terem o gene CMAH desativado.

Um grupo de controlo, com as mesmas condições de vida, foi mantido com o gene a funcionar normalmente. Os ratos alterados geneticamente, mesmo alimentados da mesma forma e com a mesma rotina dos seus semelhantes, tiveram pelo menos duas vezes mais acumulação de gordura no sangue.

O CMAH produz uma molécula chamada Neu5Gc – um tipo de ácido siálico. Conforme constataram os cientistas, a falta dessa substância favorece o desenvolvimento da aterosclerose. Como o ser humano não consegue sintetizar o Neu5Gc, pela falta do gene correspondente, acabamos suscetíveis a ataques cardíacos.

 

Parasita pode ter sido o causador da inatividade do gene

Ainda não há uma certeza de como os ancestrais hominídeos perderam esta função. Segundo uma hipótese aventada pelos cientistas, em determinada altura, algum parasita atacou os nossos antepassados, atraído pelo Neu5Gc. Por seleção natural, cada vez mais os sobreviventes eram os que não sintetizavam a substância. E isso acabou, gradualmente, por erradicar a propriedade de todos os hominídeos descendentes desse ancestral.

Existem alguns cenários que podem explicar a razão da inatividade do gene CMAH no género Homo. Um cenário possível é que um agente patogénico mortal e eficiente preferiu sequestrar o Neu5Gc produzido pelo gene CMAH e apresentado na superfície da célula, para invadir as nossas células. Isso poderia ter criado uma pandemia desastrosa, resultando numa seleção negativa dos nossos ancestrais expressando um gene CMAH funcional.

Comentou o médico.

 

Fertilidade selectiva

Outra explicação, segundo ele, seria a fertilidade seletiva “por meio da imunidade feminina contra o Neu5Gc paterno”. “Nesse caso, as fêmeas deficientes em CMAH só teriam sido capazes de produzir descendentes com machos deficientes em CMAH, conduzindo a uma seleção positiva de inatividade de CMAH.”

Varki não descarta, contudo, a aleatoriedade do fenómeno. “Não podemos excluir um cenário em que a inatividade do CMAH tenha ocorrido aleatoriamente e se fixado em um pequeno grupo de indivíduos que, eventualmente, deram origem aos humanos modernos”, completa.

Também não se sabe exatamente qual ancestral hominídeo nos legou esse gene desativado. “Atualmente é impossível pontuar com precisão, uma vez que não sabemos o momento exato em que o gene foi desativado”, argumenta Varki.

Os cientistas também apontam que a falta do Neu5Gc aumenta risco de outros problemas de saúde, como a diabetes e a probabilidade de sofrer um acidente vascular cerebral.

O aumento do risco parece ser impulsionado por múltiplos fatores. Mas isso pode ajudar a explicar por que até seres humanos vegetarianos, sem quaisquer outros fatores óbvios de risco cardiovascular, ainda são muito propensos a ataques cardíacos e derrames, enquanto outros parentes evolutivos não são.

Referiu o cientista.

 

Carne vermelha

Os investigadores identificaram também como o organismo do Homo sapiens reage ao Neu5Gc. Segundo os cientistas, os seres humanos são expostos à molécula principalmente quando consomem carne vermelha. Contudo, os resultados não são bons.

Isto porque, por ser uma substância estranha ao homem, ela estimula “uma resposta imunológica”, refere o estudo. A hipótese é que isso provoque uma inflamação na circulação sanguínea, chamada de xenosialitis. Nos testes com os roedores modificados, aqueles alimentados com uma dieta rica em Neu5Gc acabaram com um aumento adicional de 2,4 vezes na aterosclerose.

A perda evolutiva humana do gene CMAH provavelmente contribuiu para uma predisposição à aterosclerose por fatores intrínsecos e extrínsecos – dietéticos (ligados à alimentação).

Apontam os cientistas no trabalho académico.

 

Alto consumo de carne vermelha está associado a alguns tipos de cancro

Esta reação imunológica à substância, poderia explicar a razão do alto consumo de carne vermelha ser associado à maior predisposição a alguns tipos de cancro – mas isso carece de mais estudo.

Por outro lado, na evolução humana, a perda do CMAH trouxe também outras características. Os investigadores já identificaram duas delas: a capacidade de caminhar longas distâncias e a redução da fertilidade.

 

Tratamentos futuros

Partindo do pressuposto que a investigação ajuda a compreender melhor os casos de enfarte hoje em dia, os cientistas acreditam que as suas conclusões podem ajudar a melhorar tratamentos de doenças cardiovasculares, no futuro.

Fornecemos evidências de que a perda da função da CMAH em humanos tornou a nossa constituição mais propensa a desenvolver aterosclerose e, portanto, doença cardiovascular. A nossa análise pode ajudar a explicar a razão dos seres humanos serem mais propensos a desenvolver complicações cardiovasculares em comparação com outras espécies, apesar de possuírem fatores de risco semelhantes.

Afirma Varki.

O cientista salienta que também foi identificado como o Neu5Gc, produzido por outras espécies, é tido como “estranho” no organismo humano e como “desenvolvemos anticorpos contra ele” – principalmente na carne vermelha, onde a substância é abundante.

Demonstramos que a reação imunológica agrava e acelera o desenvolvimento da aterosclerose.

Concutiu o cientista, acrescentando que tal descoberta torna mais inquestionável relacionar o risco de doenças cardiovasculares ao alto consumo de carne vermelha. Assim, esta informação sobre o gene CMAH pode abrir frentes de novas terapias para tratar doenças cardiovasculares.

Exit mobile version