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Load “” – A Era do ZX Spectrum 48K

Parece que foi há tão pouco tempo … ainda me lembro exactamente de cada momento daquela tarde, quando os meus pais após mais um dia de trabalho chegaram e, gritaram o meu nome lá dos confins do Hall de entrada. “Paulo, anda cá!” disseram eles. “Vem cá ver uma coisa que te trouxemos!”.

… em plenos rebeldes anos da adolescência, lá fui, pensando … “Boa … devem ter-me comprado mais uma daquelas camisolas aos quadrados de flanela … “ ou então, “… devem ter trazido mais um daqueles filmes do videoclube …”. Mal eu sabia o que me esperava naquele Hall de entrada.

É impressionante como pequenas coisas que, por vezes parecendo quase insignificantes, nos conseguem marcar de forma tão profunda, e naquele dia foi-me presenteado algo que nunca esquecerei…

Um ZX Spectrum 48K.

As gerações actuais têm os iPhones, as Consolas de Ultima Geração, os Leitores Portáteis Multimédia, enfim … tanta diversidade e quantidade, que dificilmente sentirão o mesmo que eu (e muitos de vós, creio) senti naquele momento …

Acho assim, que convém fazer um breve flashback à altura em questão (estamos a falar da década de 80) e relembrar (particularmente os mais jovens que lêem estas linhas) que eram tempos algo austeros ainda. O país estava aos poucos a emergir do 25 de Abril e a consolidar-se como Estado Democrático, e ainda não havia, nem de longe nem de perto, a abundância que hoje há em quase todas as áreas. A nível de tecnologia a situação ainda mais era acentuada.

Mas o que teve o 48K assim de tão especial, para merecer tratamento tão especial?

Hoje, muitos de vós, especialmente das gerações posteriores podem até dizer, que não era nada de especial, que não significou nada de outro mundo ou apenas que foi o primeiro computador/consola a ser distribuída massivamente com algum sucesso em Portugal. E talvez até não se enganem com esta última afirmação, mas teve um significado muito além disso. Pelo menos para mim ou para toda uma geração de gamers da altura. Para todos nós que vivemos nessa época e tivemos o privilégio de possuir um, foi sem dúvida um tempo sagrado, quase atrevendo-me a chamar-lhe de momento religioso. Foi o nosso Woodstock, ou a nossa Ida à Lua … foi um momento só nosso que nos marcou para o resto da vida.

Os “Press 4 to Redefine Keys” … a selecção de teclas “Q” “A” “O” “P” “M” …. o palito de afinação do leitor de cassetes … as peregrinações ao Centro Comercial dos Olivais para comprar jogos numa loja meio escondida no andar de baixo … tudo isto foi, durante anos, a nossa religião.

Bem, mas afinal o que foi o ZX Spectrum 48K?

O Spectrum 48K originalmente lançado pela Sinclair em 1982, pode ser caracterizado como um dos primeiros computadores pessoais a serem disponibilizados ao público. Funcionava a 8 Bits, com 16 Kb de ROM, tendo uns valentes 48Kb de RAM e um processador Zilog Z80-A que corria a uns, vejam bem, 3.5 MHz. Apresentava uma resolução de 256×192 pixéis (ou 24 linhas de 32 caracteres cada) com apenas 8 cores de base (havendo possibilidade de ganhar mais umas cores com alguns truques). Um computador que se ligava a uma televisão e que conseguia algo que até então os seus irmãos mais velhos não conseguiam … apresentar cor.

O Spectrum apresentava uma outra característica muito particular – teclado. O teclado era composto por 40 teclas, também elas revolucionárias para a altura no que respeita ao seu funcionamento, e que tinham a particularidade de terem diversos usos. Por outras palavras, através de combinações de teclas (tão frequentes nos dias que correm) cada uma funcionava como um atalho para expressões reservadas do Sinclair BASIC (compilador de instruções de programação da Sinclair).

O 48K também ele tinha uma baía de ligação a periféricos tais como Joysticks, que fizeram a nossa delicia durante inúmeras tardes, noites e dias inteiros.

É com uma tremenda sensação de nostalgia que penso nesses velhos tempos, e recordo… recordo as alturas em que se juntava um grupo de amigos lá em casa, e munidos duns sumos Capri-Sonne….. ligávamos o Spectrum à TV…  ligávamos o leitor de cassetes ao Spectrum …  palitos sempre ao lado … preparávamos os jogos que pensávamos jogar, após calorosa discussão…

…“Epá, vamos a um mergulho no Scuba Dive? …

Não … talvez um Match Day 2” …

… “se calhar um Chuckie Egg era giro”

… “e se fosse um Pac-Man? “…

… “o Daley Thompson é que era??” …

… “e que tal hoje uma corrida de Endurance?” …

…”ou uns tiros no Rambo” …

… “ou uma corrida de carros no Out Run” ….

…”e que tal afinar a pontaria no Operation Wolf” ….

epá hoje quero ser treinador em TrackSuit Manager?” …

Enfim, sentávamo-nos em frente à televisão com o leitor de cassetes ao lado do Spectrum, um palito (instrumento de alta precisão indispensável para prevenir desafinanços) e doses maciças de ansiedade e …. paciência:

Load “” ENTER

(e esperávamos … 1 …. 2 …. 3 minutos ….)

Tíííííííííííí…íí….

Tíííííiíííííííí….ííííí ……

Tííiíírírírírírírírírí …..

Tíííííiíííííííííí … Tííí´…

Por vezes esperando mais de 10 minutos que a Tape fosse lida até ao fim, e muitas outras obtendo a mensagem desafiadora no ecrã “Tape Loading Error!

Resignados … lá rebobinávamos a cassete e entretanto já com o lanche tomado …. Load “”……….

Finalmente o jogo lá carregava e deparávamo-nos com o primeiro ecrã de apresentação, normalmente com uma musiquinha irritante mas que na altura nos enchia de força… pressionávamos ENTER … lá aparecia o menu: “Press 1 To Keyboard”, “Press 2 To Joystick”, “Press 3 To Redefine Keys” … momentos empolgantes quando redefiníamos as já gastas teclas … e lá entrávamos nós noutro Universo quando o jogo se iniciava à frente dos nossos olhos …

Hoje em dia inúmeros jogadores e analistas de jogos (nos quais me incluo) tecem comentários mais ou menos irados sobre jogo x ou jogo y terem tempos de loading enormes. Pensando bem nos dias de hoje e nos tempos idos do 48K, apetece-me rir. Mas não de gozo ou irritação, mas sim, de saudade.

Isso sim, eram doses épicas de tempos de loading … mas de alguma forma parece que o tempo custava menos a passar … ou então passava mais devagar quando finalmente nos púnhamos a jogar.

Mas o mundo do Spectrum não se resumia apenas a jogos e tempos de Loading … esse universo Spectrum também apresentava, ainda que duma forma muito limitada, face aos padrões de hoje, um ambiente de programação. Usava-se na altura o anteriormente mencionado compilador Sinclair BASIC e seus famosos “IF xxxxxx THEN GOTO 10”.

Ainda me recordo que a minha primeira vez (na programação) foi precisamente com o 48K, onde fiz uma versão muito pessoal (através dum daqueles manuais que se arranjavam na altura) dum joguito muito semelhante ao Snake.

Costumo dizer na brincadeira, que se a vida fosse um jogo, seria um título de plataformas com diversos níveis. Neste jogo da vida, com toda a certeza que o ZX Spectrum 48K se situa como um ponto de passagem ao Próximo Nível…

Alguns vídeos para recordar:

Loading Screen

Renegade

Scuba Dive

Match Day 2


Emulador de Jogos Online: ZX Spectrum


Outros Links: World of Spectrum ZX Spectrum RetroBox

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