Bill Buxton e Arnie Lund, gurus da área de interfaces com o utilizador, falaram ontem perante um auditório cheio no Microsoft Lisbon Experience. Se não conseguiu participar no evento ou gostaria de o rever, esta é uma boa oportunidade de conhecer os conceitos e ideias partilhados durante duas apresentações interessantíssimas, numa altura em que o design e o desenvolvimento de software se fundem.
09:30 Bill Buxton NUI: The Nature of Natural User Interaction
Bill Buxton começa por definir o conceito “natural”, o que é algo ser natural. É nascer-se com algo? Um bebé quando nasce sabe chorar, sabe cuspir, dormir, comer, etc. Se uma interface é natural, deverá usar apenas acções primitivas como estas?
“A capacidade de aprender, de adquirir competências, é que é natural”. Bill questiona a audiência acerca do antónimo da palavra competente (do inglês skilled). Apesar de todos pensarem em “incompetente”, Bill afirma que a resposta correcta é “solucionador de problemas”. A competência é manifestada numa acção, num movimento. Alguém incompetente tem de pensar e resolver problemas, planear o que se vai fazer.
Andar é uma competência, uma habilidade, não se pensa quando se anda, é automático. Mas planeia-se e pensa-se para onde se vai, e aí já estamos no campo da resolução de problemas. Andar é automático, é natural. Se o nosso cérebro fosse um processador, as tarefas que envolvem pensar competem umas com as outra, consomem ciclos de computação, enquanto que as naturais, tal como andar, têm o seu próprio espaço.
“100% do nosso processamento deve ser utilizado para resolver o problema, e 0% deve ser alocado a tarefas como encontrar o botão ou a sequência de opções que devemos escolher para resolver o problema.”
“Its easy once you know how”.
Depois de adquirida a competência, a tarefa torna-se fácil, óbvia, transparente, ou seja, natural. Nada é, à partida, natural. Quando os telefones de discar apareceram, ensinavam nas escolas a discar um simples número.
Mais tarde essa competência tornou-se cultural e as crianças aprendiam apenas por observação. No entanto, as competências perdem-se, e a prova disso mesmo são as crianças que, hoje em dia, nem sabem para que serve um telefone de discar.
Bill Buxton afirma que as mãos são instrumentos poderosos e especializados, que permitem ao utilizador sentir uma interacção mais natural. “Qualquer interface que não tire partido das mãos, é má”.
Veja-se o exemplo das portas automáticas. “Na verdade, aquilo é um Kinect, na sua versão 1.0”. A ideia é exactamente a mesma: detecção de movimento. Repare-se na interacção com uma porta automática: a pessoa aproxima-se e, por ser uma porta, está à espera que esta abra. A interacção é natural, não teve de aprender a usar uma porta automática.
O Contexto é rei
Bill dá outro exemplo de um cenário possível: entra no carro e atira o telemóvel para o banco do pendura. Entretanto o filho telefona, a música baixa automaticamente, o telemóvel liga-se por bluetooth ao carro e a voz do filho ouve-se pelas colunas do carro. De seguida, recebe uma SMS da filha, pelo que se ouve no carro “Gostaria de ler a mensagem?”. Bill responde “Sim” e a mensagem é lida usando text-to-speech. “Gostaria de responder?”, ao que Bill responde “Sim” e começa a ditar a mensagem de resposta usando speech-to-text. A interface aqui representada é a língua natural.
Agora imaginemos que o outro filho telefona, Bill pára o carro e decide pegar no telemóvel e sair do carro. O som da chamada é automaticamente redireccionado para o altifalante do telemóvel e não para o carro. Isto é um cenário expectável. Se se conseguir atingir esta modalidade de interacção humanamente expectável, então consegue-se uma interface natural.
Bill faz notar a mudança de contexto entre estar dentro do carro e estar fora do carro, de um tipo de interface para outra, neste caso, da língua natural para a interface Metro. Esta mudança de contexto, de interface deve ser sempre consistente com as expectativas do utilizador, e só assim se atinge uma interacção natural.
“Everything is best for something and worst for something else”
Bill acredita que todas as coisas são melhores para algo, mas também piores para outra coisa qualquer. O problema é saber quando e porque é que essa coisa é má numa determinada situação. Ou seja, saber não só as áreas claras e escuras, mas também as áreas cinzentas de aplicabilidade.
A modalidade de interacção depende fortemente do contexto. Relembrando o exemplo anterior, ao conduzir, é desejável a utilização da língua natural (text-to-speech e speech-to-text), por questões de segurança. “Mas se estiver no avião e, ao receber uma SMS muito importante sobre o novo produto da Microsoft, não é indicado este tipo de interacção. Aqui já faz sentido utilizar a escrita, sob pena de desvendar um segredo ao pé de alguém da Apple”.
A modalidade de interacção também depende das competências do utilizador. A dificuldade está no mapeamento entre estas duas características e a tecnologia usada.
“The most important technology is the human”
É importante perceber como é que um sistema reflecte as habilidades cognitivas, capacidade de ver, sentir, escutar, as competências sociais culturais e emocionais do utilizador.
O “T” do Conhecimento
Bill Buxton apresenta uma representação do “conhecimento” deveras interessante. A altura do “T” representa a profundidade do conhecimento, a sua largura é a abrangência do conhecimento. Daqui se percebe que o tamanho do traço vertical é o expertise, pois representa um conhecimento específico mas profundo. Já o traço horizontal é a literacia, é aquilo que se pretende sempre, conhecimento muito abrangente e profundo.
Segundo Bill, cada área tem o seu próprio “T”, pelo que o objectivo é juntar os T’s da tecnologia, do design e do negócio, por forma a criar tecnologias capazes, amigas do utilizador e que tenham retorno financeiro.
11:30 Arnie Lund Transforming Experience
Arnie Lund afirma que o valor do design da tecnologia tem mudado ao longo dos tempos. Há 20 ano o design era considerado um luxo, usava-se tecnologia porque era divertido. Hoje em dia, um bom design é uma necessidade. Antigamente as interfaces usavam muitos botões e cores, não porque era útil, mas sim porque era possível, era uma feature, uma novidade, um luxo.
Actualmente compete-se a um nível bem mais alto de design. Passámos por uma mudança na experiência consumidora, em que o foque passou a ser o consumo de conteúdos por parte do utilizador em vez da criação de conteúdos. O objectivo é partilhar informação, é fazer streaming, em vez de a criar. Os produtores tinham o controlo, agora o controlo está do lado do utilizador.
Arnie admite que a nova interface Metro é uma aposta, depois da equipa de design tentar perceber o que estava para lá dos ficheiros, pastas e janelas, mas não deixa de ser uma aposta cujo resultado não se prevê.
As inovações tecnológicas vão progressivamente dominando a complexidade. Os utilizadores carregam o fardo de encontrar valor, isto é, é o utilizador tem tantas soluções disponíveis, tantas apps, cabendo a este descobrir qual é o conjunto finito de apps que realmente utiliza. Na verdade, a inovação está no domínio da simplicidade, sendo que o grande desafio de design é dominar o chamado “deleite”, a sensação de prazer ao utilizar algo.
Acessibilidade extrema
Esta é uma técnica utilizada em design que, em vez de se focar no utilizador médio de uma população, foca-se na extremidade da população, forçando o pensamento em arquitecturas suficientemente flexíveis para capturar todos os utilizadores em todos os contextos possíveis. Agora é possível tirar partido de dispositivos como o Kinect, superfícies tácteis, sintetizadores e processadores de língua natural e criar interfaces multimodais.
Dispositivos pessoais
Arnie conta como em 2004 contratou um fotógrafo para estudar a forma como os estudantes universitários utilizavam os dispositivos móveis. Havia a ideia de que os estudantes utilizavam os portáteis durante as aulas para trabalhar. É claro que descobriram que tal não correspondia à realidade.
Os estudantes partilhavam informação, a sua localização, criticavam, seleccionavam conteúdo, encontravam pessoas com os mesmos interesses e, mais importante, definiam-se a si mesmos. Foi aqui que o Facebook inovou, na forma como o utilizador se define a si próprio.
Arnie admite que na altura estavam a estudar o desenvolvimento de um dispositivo que fosse tão portátil como um telemóvel, tão versátil como um portátil. Um ecrã touch, suficientemente grande para se ler um livro. Era o UMPC. No entanto, a Microsoft chegou à conclusão que não havia espaço no mercado para um produto deste tipo… até aparecer o Kindle da Amazon ou o iPad da Apple. Foi uma oportunidade de mercado perdida. De qualquer das formas, o conhecimento adquirido foi utilizado para o desenvolvimento actual dos novos tablets com Windows.
O futuro é ubíquo
Estamos numa era em que o objectivo é desempenhar tarefas independentemente do dispositivo utilizado, usando interfaces naturais. Há o problema de construir uma interface transversal a todos os dispositivos, no caso da Microsoft, o Metro.
O Metro providencia uma framework com diversos padrões de desenho que representam essencialmente acções típicas de um utilizador em qualquer dispositivo: identificação, composição, espaço de trabalho, navegação, comandos, pesquisa e filtragem, monitorização, loja de aplicações, histórico, vistas dinâmicas, zoom semântico, zoom óptico, fluxo de trabalho, colaboração e wizards.
Para ligar a interface às plataformas é necessária uma camada intermédia, o chamado middleware, responsável pelos conceitos de identidade, acessibilidade e features sociais.
Aqui ficaram algumas das principais ideias partilhadas nas apresentações de Bill Buxton e Arnie Lund. Aconselho a participação neste tipo de eventos, mais ou menos técnicos, já que são gratuitos e representam uma boa oportunidade de adquirir conhecimento num sistema operativo que ainda vai “fazer correr muita tinta”.