A Google quer “entrar” na China mas tem de vergar a sua política de confidencialidade perante o regime de Pequim. Segundo informações relevadas pelo The Intercept, os responsáveis da Google estão a forçar os funcionários a apagar um memorando confidencial que circula dentro da empresa e que revela detalhes explosivos sobre um plano para lançar um mecanismo de pesquisa censurada na China.
A Google segue a máxima “se não os podes vencer, junta-te a eles” e, segundo parece, tem planos para fornecer uma ferramenta de pesquisa que castra toda a liberdade de quem a usa.
Dragonfly – O projeto da Google para ajudar a censura na China?
O memorando, da autoria de um engenheiro do Google que foi convidado para trabalhar no projeto, revelou que o sistema de pesquisa, chamado Dragonfly, exigiria que os utilizadores se ligassem para realizar pesquisas. Essas pesquisas levavam a que o sistema monitorizasse a localização do utilizador e partilhasse o histórico resultante das pesquisas com um parceiro chinês da Google. O parceiro então teria “acesso unilateral” aos dados.
O memorando foi partilhado no início deste mês entre um grupo de funcionários do Google que organizou protestos internos sobre o sistema de pesquisas censuradas, que foi projetado para remover conteúdo que o regime autoritário do Partido Comunista da China considera sensível, como informações sobre democracia, direitos humanos e sobre protestos pacíficos.
Vazou informação que não poderia ter vazado no seio da Google
De acordo com três fontes familiarizadas com o incidente, os líderes da Google descobriram o memorando e ficaram furiosos. Isto porque os detalhes secretos sobre a censura na China estavam a ser partilhados entre funcionários que não deveriam ter nenhum conhecimento sobre isso.
Posteriormente, o pessoal dos recursos humanos da Google enviou por e-mail o documento a funcionários que, supostamente, tiveram acesso ou guardaram uma cópia do memorando. A “lei” imposta pela direção da gigante das pesquisas foi que tudo fosse imediatamente apagado e excluído dos seus computadores.
Google “vigia de perto” os seus funcionários
Os e-mails que foram enviados a exigir a exclusão do memorando continham “rastreadores de pixel” que notificavam os administradores dos recursos humanos quando as suas mensagens eram lidas e os destinatários eram informados de tal “lei”.
O memorando da Dragonfly revela que um protótipo do mecanismo de pesquisa censurado estava a ser desenvolvido como uma aplicação para dispositivos Android e iOS e forçaria os utilizadores a entrar para que pudessem usar o serviço. O memorando confirma, como o The Intercept relatou pela primeira vez na semana passada, que as pesquisas dos utilizadores estariam associadas ao seu número de telefone pessoal.
Este memorando acrescenta que os movimentos dos utilizadores chineses também seriam armazenados, juntamente com o endereço IP do dispositivo e os links em que eles clicavam. Os “acusadores” dentro da Google apontam o dedo à empresa de estar a fabricar “ferramentas de espionagem” para o governo chinês perseguir os seus cidadãos.
Ferramentas que destroem o conceito de privacidade
Segundo as informações contidas nesse documento, as pesquisas das pessoas, informações de localização e outros dados privados seriam enviados para fora da China, para uma base de dados em Taiwan. Mas os dados também seriam fornecidos aos funcionários de uma empresa chinesa que teriam acesso “unilateral” ao sistema.
Para lançar o mecanismo de pesquisa censurado, a Google estabeleceu uma parceria de “joint venture” com uma empresa chinesa não identificada. O mecanismo de pesquisa iria “listar consultas sensíveis” para que “nenhum resultado seja mostrado” quando as pessoas digitarem certas palavras ou frases, de acordo com documentos vistos pelo The Intercept.
Os termos de pesquisa na lista negra de um protótipo do mecanismo de pesquisa incluem “direitos humanos”, “protesto estudantil” e “Prémio Nobel” em mandarim, disseram fontes familiarizadas com o projeto.
As informações dão conta também que a tal empresa, parceira chinesa da Google, poderia adicionar à lista negra outros resultados que entendesse, podendo editar páginas de resultados de pesquisas para unilateralmente, de forma simples (ao que parece), modificar a informação mostrada ao utilizador.
Google tem em mãos um grande problema
No dia 16 de agosto, duas semanas após o The Intercept ter revelado o plano Dragonfly, o CEO do Google, Sundar Pichai, disse aos funcionários da empresa que o plano da China estava ainda nos seus “estágios iniciais e exploratórios”. No entanto, os funcionários que trabalhavam no mecanismo de pesquisa censurado foram instruídos no final de julho, dias antes de o projeto ter sido exposto publicamente, que eles deveriam preparar-se para o colocar num estado “pronto para o lançamento” para que fosse lançado dentro de semanas, aguardando a aprovação de autoridades em Pequim.
O Google mantém uma equipa agressiva de segurança e investigação conhecida como “stopleaks”, que se dedica a impedir divulgações não autorizadas. A equipa também é chamada para “moderar e vigiar” as discussões internas.
Segurança na Google é de nível militar
A equipa interna de segurança do Google é formada por vários ex-militares e policias. Por exemplo, o LinkedIn apresenta como chefe de investigações globais do Google, Joseph Vincent, cujo currículo inclui trabalhos como agente de alto nível na unidade de Investigações de Segurança Interna da agência de Imigração e Alfândega dos EUA. O chefe de segurança do Google é Chris Rackow, que se descreveu como ex-membro da equipa de resgate de reféns do FBI e como ex-SEAL da Marinha dos EUA.
Para alguns funcionários do Google, a cultura de sigilo na empresa choca diretamente com a sua imagem pública, aquela que a Google quer passar, como sendo eticamente correta e protegendo a privacidade dos seus utilizadores, estando eles em que país estejam. A sua política de transparência tem um “lado oculto”, o que tem criado um ambiente de trabalho intolerável.