Não temos dúvidas que a forma como as redes sociais hoje são disponibilizadas tem por trás um pormenorizado trabalho de psicologia comportamental por forma a “viciar”, a manipular a vontade de quem usa essas redes. A chamada engenharia social estuda o comportamento do ser humano e fabrica as realidades e os cenários que viciam.
Segundo um novo documentário da série “Panorama”, da BBC, as empresas que detêm as redes sociais trabalham afincadamente para nos drogar digitalmente e prender aos seus serviços.
Serão os Likes as “passas” dos drogados digitais?
A reportagem, que é hoje lançada, tenta decifrar as razões pelas quais as pessoas estão cada vez mais agarradas aos seus smartphones e consumidas pelas redes sociais.
Foram levadas a cabo entrevistas com pessoas que trabalharam nesse setor e os seus testemunhos revelam como as empresas desenvolveram deliberadamente tecnologia de formação de hábitos para atrair os utilizadores e investigam como a ciência comportamental tem sido usada para manter as pessoas sempre ligadas nos seus smartphones.
Há aspetos técnicos que foram pensados para tornar a usabilidade simples, em linha ideal com o que o nosso cérebro precisa para obter coordenação. Por exemplo, características como a de rolar o ecrã infinitamente ou aquele botão “Like” fazem com que os indivíduos permaneçam ligados nas redes sociais por mais tempo do que o necessário, além de consumirem esse conteúdo para alimentar as suas inseguranças.
As cores, os sons e as notificações são elementos testados para apurar a nossa atenção e despertar impulsos de desejo no cérebro.
Deslizar do ecrã até ao infinito
No programa, a BBC entrevista Aza Raskin, um elemento que já trabalhou para a Mozilla, e a Jawbone, criador do “scroll infinito”, recurso que permite que um utilizador deslize pelo conteúdo infinitamente sem ter que clicar em absolutamente nada.
Se o utilizador não der tempo ao seu cérebro para ele alcançar os seus impulsos, o utilizador continuará a rolar.
Explicou à BBC.
Quando inicialmente esta opção foi pensada, não pretendia deixar as pessoas viciadas, contudo, Aza Raskin refere que se sente culpado pelo impacto da sua inovação. Mas, esse é agora apenas um dos vários elementos que as plataformas das redes sociais usam para “fixar” os utilizadores.
É como se [as plataformas] espalhassem cocaína comportamental por toda a sua interface, e é isso que faz o utilizador voltar e voltar e voltar. Por trás de cada ecrã do seu telefone, geralmente há, literalmente, mil engenheiros que trabalharam na plataforma para tentar torná-la mais viciante.
Referiu o programador.
Like like like…
No programa deu também o seu testemunho Leah Pearlman, co-criadora do botão “Gosto”, do Facebook, juntamente com Justin Rosenstein.
A programadora admitiu à BBC que, como outros utilizadores, também ficou viciada no serviço da rede sociais ao procurar pelos Likes (Gostos) no que publicava.
Quando eu preciso de validação, eu vou verificar o Facebook. Se me estou a sentir sozinha, vejo o meu telefone. Se me estou a sentir insegura, vou ver o meu telefone.
Contou a engenheira no documentário.
No passado ano, Rosenstein declarou que o botão “Gosto” levara a um aumento no “clickbait”, também chamado de “caça-clique”, um termo que se refere ao conteúdo da internet destinado a gerar receita de publicidade online, geralmente às custas da qualidade e precisão da informação.
Rosenstein fez ainda uma outra crítica ao recurso, insinuando que o “Like” criou um problema de “distribuição” de tempo: “Mesmo que as pessoas ‘gostem’ de coisas, não é necessariamente tempo bem gasto”, disse.
Drogar as pessoas digitalmente, será esse o termo?
Este é um tema cada vez mais atual, cada vez mais “caso de saúde” mas que está a incomodar os responsáveis das redes sociais. Enquanto algumas redes sociais se recusaram a fazer comentários, o Facebook e o Instagram negam que os seus serviços sejam deliberadamente projetados para ser viciantes.
As alegações que surgiram durante o processo de produção do Panorama da BBC são imprecisas. O Facebook e o Instagram foram projetados para aproximar as pessoas dos seus amigos, familiares e das coisas de que gostam. Isso pode favorecer a ligação das pessoas que moram longe, ou juntar-se a uma comunidade de pessoas que partilham os seus interesses, ou apoiar as causas mais importantes para si. Esse propósito está no centro de todas as decisões de projeto que fazemos, e em nenhum momento queremos que algo seja um fator viciante nesse processo.
Referiu um porta-voz das redes sociais.
No início deste ano, o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, fez alterações na rede social para aumentar o “tempo bem gasto” no site, mas o próprio encarregado do “News Feed”, Adam Mosseri, já admitiu que a empresa ainda está “a tentar perceber” exatamente o que isso significa.