Há muitas criações cinematográficas que imaginam e traduzem em imagens como seria um futuro onde microrrobôs nadariam pelas nossas correntes sanguíneas, reparando problemas que detetassem dentro do nosso corpo. Será que já chegamos a esse futuro?
Microrrobôs: mais que um filme, é a realidade
Em 1959, o famoso físico teórico Richard Feynman fantasiou que, num futuro, existiria tecnologia tão avançada que microrrobôs nadariam pelas nossas correntes sanguíneas, reparando o nosso interior ou administrando medicamentos à medida que ia avançando.
Sessenta e cinco anos depois, os cientistas estão cada vez mais perto dessa realidade. Engenheiros da Universidade de Tóquio descobriram agora uma forma de motorizar estruturas microscópicas minúsculas sem necessidade de uma fonte de energia externa.
A solução proposta conta com uma equipa de organismos unicelulares que se movem livremente, atrelados a uma “carruagem” como se fossem pequenos cavalos.
A investigação não se limitou a procurar algo que fosse “simpático e dócil dentro do corpo humano”. Isto porque um dos problemas dos “microrrobôs” concebidos até agora é que, sendo tão pequenos, os fluidos como o sangue podem assumir a viscosidade de geleia.
Como tal, os investigadores procuram há anos criar pequenos motores suficientemente potentes para impulsionar estas estruturas com maior facilidade. Sim, já há algo que se pode ver.
Máquina diabólicas de 10 micrómetros
Aproveitando as capacidades de natação rápida da alga verde Chlamydomonas reinhardtii, engenheiros japoneses encontraram uma solução única.
Cada célula da C. reinhardtii tem apenas 10 micrómetros de largura, o que corresponde a um terço do tamanho do rebocador Benchy – o barco mais pequeno do mundo, impresso em 3D em 2020.
No entanto, em conjunto, podem puxar máquinas cinco vezes maiores do que o seu tamanho individual. Conforme referem os cientistas que projetaram a ideia, este conjunto abre um novo campo de possibilidades para o desenvolvimento de micromáquinas complexas.
As algas, que são consideradas seguras para consumo humano, são movidas por dois flagelos, impulsionando cada unidade para a frente de forma semelhante ao estilo bruços.
Presos num cesto especialmente concebido para o efeito, os flagelos da célula ficam à frente, permitindo-lhe arrastar o resto do veículo para trás enquanto rema.
Ao contrário de outros micromotores que os cientistas conceberam – que dependem frequentemente de fontes de energia externas, como campos magnéticos ou elétricos – os motores vivos como o da C. reinhardtii podem mover-se autonomamente.
O autor principal, Haruka Oda, e os seus colegas conceberam dois veículos de plástico diferentes, impressos em 3D, para as algas conduzirem, cada um dos quais com 50 a 60 micrómetros de largura. Para percebermos de facto a dimensão, pense que o cabelo humano médio tem cerca de 100 micrómetros de espessura.
Micromáquinas que se podem mover autonomamente dentro de nós
Uma das micromáquinas chama-se “Scooter”. Tem dois cestos para prender duas células de algas, ambos virados para a mesma direção e ligados a uma “carruagem” na parte de trás. Sem serem solicitadas, as C. reinhardtii ocupam os seus lugares em cada cabina.
Os investigadores ficaram surpreendidos ao verificar que a scooter não se movia a direito, mesmo quando cada cesto estava ocupado. Em vez disso, girava e rodava de formas complexas. Chegou mesmo a dar 15 cambalhotas para trás e 10 movimentos de rolamento.
A outra forma de veículo, chamada “Rotator”, movia-se mais suavemente. Foi concebido com quatro cestos, todos eles apontados na mesma direção e ligados por raios numa formação semelhante a uma roda.
Com uma célula de alga a ocupar cada um dos quatro cestos, a estrutura “gira” a uma velocidade média de 20 a 40 micrómetros por segundo, como uma espécie de passeio num parque de diversões microscópico.
A C. reinhardtii pode atingir velocidades de 100 micrómetros por segundo quando não está sobrecarregada, pelo que os investigadores estão agora a tentar ver se conseguem fazer com que estas micromáquinas se movam mais depressa e com mais precisão.
O Rotator, que tinha apenas 56 micrómetros de tamanho, é cinco vezes maior do que outro microveículo concebido anteriormente, que foi fabricado em 2017 para ser alimentado por bactérias autopropulsionadas. No entanto, ao contrário das algas, a velocidade destas bactérias teve de ser controlada por um modulador de luz especial.
Os métodos aqui desenvolvidos não são apenas úteis para visualizar os movimentos individuais das algas, mas também para desenvolver uma ferramenta que possa analisar os seus movimentos coordenados em condições restritas.
Estes métodos têm o potencial de evoluir no futuro para uma tecnologia que pode ser utilizada para a monitorização ambiental em ambientes aquáticos e para o transporte de substâncias utilizando microrganismos, tais como a movimentação de poluentes ou nutrientes na água.
Afirma Shoji Takeuchi, que supervisionou o projeto.
Um dia, estas linhas de investigação poderão mesmo concretizar o sonho de Feynman de um microbot que transportasse “pequenas cargas”, como medicamentos, num meio líquido, como o sangue, alimentado pela própria vida. O estudo foi publicado na revista Small.