No final do mês passado foi lançado, pela Ubisoft, Far Cry: Primal, um jogo que desde cedo se revestiu de grandes expectativas e de algumas dúvidas.
Primal trata-se do mais recente titulo da série Far Cry, uma das mais valiosas franchises de jogos de acção de sempre e que, quando foi anunciado desde logo se revelou como um jogo controverso. E isto porque Far Cry: Primal enveredou por um caminho muito próprio em relação aos restantes jogos Far Cry, um caminho que para muitos, chegou a colocar em dúvida o seu próprio posicionamento na saga Far Cry.
Far Cry tem a sua história a passar-se hà 10.000 anos atrás convidando-nos a uma autêntica aula interactiva dos tempos dos primeiros humanos. Experimentámos Far Cry: Primal e aceitamos essa aula de História Natural e a conclusão só poderia ser uma …
Conforme mencionei, Far Cry: Primal passa-se há 10.000 anos atrás, em plena época Holocénica no Período Quaternário e acompanha Takkar, um membro da tribo Wenja.
Esta época caracterizou-se por ser ser um período glacial e tal como todas as restantes espécies, o ser humano também teve de se adaptar. Essas adaptações passaram muitas vezes por migrar para outras zonas e estabelecerem-se em localizações menos agrestes.
É precisamente neste contexto que encontramos Takkar e o seu irmão. Numa secção inicial, vemos os dois (mais uns quantos soldados) a caçarem mamutes e após a matança de um destes gigantes peludos, um tigre dentes-de-sabre provoca a morte de todos, excepto Takkar. As últimas palavras do seu irmão foram de encorajamento para que Takkar encontre Oros (aparentemente uma zona perfeita para os Wenja se estabelecerem).
Takkar parte assim à descoberta da Terra Prometida e após uma viagem atribulada por umas grutas acaba por descobrir Oros. Aí, encontra também Sayla, uma outra Wenja que se torna a nossa companheira de aventura e nos ajuda a estabelecer a nossa aldeia principal (e onde ao longo do jogo, se vão juntando outros Wenjas que vamos salvando ou cativando).
É neste momento que começa o jogo propriamente dito e que se começa a revelar também Oros e tudo o que faz parte deste magnifico Mundo pré-histórico.
E começa bem cedo. Da nossa aldeia é-nos possivel ter um breve vislumbre daquilo que Oros é: uma enorme região selvagem, com múltiplos tipos de ambientes e ricamente povoada por animais e humanos.
As primeiras vezes que saímos da nossa aldeia, é fácil perder o norte e esquecer por completo a missão principal do jogo. Aliás, um aparte para mencionar que além do objectivo principal de criar em Oros A Terra dos Wenjas, também teremos de eliminar a ameaça de mais duas tribos vizinhas hostis (Izila e Udam).
Bem, mas como estava a dizer. É extremamente fácil sairmos da aldeia para apenas vaguear pelas florestas, investigar os pântanos, descobrir as montanhas, … e isto porque a Ubisoft criou em Far Cry: Primal um dos melhores e mais belos ambientes selvagens vivos que o Mundo dos Videojogos já tiveram a oportunidade de ver.
As florestas densas encontram-se repletas de veados, javalis ou cabras … enquanto que atrás delas, surgem os predadores como os ursos, onças ou tigres dentes-de-sabre. E mais que isso. É normal assistir a cenas de caça, quando uma alcateia de lobos cerca uma gazela por exemplo. Há diferentes tipos de biomas. As florestas podem apresentar vegetação mais ou menos densa, os pântanos cobertos de juncos, as zonas geladas das montanhas, …
Apesar do grafismo não ser do melhor que já vimos na Xbox One está muito bom e Oros é um território impressionantemente rico e belo.
Conforme mencionei existem outras tribos em Oros que são hostis. Quer os Izila, quer os Udam, habitam o território e são extremamente impiedosos ao atacar os Wenjas que puderem. É assim, neste contexto, que ocasionalmente surgem missões no mapa indicando-nos para salvar Wenjas de ataques Udam, ou que Wenjas foram presos por Izilas. Ao conseguirmos salvar esses Wenja em perigo, vamos aumentar a população da nossa aldeia.
É uma mecânica interessante, pois ao longo do jogo vamos conseguindo aumentar a nossa população o que é importante tanto no decorrer do próprio jogo (pois quantos mais formos, melhor nos protegeremos dos inimigos), como é importante na obtenção de alguns prémios consoante a população atingida.
Além destas missões de salvamento as missões da própria história principal também nos vão permitindo aumentar a população.
Aliás, a história do jogo está feita de forma a que, aos poucos, consigamos trazer para a nossa aldeia alguns especialistas Wenja. Desta forma, conseguimos uma forma de desbloquear novas habilidades, novas armas ou truques. Esta mecânica está extremamente interessante pois a evolução do nosso personagem torna-se assim em algo natural. Os especialistas Wenja que se juntam à nossa aldeia passam a habitar Ocas (tendas) próprias, onde nos ensinam as suas especialidades.
Alguns dos especialistas que podemos trazer para a nossa aldeia:
- Wogah que é um mestre confeccionador (permite criar ou melhorar armadilhas, bolsas, cintos, …)
- Jayma que é uma caçadora eximia (permite criar ou melhorar arcos e flechas, arcos duplos, …)
- Tensay que é um Xamã (permite criar poções e melhorias relacionadas)
- Karoosh o grande Guerreiro (possibilita melhorias às armas)
No entanto, isto demora o seu tempo e devo confessar que com 20 horas de jogo ainda não tinha nem metade dos especialistas totais. Aliás, o jogo facilmente dispara para mais de 50/60 horas de jogo, especialmente se forem perfeccionistas e curiosos.
Sobreviver em Oros é extremamente difícil. Se a fauna e flora estão irrepreensíveis, também os seus comportamentos o estão. Uma das características mais marcantes de Primal, é o ciclo dia-noite que se encontra bastante bem implementado. Por exemplo, de dia, é normal vermos manadas de cervos, alguns alces, mamutes … no entanto, de noite, surgem os animais noctívagos. E não só os herbívoros como os tapires mas também os perigosos caçadores da noite, como os lobos ou onças pintadas.
A noite é, nos primeiros tempos, uma altura a evitar e o melhor é usá-la para dormir (pelo menos no inicio do jogo, antes de termos companhia).
Espalhados por Oros existem toda uma panóplia de recursos que podemos recolher. Temos madeira, ardósia, argila, sangue de Oros (pedra preciosa), flores de diferentes cores e formatos ou osso, carne, gordura e pele de animais.
Todos esses recursos são importantíssimos em Primal. Se por um lado uns nos possibilitam criar armas (madeira, couro e pedra para criar lanças, por exemplo) outros servem para criar melhorias na nossa aldeia ou criar outros itens imprescindíveis ao avançar pelo mundo de Oros.
E o avanço dos Wenjas em Oros faz-se de acordo com uma mecânica de conquista de aldeamentos ou locais-chave no mapa. Basicamente existem determinadas localizações no mapa que podem ser usadas como refugio, onde podemos descansar (gravar) e deixar passar a noite. Para podermos usar estes locais temos de terminar determinadas missões que podem passar por salvar Wenjas prisioneiros, ou matar feras, ou conquistar aldeias Udam.
A partir desse momento passamos a ter um ponto seguro onde gravar o jogo e para onde podemos fazer fast travels de qualquer zona do mapa.
Tal como referi, os especialistas que aceitam vir para a nossa aldeia ensinam-nos as suas especialidades nas suas Ocas. No entanto a maior parte das Ocas pode ser melhorada o que é o mesmo que dizer que quanto mais alto o nível da Oca, mais e melhores ensinamentos o especialista nos pode passar. A melhoria das Ocas dos especialistas é também feita com base em recursos que vamos encontrando em Oros (alguns deles bastante raros e difíceis de arranjar).
Uma das artes que cedo nos é ensinada é a do controlo de uma coruja. Este é o primeiro animal que controlamos (literalmente). Inicialmente, apenas podemos usá-la para visualizar o terreno em redor de Takkar, em missões de reconhecimento mas, à medida que vamos evoluindo Takkar (e ele vai ganhando Pontos de Habilidade) vai-nos sendo permitido desbloquear outras habilidades da coruja, como por exemplo, proceder a ataques picados sobre inimigos ou marcar feras no solo.
Acabei de mencionar um dos aspectos mais importantes do jogo, o controlo de animais. Sim, Far Cry: Primal apresenta o Beast Master, um sistema que nos permite controlar as feras de Oros (onças, leopardos, tigres dente-de-sabre, dholes e até ursos). Este é, apesar de controverso, o ponto alto do jogo e, talvez a grande mais-valia do mesmo chegando a impedir que a jogabilidade caia em repetibilidade e tédio. Se tudo o que mencionei antes eleva Primal a um patamar de qualidade superior, com o Beast Master entramos numa outra dimensão de jogo.
O controlo das feras é simples. Basicamente começa quando adquirimos a habilidade de domar feras (Creio que é com o Xamã que a adquirimos) e à medida que vamos evoluindo a sua Oca vamos conseguindo domar feras mais ferozes. A forma como as domamos é, conforme mencionei, simples. Quando estamos próximos de uma podemos atirar uma isca de carne de forma a atrai-la e depois com o botão X, conseguimos domesticá-la. Simples, certo? Se calhar demasiado simplificado.
A partir desse momento temos um companheiro de caçada, sendo que cada fera tem as suas próprias especialidades. Por outras palavras, cada um desses predadores tem um conjunto de atributos que os diferenciam: Força, Velocidade e Furtividade e que nos serão úteis em diferentes situações. Por exemplo, a Onça-Pintada Rara é furtiva, forte e rápida sendo extremamente eficaz em ataques surpresa. Por outro lado o Tigre Dentes-de-Sabre é forte e portanto extremamente útil para abordagens mais agressivas. Até podemos cavalgar ursos pardos e dilacerar vários inimigos ao mesmo tempo.
Creio que neste aspecto uma outra mecânica poderia fazer sentido. Alguns destes animais são animais de alcateia (os lobos por exemplo) pelo que poderia ser interessante podermos usá-los (só podemos ter uma fera connosco a cada momento) dessa forma.
Isso leva-me a mencionar um outro aspecto do jogo que considero algo injusto para com o personagem Takkar. Um dos aspectos que mais deixa um sabor agridoce é o facto de Takkar ser um herói solitário. É um autêntico lone ranger o que não faz muito sentido numa época na qual imperava o trabalho em grupo como forma de sobrevivência. Aliás, até seria interessante haver a possibilidade de multiplayer local simulando ataques dos Wenjas a outras tribos, ou a caçar.
Daqui advém também outro problema que se prende com o facto que, sem o recurso às feras o sistema de combate é um pouco repetitivo ao final de algumas horas. Basicamente quando em combate, poderemos usar o meio ambiente em nosso favor para nos aproximarmos sorrateiramente dos inimigos e proceder a finishes algo repetitivos, ou então avançar um pouco mais de peito aberto e usar os Tacapes, Lanças ou flechas para atacar inimigos ao perto ou longe. (recomendo os updates completos tanto a Tacapes como a Flechas).
Contudo o combate a solo acaba por se tornar um pouco chato e mais do mesmo mas, quando temos as feras ao nosso dispor, aí sim … as coisas evoluem de outra forma. É delicioso proceder a ataques a patrulhas Udam com feras distintas para podermos ter tácticas diferentes. (cada animal pode ainda aprender novas habilidades).
Algo que está bastante interessante em Primal é a especial atenção ao detalhe no que respeita às tribos. Creio que uma das melhores decisões que a Ubisoft tomou neste capitulo foi a de “inventar” uma linguagem primitiva para os Wenjas, Izilas e Udams. Sem dúvida que traz maior imersão ao jogo ouvir um membro Wenja falar nesse dialecto ao invés de inglês.
Por outro lado, o detalhe da caracterização dos diversos elementos das tribos está excelente, desde as pinturas corporais até aos adornos feitos com peles, ossos e flores traduzindo-se tudo isso em personagens credíveis.
Tenho de confessar no entanto que à medida que vamos domesticando mais feras o jogo se vai tornando relativamente fácil.
Seja como for, Far Cry: Primal é, em ultima instância um jogo a ter em conta e recomendado para todos os fãs de jogos de aventura, pois trata-se disso mesmo, de uma aventura na Idade dos Tigres Dente-de-Sabre aquando do nascimento da civilização.
Veredicto:
Far Cry: Primal é um jogão e muito sinceramente acredito que venha a revelar-se como um dos melhores de 2016. No entanto, para se poder degustar completamente o jogo, teremos de ter em conta alguns pressupostos:
- Primal não apresenta um enredo complexo e repleto de reviravoltas, o que é lógico, pois passa-se em plena Idade da Pedra.
- Primal não apresenta armas de fogo, granadas, veículos, … pelas mesmas razões (e acaba por ser uma lufada de ar fresco por isso mesmo)
- Primal tenta representar a vida de uma tribo nos primórdios da Civilização com todo contexto que isso traz.
Dito isto, quem se quiser aventurar no Mundo de Oros, vai encontrar um jogo extraordinariamente completo e credível, com um Mundo vivo e repleto de pontos de interesse, com uma jogabilidade adequada e simples e que com a inclusão do Beast Master adquire um carisma especial (apesar de controverso).
Com Far Cry: Primal, a Ubisoft tentou e conseguiu fazer chegar ao mercado um jogo diferente e que, num momento em que a inovação é cada vez mais rara, isso é de louvar. Um jogo que recomendo sem dúvida a qualquer jogador que goste de títulos de aventura e que tenha curiosidade em sentir na pele o que é ser um Homem das Cavernas.