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PC substituído é visão ultrapassada

Entrevistado pela Computerworld, Steve Wozniak, o co-fundador da Apple que se retirou para ser professor primário mas que não deixou de ser inventor, afirmar não acreditar em inteligência artificial, mas relembra que a era do PC se mantém bem viva.

Entre os grandes responsáveis pela revolução do computador pessoal, um dos nomes menos conhecidos do grande público é muitas vezes o de Stephan Gary Wozniak. A excepção são os macmaníacos, para quem “Woz” é praticamente uma lenda. Isso não se deve apenas ao facto óbvio de ele e o amigo Steve Jobs terem sido os responsáveis pela criação da Apple, em 1976. Se Steve Jobs é hoje o rosto conhecido do público no que se refere à marca da maçã, quem idealizou, projectou e construiu os computadores Apple I e II, aqueles que definiram o futuro da indústria, foi “Woz”.

Já milionário, “Woz” afastou-se da Apple no início dos anos 80 para surpreendentemente tornar-se professor primário. Mas este californiano brincalhão de 56 anos jamais deixou de dar espaço ao seu espírito criativo. Nos últimos 20 anos, não parou de criar novos produtos e invenções. Ele conta isso na sua recente autobiografia, iWoz – From Computer Geek to Culture Icon, publicada em 2006. Nesta entrevista “Woz” fala da amizade com Steve Jobs e de como criaram a Apple, conta quais são as suas invenções preferidas e porque não acredita que os robôs serão inteligentes nem com o fim do PC.

Computerworld Acredita que a era do PC acabou?

Steve Wozniak Eu não acredito. Em termos simples, as pessoas querem realizar coisas por determinados motivos. Quando se quer fazer uma análise financeira a empresa, o que faz? Usa-se um computador para reunir informações. Ainda assim, continuamos a usar as nossas vozes e nossas mentes para comunicar. Os computadores possuem um teclado para que se teclar e informar o que o computador deve fazer. E o teclado é operado pelos dedos. Isso vai mudar? Bom, o facto de hoje se poder procurar instantaneamente uma informação ou encontrar qualquer pessoa no mundo através da Internet, mantém o computador como uma ferramenta versátil que fornece de facto uma interface com o mundo. Mas o computador possui outros propósitos. Serve para armazenar diversas coisas, música, fotografias, vídeos, e-mail. É tão importante que não se pode imaginar a vida sem ele. Pode-se pensar em coisas como aplicações a serem usadas na web, como o Google Calendar em vez do programa iCalender do Macintosh. As pessoas podem usar diferentes aplicações, mas continuam a ser basicamente as mesmas coisas com os seus teclados.

Uma visão ultrapassada é aquela que vê o computador pessoal (PC) substituído por dispositivos menores no telemóvel. Eu também não concordo com isso, não acredito nisso. Existem muitos casos em que simplesmente é preciso digitar num teclado. Há muitas coisas que não podem ser feitas no telefone. Enquanto existir o computador, ele continuará a ser o meio mais eficiente de acesso ao mundo. Quando chegarmos ao ponto em que tudo estiver na web, incluindo as aplicações, então poder-se-á usar o computador de qualquer um, em qualquer lugar. Mas definitivamente não se pode fazer tudo num telefone.

CW Acredita que os criadores do Google, Larry Page e Sergey Brin, são os representantes actuais daquilo que você, Steve Jobs e Bill Gates representavam no final dos anos 70? Ou será que os próximos génios da tecnologia serão chineses?

Woz Não estou a par do que está a acontecer na China, em comparação, por exemplo, com o Google. Assim, eu diria que hoje o melhor equivalente em relação ao final da década de 70 seria a Google. Não estou a falar dos seus criadores, mas da empresa. Ela conseguiu um bom avanço, mas quando algo de novo aparece, pode surgir em qualquer lugar no planeta. Considerando todas as evidências, a Google não está apenas “sentada” em cima dos seus louros. O seu sucesso deve-se às suas grandes aplicações e ao modo como as combinam de forma brilhante. Às vezes tento imaginar como é que fazem para mantê-las a funcionar. A sua equipa tem feito um trabalho incrível.

CW Descreve-se como um inventor e um engenheiro. Quais são as suas invenções mais recentes?

Woz A minha última invenção é uma chave programada para o Segway, que é um veículo sobre duas rodas. É um projecto modesto, mas fi-lo usando os mesmos padrões que empregava nos velhos tempos. Além disso, há alguns anos tive uma start-up que desenvolveu um sistema de monitorização através de GPS. E no final dos anos 80 desenvolvi um controlo remoto que foi o primeiro controlo remoto universal da história.

CW De que inventos mais se orgulha?

Woz Se não quiser acreditar, não acredite: o que eu mais adoro é a chave programada do Segway, ao mesmo nível da drive de disco flexível do Apple II. Fi-la de modo a ser incrivelmente rápida e totalmente diferente de qualquer uma produzida antes dela. Projectei-a da forma mais perfeita que poderia ser. O Apple II foi provavelmente a minha maior invenção. Tive uma série de ideias malucas sobre como transformar coisas muito complicadas, tornando-as muito simples e de custo muito baixo, ao reunir tudo num único computador. Havia muito mais coisas num único computador do que qualquer um poderia esperar. Ao fazê-lo, criei o padrão de como o computador pessoal seria daí em diante. Ao lado do Apple I, ele mudou o mundo dos computadores, até então formado por máquinas feias e impessoais. O mundo mudou naquele dia e nunca mais foi o mesmo.

Também inventei o terminal de vídeo para o Apple I, com o qual podia aceder à antiga Arpanet, a antepassada da Internet actual. Desenvolvi ainda um jogo vídeo para o Atari, num curtíssimo espaço de tempo, e projectei um jogo electrónico para o meu telemóvel. Nos anos 70, antes da Apple, eu montava dispositivos para fazer ligações de graça para todos através de emissão de sinais sonoros pela linha telefónica. Desenhei um monte de chips para as calculadoras científicas da HP. É difícil resumir.

CW Ouve-se dizer que se interessa por robótica. É verdade?

Woz Sim, é verdade.

CW Temos visto surgir robôs assustadores, em especial aqueles desenvolvidos para o Pentágono. Eles locomovem-se como se estivessem vivos. Acha que a era do “Exterminador” está próxima?

Woz Ela está a aproximar-se, mas muito lentamente. As máquinas que parecem andar, usam dispositivos especiais de equilíbrio. O modo como o ser humano anda é praticamente impossível de copiar. Então, essa aproximação acontecerá um pequeno passo de cada vez. Todos estes robôs irão fazer muito bem apenas uma única coisa, mas nunca iremos ver um robô tirar um café, nunca! Pense nos passos que um ser humano precisa de dominar para tirar um café e verá que eles cobrem basicamente uns dez, vinte anos de aprendizagem. Para um computador fazer a mesma coisa, tem de passar pela mesma aprendizagem, andar até casa usar algum tipo de sistema óptico de visão, abrir a porta da maneira correcta, virar para o lado errado, retroceder, procurar pela cozinha, detectar onde está a máquina de café, colocar o filtro de papel, sabendo como ligá-la, o que muda de um modelo para outro… Não se podem programar essas coisas, é preciso aprendê-las, é preciso observar como as outras pessoas fazem café. Nunca veremos surgir a inteligência artificial. Pense no seu cachorro ou no seu gato. Eles são muito mais espertos do que qualquer computador.

CW Conta na sua autobiografia que quando conheceu Steve Jobs notou como vocês possuíam personalidades complementares. Você era o técnico enquanto ele tinha a visão de negócio; você era tímido e ele, extrovertido.

Woz Conhecemo-nos no início dos anos 70, nos meus anos de faculdade, quando ele ainda estava no liceu. Eu já projectava computadores e um amigo disse-me: tens de conhecer o Steve Jobs, porque ele gosta de electrónica e também gosta de fazer piadas. Muito pouca gente, fazia alguma ideia do que eram os chips, como funcionavam e o que podiam fazer. Como eu tinha projectado diversos computadores, estava à frente dele nessa área, mas mesmo assim tínhamos interesses em comum. Tínhamos uma atitude independente em relação às coisas do mundo, pensávamos por nós mesmos e éramos inteligentes o suficiente para não ir atrás das ideias da moda, como a contracultura.

CW Vocês ainda são amigos? Ainda trocam ideias sobre tecnologia?

Woz Sim, ainda somos amigos. Conversamos com frequência, mas não tanto sobre tecnologia como antes.

CW Porque saiu da Apple?

Woz Sendo o tipo de engenheiro que sou, eu projectava coisas à minha maneira, trabalhando sozinho. Mas a companhia tinha crescido, ao ponto de ter organizado um departamento de engenharia. Ainda assim, eu podia circular pela empresa e fazer qualquer projecto que desejasse. Mas queria trabalhar com gente de fora, fazendo novos produtos, fazendo coisas para mudar o mundo. Na verdade, eu jamais saí da Apple. Apenas fui criar novas empresas e permaneci como empregado. Até hoje recebo um cheque com uma pequena quantia todos os meses.

CW Steve Jobs voltou-se para “o lado escuro da Força”, quando começou a exigir demais dos funcionários, usando para isso inclusive o artifício da humilhação?

Woz Muitas vezes, ele agiu com muita inteligência para fazer prevalecer a sua visão face a série de pessoas muito qualificadas que trabalhavam na empresa quando criamos a Apple. Fez isto porque muito poucos viam as coisas numa perspectiva tão ampla como ele. Percebe? Ele simplesmente tinha de perseguir e alcançar grandes proezas num cronograma muito apertado. Ele tinha de forçar as pessoas a darem o máximo. A visão predominante foi a de que ele estava apenas a competir para ser a pessoa mais poderosa da paróquia.

“Não se pode olhar para trás e decidir como seria o futuro da Apple”.

CW Ainda acredita que a Apple tomou uma decisão certa em não licenciar o sistema operativo do Macintosh?

Woz Isso é muito difícil de dizer, mesmo hoje. Pense no iPod e o que ele significa para a Apple em termos de dinheiro. Para fazer da Apple uma companhia tão importante no sector dos computadores, nós tínhamos de fazer muitas escolhas. Se a Apple tivesse licenciado o seu sistema operativo, ainda assim nós teríamos sido tão grandes e tão bons na criação de grandes produtos? Não se pode olhar para trás e decidir como seria o futuro da empresa. Daria resultado? Não vale a pena perder tempo com isso. Com isto quero dizer que a Apple fundamentou algumas decisões importantes sobre boas razões. O nosso maior património advém da lealdade dos nossos consumidores, e muita dessa lealdade deriva da crença das pessoas na identidade própria da Apple: uma empresa que faz tudo, o sistema operativo, o hardware, as aplicações, os serviços. É o sucesso e a grandeza dos produtos que estão em questão quando se tem o controlo sobre todos os aspectos do computador.

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