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É possível deserdar um filho? Não é tão simples como se pode pensar

Muitas vezes as disputas familiares acabam em problemas com as heranças futuras. Quem dispõe do património quer escolher a quem o deixar, mas a legislação é apertada. Por exemplo, deserdar um filho tem muitas implicações legais.


A questão de deserdar um filho é complexa e delicada, tocando em aspetos emocionais e legais profundos. Em Portugal, o direito à herança está protegido por leis que visam garantir a justa distribuição do património de uma pessoa após a sua morte. No entanto, em determinadas circunstâncias, é possível deserdar um filho, desde que sejam cumpridos os requisitos legais específicos.

Basicamente, deserdar um filho significa excluí-lo da herança a que teria direito pela morte de um dos progenitores. Em termos legais, implica retirar a legítima, que é a parte da herança reservada por lei a certos herdeiros, como os filhos, independentemente do que esteja escrito em testamento.

Em Portugal, a lei protege os direitos dos herdeiros legitimários (cônjuge, filhos e pais), limitando a liberdade testamentária do autor da sucessão. Contudo, há exceções previstas no Código Civil que permitem avançar com este cenário, mas apenas em casos específicos e justificados.

Condições para deserdar um filho 

Segundo o Código Civil português, deserdar um filho só é possível em casos muito restritos, definidos no artigo 2166º. Estas condições são conhecidas como “indignidade sucessória” e incluem:

  1. Atentado à vida do testador: se o filho tiver tentado matar o progenitor, seja através de uma ação direta ou instigando terceiros a fazê-lo, poderá ser deserdado.
  2. Acusação falsa e injusta: quando o filho acusa falsamente o progenitor de um crime que possa conduzir a uma pena de prisão, sabendo que a acusação é infundada.
  3. Recusa de assistência: se o filho, sem justificação, recusar prestar alimentos ao progenitor quando este se encontre em situação de necessidade, contrariando o dever legal de assistência.
  4. Lesão grave à honra ou bons costumes: quando o filho ofende gravemente a honra ou os bons costumes do progenitor, cometendo, por exemplo, atos que possam ser considerados ultrajantes ou humilhantes para a pessoa do testador.

Estes motivos são imperativos, ou seja, a deserdação só pode ocorrer por um ou mais destes motivos.

Não é possível deserdar um filho por razões como desentendimentos familiares ou por divergências na forma de vida escolhida pelo filho.

Como se deve proceder?

Se cumprir algum dos requisitos acima descritos, pode avançar com o processo, mas fique desde já a saber que para deserdar um filho em Portugal, é necessário seguir um processo legal rigoroso. Conheça então os passos a seguir.

  1. Elaboração de um testamento: o desejo de deserdar um filho deve ser expressamente indicado num testamento válido. O testamento deve ser redigido por um notário, ou seja, feito por escritura pública, ou através de um testamento cerrado ou hológrafo, desde que cumpra todos os requisitos legais para ser considerado válido.
  2. Indicação dos motivos de deserdação: no testamento, devem ser indicados claramente os motivos pelos quais se deseja deserdar o filho, de acordo com as condições previstas na lei. É crucial que os motivos estejam devidamente fundamentados, sob pena de o testamento ser impugnado por outros herdeiros ou pelo próprio deserdado.
  3. Documentação e provas: é aconselhável que o testador reúna provas ou documente os acontecimentos que justifiquem a deserdação. Estas provas podem ser essenciais no caso de uma contestação judicial.
  4. Consulta com um advogado: dada a complexidade e seriedade do ato de deserdar um filho, é altamente recomendável consultar um advogado especializado em direito sucessório. O advogado poderá ajudar a garantir que todos os requisitos legais sejam cumpridos e que o testamento não contenha falhas que possam invalidar a deserdação.
  5. Registo do testamento: após a elaboração do testamento, este deve ser registado junto do notário. No caso de um testamento hológrafo, é possível que este não precise de ser registado, mas deve ser guardado num local seguro e acessível aos herdeiros após a morte do testador.

Implicações da deserdação

A deserdação de um filho não é um ato que se tome de ânimo leve, pois as implicações emocionais e familiares podem ser profundas. Além disso, mesmo cumprindo todos os requisitos legais, o processo pode ser contestado judicialmente após a morte do testador.

O filho deserdado ou outros herdeiros legitimários podem intentar uma ação em tribunal, contestando a validade do testamento ou dos motivos apresentados para a deserdação.

Se o tribunal considerar que os motivos não são válidos ou que não foram devidamente provados, pode declarar nula a cláusula, restaurando o direito do filho à legítima.

Por isso, deserdar um filho em Portugal é possível, mas apenas em circunstâncias específicas e devidamente fundamentadas. A lei estabelece condições rigorosas, e qualquer tentativa de deserdar um filho deve ser cuidadosamente planeada e executada dentro dos parâmetros legais.

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