A ASAE não põe de parte investigar os utilizadores dos sites portugueses de partilha de ficheiros encerrados no mês passado, como o BTuga e o ZeMula; mas não é sequer claro se, na lei europeia, os sites de peer-to-peer são ilegais.
A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) poderá investigar utilizadores dos três sites de partilha de ficheiros encerrados há uma semana e meia (BTuga, ZeTuga e ZeMula). Estes sites, que funcionavam como agregadores de “torrents” (pequenos ficheiros que servem para partilhar conteúdos em redes ponto-a-ponto, ou peer-to-peer), foram bloqueados a 24 de Julho numa operação da Polícia Judiciária e da ASAE.
Os dois gestores destes sites foram constituídos arguidos e sujeitos a termo de identidade e residência. A PJ divulgou em comunicado que os três sites tinham “200 mil utilizadores””, que “procediam à troca de material protegido por direitos de autor sem a devida autorização”.
Em declarações ao PÚBLICO, Pedro Picciochi, vice-presidente para a área operacional da ASAE, disse que a intervenção de dia 24 foi “a primeira e mais visível” face desta operação. Questionado sobre a possibilidade de a ASAE investigar utilizadores do BTuga ou dos outros sites, Picciochi respondeu: “Várias hipóteses podem colocar-se a esse nível neste momento. Temos um manancial bastante alargado de informação [recolhida no material apreendido aos gestores dos sites].”
“Não lhe posso dizer quando é que o processo estará concluído”, acrescentou o vice-presidente da ASAE. “Temos aqui um trabalho muito grande pela frente.”
Na semana passada, Rosa Mota, inspectora da PJ, deixou também em aberto em declarações às televisões a possibilidade de a investigação aos três sites bloqueados incluir os utilizadores das redes peer-to-peer.
Manuel Lage, porta-voz da ASAE, notou que a actividade da sua agência “não se resume” à pirataria na Internet. E acrescentou: “A nossa acção vira-se mais para quem tenta tirar partido disso, obter lucros [da partilha ou reprodução não autorizada de conteúdos].”
Segundo o comunicado da PJ, esse seria o caso dos sites bloqueados, cujos “serviços” incluíam algumas opções “mediante pagamento”. Pedro Picciochi confirmou que “alguns serviços nesses sites eram pagos”; não precisou montantes, visto que “ainda estão diligências a decorrer”, mas acrescentou: “Acho que os rendimentos não seriam desprezáveis.”
Uma “primeira acção”
Picciochi assegurou igualmente que a operação foi “uma primeira acção”, e que “haverá outras”: “Claro que há outros sites a ser investigados. Esta foi apenas a primeira [operação] a ficar concluída.” No ano passado, associações das indústrias de conteúdos portuguesas apresentaram 38 queixas-crimes por partilha ilegal de ficheiros na Net.
Mas e se os sites que oferecem torrents não estiverem a fazer nada de ilegal? Essa é a argumentação de muitos defensores das redes peer-to-peer. Protocolos de partilha de ficheiros como o BitTorrent ou o eMule são totalmente legais; ilegal é a partilha não autorizada de conteúdos com direitos de autor.
Ora, agregadores de “torrents” como o célebre Pirate Bay não disponibilizam conteúdos ilegais – apenas oferecem “torrents”. “Somos apenas uma ferramenta, que diz às pessoas onde encontrar conteúdos, quer estes tenham direitos de autor ou não”, disse ao PÚBLICO em Junho Peter Sunde, um dos fundadores do Pirate Bay. “É semelhante aos correios: estes não podem ser responsabilizados se as pessoas enviarem coisas ilegais numa carta.”
“Em todos os casos que têm sido julgados no mundo inteiro, seja nos EUA ou na Europa, a questão é simples: quem oferece apenas um sistema de partilha de ficheiros não está a praticar crimes”, disse ao PÚBLICO um jurista português, que pediu para não ser identificado. “O intermediário na Net não tem de vigiar conteúdos. O que tem é de reagir quando é notificado para isso. Isto é o que diz a lei em abstrato. Só se a entidade que permite a partilha além disso insere [na Internet] conteúdos, aí é que pode haver [ilegalidade].”
Nulla poena sine lege
O mesmo jurista recorda o caso Grokster – que chegou ao Supremo Tribunal dos Estados Unidos. O Grokster – uma rede de partilha de ficheiros – foi condenado por infringir direitos de autor. Mas a decisão do Supremo centrava-se em duas questões específicas: a associação do nome “Grokster” ao célebre Napster, e a obtenção de receitas (com publicidade); o tribunal americano acrescentou contudo que empresas de tecnologia não podem ser processadas apenas por os seus produtos serem usados com fins ilegais.
“O Grokster em Portugal não seria punido criminalmente”, acrescenta o jurista contactado pelo PÚBLICO. Mais: na jurisprudência americana há a figura de “contributory infringement” (quando um agente não só tem conhecimento de uma actividade ilegal como faz um “contributo material” para essa actividade). Ainda segundo o mesmo jurista, “na Europa não há essa figura”: “Nulla poena sine lege (‘sem lei não pode haver castigo’).”
À luz da legislação que rege esta área em Portugal (a directiva comunitária do comércio electrónico), ainda não houve casos de sites de torrents expressamente condenados. Aliás, no ano passado, um tribunal francês determinou que o uso de redes peer-to-peer é legal, num caso que opunha uma associação fonográfica de França e um utilizador denominado Anthony G. Este utilizador transferia filmes e música através de tecnologia Kazaa; o tribunal decidiu que isso era legal, desde que fosse para uso “pessoal e não comercial”.
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