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Análise Fragments of Him (Playstation 4)

Ao início, não é fácil entender Fragments of Him: não se trata de um jogo a que estejamos muito habituados. Não tem ação, não tem tiros, nem monstros, nem tão pouco escolhas que alterem o rumo da história.

Tem apenas 4 personagens e lida com questões com as quais nós, enquanto pessoas, não lidamos todos os dias. Sentimento de perda, relações e até mesmo a imperfeição do ser humano são explorados numa aventura diferente do habitual e que não deixa ninguém indiferente.


Fragments of Him é diferente da grande maioria – senão da quase totalidade – dos jogos com que muitos de nós já nos cruzámos. Uma produção independente da Sassybot que nos coloca no papel de Will, um rapaz que se apercebe da fugacidade da existência humana e que promete a si próprio mudar a sua postura de forma a aproveitar melhor a sua breve estadia neste planeta. No mesmo dia em que toma esta decisão, Will sofre um acidente de automóvel e morre.

Este é o mote para um jogo que nos deixa a pensar na nossa própria existência e no papel que cada um de nós desempenha ao longo da vida. A história desenvolve-se com o jogador como observador da vida de Will, na perspetiva das pessoas mais importantes para ele: Sarah, a sua namorada dos tempos de faculdade, Mary, a sua avó e Harry, o seu namorado atual.

O jogo inicia-se com a morte de Will, aquele que pode ser considerado como o personagem principal desta aventura. A ideia central de Fragments of Him não é explorar a morte de Will ou tentar evitá-la, mas sim perceber quais os seus dramas, anseios e frustrações. É também compreender de que forma os outros personagens o influenciaram e acabaram por, indelevelmente, moldar a sua personalidade. E também de que forma Will mudou a deles.

É muito fácil perdermo-nos no jogo, deixar de ver Will como Will e passar a vê-lo como uma imagem de nós próprios – ou a nós próprios como uma imagem dele. É fácil identificarmo-nos com um jovem na flor da idade que se apercebe que a vida é muito mais do que meras rotinas entediantes e inúteis e que cada momento deve ser apreciado como se fosse único – porque o é.

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É ainda mais fácil, à medida que o jogo avança e que vamos desenrolando o novelo, darmos por nós a pensar sobre a forma como os nossos entes queridos iriam reagir se confrontados por um acontecimento semelhante. Como nos iriam recordar? Qual o impacto que tivemos nas suas vidas e qual o impacto que tiveram sobre nós? O que foi que, na realidade, deixámos para trás?

A história é densa, os personagens são profundos e extremamente bem construídos, contribuindo de forma decisiva para elevar o enredo a um patamar próximo da perfeição. E um enredo emocionante contribui, principalmente num jogo em que a história é tudo, para ajudar Fragments of Him a atingir um nível bastante elevado. E se o enredo não fosse já por si suficiente, toda a ação é acompanhada de uma música suave e melancólica que nos hipnotiza e faz o nosso cérebro vaguear por ideias e pensamentos que não temos habitualmente, muito menos quando estamos à frente da PS4. Simplesmente sublime!

Infelizmente, e apesar de a história ser cativante e de nos puxar cada vez com mais força, existem alguns aspetos – mais técnicos – que acabam por retirar um pouco o encanto a um jogo que tinha tudo para proporcionar aos jogadores uma experiência inesquecível.

Um dos exemplos é a fluidez – ou falta dela – do jogo: sempre que existe uma evolução no jogo – seja porque o personagem central muda ou porque nos deslocamos para outro cenário -, o tempo que decorre até que possamos voltar a jogar é pouco menos que sofrível pois os tempos de carregamento são absolutamente absurdos. Interrompendo a ação, o foco do jogador muda deixando de se centrar na história e passando a focar-se no tempo que está a demorar para que o jogo recomece. Isto “mata” o jogo pois rapidamente nos dissociamos da história. Acaba por ser fácil deixarmo-nos levar novamente pelas questões filosóficas que o jogo nos coloca, mas seria preferível que o fio condutor do nosso pensamento não fosse continuamente quebrado.

A interação com NPC’s é inexistente e a interação com objetos no cenário, embora exista, ocorre apenas ocasionalmente. Infelizmente, há situações em que a interação com alguns objetos é levada ao extremo. A título de exemplo, temos a chegada de Sarah à faculdade. Para podermos prosseguir, somos obrigados a seguir Sarah à medida que ela carrega algumas caixas, uma a uma, do carro para o seu quarto. É certo que, enquanto isto acontece, ouvimos Sarah a falar sobre o quanto está entusiasmada com esta nova etapa na sua vida, mas a realidade é que ocorrências deste género são comuns e em nada contribuem para o desenrolar dos acontecimentos. Acabamos por sentir que estes pormenores estão no jogo apenas para o prolongar mais um pouco, o que pode revelar-se frustrante.

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Ainda assim, Fragments of Him é um jogo excelente, com uma história e personagens riquíssimos e profundos e que aborda alguns aspetos fundamentais da existência humana sobre os quais habitualmente não pensamos. Até mesmo os gráficos do jogo, que não são – de todo – importantes para a história, se enquadram perfeitamente na narrativa. Neste jogo, que se desenrola totalmente num mundo em tons de castanho, os intervenientes são representados por figuras estilizadas, sem um rosto definido. Mas a ideia é mesmo essa: não interessa quais os traços físicos dos personagens, mas quem eles são e de que forma cada um deles lidou com a perda de Will.

Veredicto:

Fragments of Him não é um jogo para qualquer um. E escrevo isto sem qualquer tipo de pedantismo ou superioridade. Num tempo em que os grandes blockbusters – com gráficos de última geração mas sem história ou com uma história superficial – arrastam multidões, é uma lufada de ar fresco aparecer um jogo tão denso e com um nível de complexidade tão elevado. É raro um jogo fazer-nos pensar sobre nós próprios, sobre a nossa existência e sobre aquilo que nos rodeia. É raro um jogo fazer-nos pensar sobre a nossa morte e sobre o sentimento de perda associado. Não é fácil lidarmos com estas questões mas Fragments of Him, de uma forma que quase nem se dá conta, coloca-nos a pensar sobre tudo isto. Apesar de tudo, alguns dos aspetos mais técnicos do jogo mereciam outra atenção. Se tivesse existido essa atenção e se algumas sequências de interação tivessem tido outra abordagem, estaríamos na presença do melhor jogo indie do ano e, sem dúvida, de um dos melhores jogos de 2017.

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