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O Google Maps pode estar a fazer-nos uma lavagem cerebral

No dia a dia, utilizamos ferramentas que facilitam as nossas tarefas e estão cada vez mais à distância de um clique. Curiosamente, confiamos tanto em algumas delas que nem questionamos o impacto que podem ter no nosso cérebro – contrariamente às redes sociais, por exemplo, às quais se reconhecem malefícios. É o caso do Google Maps, que pode estar a fazer-nos uma discreta lavagem cerebral.


Pelo mundo, o Google Maps é utilizado por mais de mil milhões de pessoas, que recorrem à ferramenta para se orientarem e descobrirem sítios.

Num artigo, Susan Dieleman, professora associada de Filosofia, na Universidade de Lethbridge, explorou a probabilidade de esta plataforma da Google estar a fazer-nos uma lavagem cerebral, recorrendo à teoria da cognição alargada.

Numa época em que as empresas tecnológicas competem por uma parte cada vez maior da nossa atenção e, por conseguinte, dos nossos processos cognitivos, torna-se cada vez mais difícil, mas, também, urgentemente importante, ter consciência de que podemos estar a ser persuadidos ou submetidos a uma lavagem cerebral, segundo Dieleman.

Neste sentido, a professora mencionou as mais recentes alterações do Google Maps, nos Estados Unidos, que substituíram “Golfo do México” por “Golfo da América” e o “Mount Denali” por “Mount McKinley” – ambas motivadas pelo atual Presidente do país.

Aparentemente, segundo Dieleman, a Google está a eliminar de forma sistemática a resistência a este tipo de alterações.

Quando comparado com o facto de ser comum o motor de pesquisa Google impulsionar a desinformação e as notícias falsas, e alimentar o viés de confirmação, mudar o nome de um corpo de água pode não parecer um grande problema.

Disse Dieleman, explicando que “a teoria filosófica da cognição alargada sugere que essas alterações podem não ser assim tão inócuas”.

 

O que é a cognição alargada?

A noção de cognição alargada, juntamente com a noção de mente alargada, foi apresentada num artigo de 1998 pelo filósofo britânico Andy Clark e pelo australiano David J. Chalmers.

Estes autores defenderam que o ambiente desempenha um papel ativo nos nossos processos cognitivos.

Por exemplo, a “utilização de papel e caneta para efetuar multiplicações longas”: algo que poderia ter sido feito na mente é “alargado” ao mundo exterior; se tivesse sido feito na nossa mente, não hesitaríamos em chamar-lhe um processo cognitivo.

Para Dieleman, a questão é que o facto de se transferir este processo para fora da mente não altera o que ele é.

Pelo contrário, “os processos cognitivos não estão (todos) na cabeça”. Afinal, se os recursos de uma ferramenta externa estão sempre presentes quando precisamos deles, esses recursos são, de facto, “parte do pacote básico de recursos cognitivos que utilizo no mundo quotidiano”.

Em 1998, utilizaram o exemplo de uma calculadora de bolso, sugerindo que é pouco provável que uma pessoa comum tenha sempre uma consigo. Partindo deste contexto, os smartphones desempenham um papel fundamental em muitos dos nossos processos cognitivos.

De facto, como Chalmers salientou num artigo posterior, o iPhone que comprou, entretanto, tornou-se parte da sua mente. Isto, porque substituiu parte da sua memória, albergou alguns dos seus desejos, facilitou alguns dos seus cálculos e muito mais.

Basicamente, subcontratamos muitas das nossas tarefas cognitivas às nossas tecnologias, com os smartphones, em particular, a desempenharem um papel importante para nos mantermos informados, recordarmos e calcularmos, por exemplo.

O estratega da Google que se tornou filósofo, James Williams, disse que os objetivos de envolvimento de baixo nível das tecnologias incluem “maximizar a quantidade de tempo que passamos com o seu produto, mantendo-nos a clicar, tocar ou percorrer o máximo possível, ou mostrando-nos o maior número possível de páginas, ou anúncios”.

Quanto mais tempo passamos com os nossos telemóveis, mais atenção eles exigem e mais integrados estão nos nossos processos cognitivos.

Por isso, o facto de a Google poder mudar os mapas de um dia para o outro ganha um novo significado: segundo a teoria da cognição alargada, podemos entender as alterações da Google como uma forma problemática de minar a autonomia dos utilizadores.

De certa forma, segundo a professora de Filosofia, a Google consegue entrar nos nossos processos cognitivos e, à vontade, fazer alterações. Estas podem impactar a nossa compreensão e memória de como o mundo físico está estruturado e é navegado, sem o nosso consentimento.

Consequentemente, essas alterações caem no lado errado da distinção, reconhecidamente ténue, entre persuasão e coerção.

Escreveu Susan Dieleman, explicando a diferença entre os dois conceitos:

Segundo a professora de Filosofia, num momento em que as empresas tecnológicas procuram viciar-nos cada vez mais nas suas plataformas, que utilizamos com cada vez mais frequência e para cada vez mais fins, importa ter consciência de que podemos estar a ser persuadidos ou submetidos a uma (ainda que aparentemente subtil) lavagem cerebral.

Concorda com esta possibilidade?

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